Fazendo vacilar a fortaleza
Das columnas Alcides respeitava; E Achiles affrontado do perigo A destreza temia do inimigo.
O braço cada qual irado estende, E c'o inimigo se ata em laço estreito; Uma vez se soltava, outra se prende Torcendo os braços, chegam peito a peito; No ar o grego o grande Heitor suspende Despois que várias próvas teve feito, Grande parte do campo assim descorre...
De não vencer corrido e affrontado, O corpo robustissimo cingia, E o grave pêso n'um e n'outro lado Vacillando mostrava que cahia ; Porêm todo pendente e reclinado, Com novo esforço e nova valentia Em pé ficava, quando a terra inclina Despois de ameaçar fatal ruína.
Como Antheon o duro Heitor ficava Depois de ter tocada a amiga terra, De novas forças e vigor se armava Para seguir a começada guerra: Maravilhado Achiles se mostrava
Vendo o valor que no alto peito encerra ;
Que seu grande vigor o desengana Que não é seu esforço cousa humana.
Viu começar o sol este duelo,
E ja então inclinava a luz phebeia ;
Sem sangue se acha Heitor, que de perdê-lo Roixa tornada tinha a branca areia : Achiles que na mão tinha o cabello De que a fortuna a escura fronte arreia, Bravo e furioso instava, com intento Que não tomasse Heitor um breve alento.
Achiles, que se ve mais alentado Estreitamente aperta Heitor comsigo, Mette o giolho esquerdo ao dextro lado Carregando nos peitos do inimigo, Que sem poder suster-se, cai forçado Sem descuidar-se em seu valor antigo, Que nos braços o aperta tam vehemente Que ambos a terra medem junctamente.
Heitor, a quem o peito a dura lima Da dor grave em mil partes dividia, Tendo de Achiles o gran' pêso em cima, A quem ja contrastar tam mal podia, Mostrando que inda assim menos o estima D'um lado n'outro o corpo revolvia, Que sem temer contrário tam temido, Vencido, quer não parecer vencido.
Ve no ar levantado o braço forte,
E apertado um punhal na dextra erguida, Do alto ao rosto ve descer a morte
Indo esconder-se o ferro na ferida : Gosando Achiles mais ditosa sorte, Os laços corta d'ésta illustre vida, Tendo outra vez no ar a adaga fera Como que a alma por feri-la espera.
Triumpha a morte e Marte do arrogante Despojo que no campo se estendia: A espada jaz, e o escudo rutilante Que Grecia toda com razão temia; O Ilion poderoso e triumphante N'elle a glória contempla que perdia, Cuja alta fama quando o ceo tocava N'ésta viva columna descançava.
Achiles vencedor quasi vencido
O escudo embraça, que ja mal sustenta : Toma a espada das fôrças impedido, E a planta move vagarosa e lenta, De cançado dos golpes e opprimido: Estar com pouca força representa E com tremante passo', a mão pesada Vai fazendo bordão da propria espada.
G. P. DE CASTRO, Ulyssea.
Abrindo vinha o ceo nocturno e frio Do rei da luz a bella embaixadora E mudando em aljofar o rocio,
Urnas de ouro derrama a roixa Aurora : A branda testa as perolas em fio
Toucavam, com que mais ao sol namora, E com o veo das nuvens que a cercava Do rosto as frias gottas enxugava.
Festejando a princeza do Oriente, Que sai as nuvens lucidas pizando, Os filhos do ar com penna diligente, Vinham o ceo e a terra namorando; Que com farpada lingua docemente Não aprendida musica espalhando, Quando nas leves azas se levantam A alma suspendem, e o sentido encantam.
Tras d'ella os abrazados horizontes Com ardente pincel o sol bordava, E a altiva testa dos suberbos montes De raios de ouro e prata coroava:
As plantas, rios, flores, prados, fontes, Cadaum com lingua muda ao sol fallava, Como que agradecia a gran' belleza,
que enfeitava o sol a natureza.
Mostrava a terra verde as bellas flores Vestidas com tal graça e alegria De mais finas e mais suaves côres Que estar-se rindo o prado parecia : O vento c'os primeiros resplandores Entre as folhas calado então dormia, E as fontes, que passando murmuravam, A suave repouso convidavam.
Sai Górgoris dos seus acompanhado Para onde o forte Ulysses o esperava ; Que corre a recebê-lo alvoroçado, A quem no rosto o coração mostrava : Porque o monte é de feras povoado, Por alegrar a Ulysses ordenava
Com que fatigue a selva, e gaste o dia.
Ja de atavios ricos adornadas As eguas remendadas se apercebem Que no campo do Tejo são criadas, Seus fenos pacem, suas correntes bebem: Que de Boreas e de Euro cubicadas De seu fecundo espirito concebem,
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