Taes contra Ignez os brutos matadores No collo de alabastro, que sostinha
As obras com que amor matou de amores Aquelle que despois a fez Rainha,
As espadas banhando, e as brancas flores Que ella dos olhos seus regadas tinha, Se encarniçavão, fervidos e irosos, No futuro castigo não cuidosos.
Bem puderas, ó sol, da vista destes
Teus raios apartar aquelle dia,
Como da seva mesa de Thyestes,
Quando os filhos por mão de Atreo comia! Vós, ó concavos valles, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes, Por muito grande espaço repetistes!
Assi como a bonina, que cortada Antes do tempo foi, candida e bella, Sendo das mãos lascivas maltratada Da menina, que a trouxe na capella, O cheiro traz perdido, e a côr murchada: Tal está morta a pallida donzella, Sêccas do rosto as rosas, e perdida
A branca e viva côr, co' a doce vida.
As filhas do Mondego a morte escura Longo tempo chorando memorárão; E, por memoria eterna, em fonte pura As lagrimas choradas transformárão. O nome lhe puzerão, que inda dura, Dos amores de Ignez, que alli passárão. Vêde que fresca fonte rega as flores,
Que lagrimas são a agua, e o nome amores.
Não correo muito tempo que a vingança Não visse Pedro das mortaes feridas; Que, em tomando do Reino a governança, A tomou dos fugidos homicidas.
De outro Pedro cruissimo os alcança; Que ambos imigos das humanas vidas, O concerto fizerão duro e injusto, Que com Lepido e Antonio fez Augusto.
Este, castigador foi rigoroso
De latrocinios, mortes, e adulterios:
Fazer nos maos cruezas, fero e iroso, Erão os seus mais certos refrigerios. As cidades guardando justiçoso De todos os soberbos vituperios, Mais ladrões castigando á morte deo, Que o vagabundo Alcides, ou Theseo.
Do justo e duro Pedro nasce o brando, (Vêde da natureza o desconcerto!) Remisso, e sem cuidado algum, Fernando,
Que todo o reino poz em muito apêrto:
Que vindo o Castelhano devastando
As terras sem defesa, esteve perto
De destruir-se o Reino totalmente;
Que hum fraco Rei faz fraca a forte gente.
Ou foi castigo claro do peccado De tirar Leonor a seu marido, E casar-se com ella, de enlevado N'hum falso parecer mal entendido, Ou foi que o coração sujeito e dado Ao vicio vil, de quem se vio rendido, Molle se fez e fraco; e bem parece, Que hum baixo amor os fortes enfraquece.
Do peccado tiverão sempre a pena Muitos, que Deos o quiz e permittio; Os que forão roubar a bella Helena; E com Apio tambem Tarquino o vio. Pois por quem David sancto se condena? Ou quem o Tribu illustre destruïo De Benjamin? Bem claro no-lo ensina
Por Sara Pharaó, Sichem por Dina.
E pois se os peitos fortes enfraquece Hum inconcesso amor desatinado, Bem no filho de Alcmena se parece, Quando em Omphale andava transformado. De Marco Antonio a fama se escurece Com ser tanto a Cleopatra affeiçoado. Tu tambem, Pœno próspero, o sentiste, Despois que hua moça vil na Apulia viste.
Mas quem póde livrar-se por ventura Dos laços que Amor arma brandamente Entre as rosas, e a neve humana pura, O ouro, e o alabastro transparente? Quem de huma peregrina formosura, De hum vulto de Medusa propriamente, Que o coração converte, que tem preso, Em pedra não; mas em desejo acceso?
Quem vio hum olhar seguro, hum gesto brando, Huma suave, e Angelica excellencia,
Que em si está sempre as almas transformando, Que tivesse contra ella resistencia? Desculpado por certo está Fernando Para quem tem de amor experiencia: Mas antes, tendo livre a phantasia, Por muito mais culpado o julgaria.
Despois de procellosa tempestade, Nocturna sombra, e sibilante vento, Traz a manhãa serena claridade, Esperança de porto, e salvamento: Aparta o sol a negra escuridade, Removendo o temor ao pensamento: Assi no reino forte aconteceo, Despois que o Rei Fernando falleceo.
Porque se muito os nossos desejárão Quem os damnos e offensas vá vingando Naquelles, que tão bem se aproveitárão Do descuido remisso de Fernando, Despois de pouco tempo o alcançárão, Joanne sempre illustre alevantando
Por Rei, como de Pedro unico herdeiro, (Aindaque bastardo) verdadeiro.
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