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Mas se o poema de Camões é nacional pela intenção, o assumpto e o impulso que o movimento da Renascença deu á imaginação do poeta, transmittiram á sua obra essa feição geral que abrange todo o pensamento e sentir da idade moderna. Eis o que se acha admiravelmente expresso nas seguintes palavras de Edgar Quinet: «Não me posso resolver a deixar já Camões; e não deixarei apparecer a minha piedade por este grande homem? Tudo n'elle me agrada; primeiro, a sua vida, a sua poesia, o seu caracter, o seu coração immenso. Somente me admiro que o seu nome não seja mais vezes citado agora; porque não conheço nenhum poeta que melhor corresponda, que melhor se associe a uma grande parte das ideias e dos sentimentos vulgarisados n'este seculo, pois que esta epopeia sem batalhas, sem assedios, inteiramente pacifica (cousa quasi inaudita), só apresenta o eterno combate do homem e da natureza, isto é, a lucta com que os escriptores do nosso tempo nos teem entretido tantas vezes. Nos Lusiadas ha dialogos formidaveis entre o piloto e o oceano; de um lado a humanidade triumphante sobre o

seu baixel empavezado; do outro os cabos, os promontorios, as tempestades, os elementos vencidos pela industria. Não é isto o espirito do nosso tempo? A epopeia que melhor o representa não é a do Tasso; ella é muito romanesca. Nem tão pouco a de Ariosto; aonde haverá hoje a graça, a serenidade, o sorriso do ultimo dos troveiros? Tambem não é a epopeia de Dante; a idade média está já tão longe de nós! Mas o poema que abre com o seculo xvi a éra dos tempos modernos é aquelle que sellando a alliança do Oriente com o Occidente, celebra a idade heroica da industria, poema não de peregrino, mas de viajante, sobre tudo de mercador, verdadeira Odysséa no meio das feitorias, dos amostradores nascentes das grandes Indias e do berço do commercio moderno, como a Odysséa de Homero é uma viagem atravez dos berços das pequenas sociedades militares e artisticas da Grecia». (1)

A feição, aliás exactissima, que Quinet descobre nos Lusiadas, marca perfeitamente a dif

(1) T. Braga, Vida de Camões.

ferença caracteristica entre as conquistas da America pelos hespanhoes e as das Indias pelos portuguezes, assignalando ao mesmo tempo quão distinctos por indole são os dois povos da Peninsula. Do poema de Camões transpira effectivamente a grande serenidade da paz industrial moderna, apenas perturbada pelas luctas do homem com as fatalidades da natureza; o Araucana é pelo contrario uma scena sanguinolenta do monstruoso drama que a Hespanha representou no Mexico e no Perú. E por isso é queem quanto os heroes de Ercilla aterram pelo medonho aspecto de verdugos, os de Camões são tão commoventes e amados como o sublime poeta, cuja vida resume em si a vida d'elles.

AMÕES nasceu em Lisboa em 1524. Em

CA

1537 começa os seus estudos nas Escólas

de Santa Cruz de Coimbra, d'onde voltou de vez a Lisboa em 1542. Trazia uma instrucção variada e opulenta para o seu tempo. Conhecia perfeitamente a historia e as litteraturas; estava corrente com as tradições da poesia provençal e com as legendas nacionaes. De tudo isso dá prova exuberantissima em suas obras.

D'entre os poetas da idade média tinha escolhido para mestre o seu divino Petrarca. Era o amante de Laura o que melhor fallara áquella alma apaixonada, o que mais perfeitamente lhe deixara antever o ideal imperecivel do amor, d'es

se amor infinito que lhe absorve a vida inteira, que passa de Natercia á patria, mas que o não

abandona um só instante no decurso da existen

cia.

Quando as portas do paço. de D. João ш se lhe franquearam, girava-lhe nas veias o sangue vivo e ardente dos 18 annos. O coração vinha-lhe cheio de esperanças e a mente povoada de imagens encantadoras. Sentia-se moço, forte como Achilles e radiante como Apollo. Despede-se com saudade dos seus dias descuidosos de estudante e das doces e claras aguas do Mondego, que não mais esquecerá (soneto 133); mas o talento que lhe engrandece o espirito, deixa-lhe descortinar no céo azul da mocidade a formosa visão do futuro que ambiciona.

Foi rapida mas cheia de brilho a passagem de Camões por entre a elegante convivencia da côrte. Poeta enamorado, petrarchista, alma alumiada pelo sol da Renascença, era amado pelos encantos do seu estro, pela affabilidade do seu trato e pela seducção da sua phisionomia, severa, mas attrahente. Os seus biographos traçam-lhe o retrato por este modo «testa alta e vasta, nariz

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