Com uma sem-razão, fera inclemencia Foi morto a lanças vis o Lusitano Que com espada, lança e braço forte A tantos na batalha dera a morte.
O campo recolhido sabiamente, Voltando dom Nun'alv'res com gran' preza, Cansado do trabalho, mas contente O sol da patria terra portugueza, No arraial põe guardas diligente, Fazendo contra a sorte fortaleza, Que mil vezes mudavel víra o rosto Em tragedia trocando o maior gosto.
Alli c'os passatempos costumados Tres dias teve o rei de grande glória, Dividindo os despojos aos soldados, E gosando os descansos da victoria. N'aquelles largos campos celebrados, A que hoje inda engrandece ésta memoria, E aonde o caminhante alegre e ledo Apontando os logares vai c'o dedo.
R. LOBO, Condestabre.
DESPOIS DA DESTRUIÇÃO DE TROIA.
Arde a Neptunia Troia ja rendida Ao cavallo fatal e grega espada,
Em cinza, em fumo, em sombra convertida, Que a glória humana é fumo, é sombra, é nada : Ja tractavam os Gregos da partida, Carregando o despojo á grande armada: E entre tam rica e soberana preza Era a formosa Helena a mor riqueza.
Ja co'a causa e desculpa do troiano Excidio que na cinza inda fumava, Soltando a redea ás naus, o soberano A gamenon as ânchoras levava :
Da negra antena despregando o panno, Que indo prenhe do vento que soprava, O porto deixa, o alto mar cortando; Vão-se as praias e os montes affastando.
O destroço fatal de Troia viam
Das naus que o Hellesponto atravessavam
Os Gregos, quando a vista suspendiam Nas terras que ja apenas divisavam. So nas partes mais altas pareciam Uns vestigios das tôrres que ficavam, Adonde a vista o mais que determina É medir a grandeza co'a ruína.
Amphiteatros, máchinas e muros Pyramides, colossos levantados, Obeliscos que mostram star seguros Contra a força dos tempos e dos fados, Jazem sem fama em cinza vil, escuros, Das idades por fabula postrados;
Que o tempo os bronzes e columnas parte, E os poderes da morte iguala Marte.
De bandeiras e flamulas ornaram A victoriosa armada que partia ; E as proas para Ténedo inclinaram, Que um bosque sobre as ondas parecia : Que alli vão despedir-se concertaram, Onde a ánchora pesada o sal fería;
Sôbre ella quando o fere, se dilata O mar azul em circulos de
Ambos de Atreu os filhos valerosos
(Antes que um va a Esparta, outro a Missena)
Queriam despedir-se, desejosos
Que alli possa alegrar-se a bella Helena :
Com elles sai ao campo, e os seus fermosos Olhos, de que reparte glória e pena Amor que assaltear d'elles aprende,
Pelo flórido campo e praia estende.
De ve-la o mesmo ceo se namorava, E o ar no do seu rosto se accendia, O mar, quando ella as conchas lhe furtava, Parece que a beijar-lhe os pés corria. Quem as divinas graças que mostrava, Contar quizer, mais facil lhe sería Contar as flores do lascivo maio, E do sol os cabellos raio a raio.
Pela testa sem ordem desparzido Sôlto o cabello voa livremente, Onde sai a aqueixar-se de opprimido De uma cinta de pedras refulgente. No hombro soa o arco do brunido Marfim ; no lado a aljava está pendente: Com menos graça ao bosque entrar costuma A bella deusa que nasceu da escuma.
G. P. DE CASTRO, Ulyssea.
Entre o rigor das armas retirado Comsigo Achiles so considerava As mortes com que cobre Marte irado, As praias que c'o sangue o Xanto lava: Ou porque de Briseida privado Agamenon o tem, que mais amava, Ou porque se entretem na doce pena Que a vista lhe causou de Policena.
A morte sente do fiel amigo Achiles, e de dor e de íra insano Ja deseja metter-se no perigo Para de sangue se fartar troiano : Ja desprezando estava o ocio antigo Vendo que causar póde maior damno Qualquer tardança; o peito e a celada Adapta, ao lado cinge a forte espada.
Ja de Thethys o filho valeroso
Junta ao carro os cavallos, que no raso
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