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XC.

Insiste o Malabar em te-lo preso,

Se não manda chegar a terra a armada;
Elle constante, e de ira nobre acceso,
Os ameaços seus não teme nada:

Que antes quer sôbre si tomar o pêso
De quanto mal a vil malícia ousada
Lhe andar armando, que pôr em ventura
A frota de seu Rei, que tee segura.

XCI.

Aquella noite esteve alli detido,

E parte do outro dia; quando ordena
De se tornar ao Rei: mas impedido
Foi da guarda que tinha não pequena.
Commette-lhe o Gentio outro partido,
Temendo de seu Rei castigo ou pena,
Se sabe esta malícia; a qual asinha
Sabera, se mais tempo alli o detinha.

XCII.

Diz-lhe que mande vir toda a fazenda
Vendibil, que trazia, para terra,

Para que de vagar se troque e venda;
Que quem não quer commércio, busca guerra.
Postoque os maos propositos entenda

O Gama, que o damnado peito encerra,
Consente; porque sabe por verdade,
Que compra co' a fazenda a liberdade.

XCIII.

Concertão-se que o negro mande dar
Embarcações idoneas em que venha;
Que os seus batéis não quer aventurar
Onde lhos tome o imigo, ou lhos detenha.
Partem as almadias a buscar

Mercadoria Hispana, que convenha:
Escreve a seu irmão que lhe mandasse
A fazenda, com que se resgatasse.

XCIV.

Vem a fazenda a terra, aonde logo

A agasalhou o infame Catual:

Com ella ficão Alvaro e Diogo,

Que a podessem vender pelo que val.

Se mais que obrigação, que mando e rôgo No peito vil o prémio póde e val,

Bem o mostra o Gentio a quem o entenda; Pois o Gama soltou pola fazenda.

XCV.

Por ella o solta, crendo que alli tinha
Penhor bastante, donde recebesse
Interesse maior do que lhe vinha,
Se o Capitão mais tempo detivesse.
Elle, vendo que ja lhe não convinha
Tornar a terra; porque não podesse
Ser mais retido, sendo ás naos chegado,
Nellas estar se deixa descansado.

XCVI.

Nas naos estar se deixa vagaroso,

Até ver o que o tempo lhe descobre;
Que não se fia ja do cobiçoso
Regedor corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juizo curioso

Quanto no rico, assi como no pobre,
Póde o vil interêsse, e sêde imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

XCVII.

A Polydoro mata o Rei Threïcio,

Só por ficar senhor do grão thesouro:
Entra pelo fortissimo edificio

Com a filha de Acrisio a chuva d'ouro:
Póde tanto em Tarpeia avaro vicio,

Que a troco do metal luzente e louro
Entrega aos inimigos a alta torre,

Do qual quasi affogada em pago morre.

XCVIII.

Este rende munidas fortalezas,

Faz traidores e falsos os amigos:

Este aos mais nobres faz fazer vilezas,

E entrega capitães aos inimigos:

Este corrompe virginaes purezas,

Sem temer de honra ou fama alguns perigos: Este deprava ás vezes as sciencias,

Os juizos cegando e as consciencias.

XCIX.

Este interpreta mais que subtilmente
Os textos: este faz e desfaz leis:
Este causa os perjurios entré a gente,
E mil vezes tyrannos torna os Reis.
Até os que só a Deos Omnipotente
Se dedicão, mil vezes ouvireis,

Que corrompe este encantador e illude;
Mas não sem côr, com tudo, de virtude.

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OS LUSIADAS.

CANTO NONO.

I.

Tiverão longamente na cidade

Sem vender-se a fazenda os dous feitores;
Que os infieis por manha e falsidade
Fazem que não lha comprem mercadores:

Que todo seu proposito e vontade
Era deter alli os descobridores

Da India tanto tempo, que viessem

De Meca as naos, que as suas desfizessem.

II.

Lá no seio Erythreo, onde fundada
Arsinoe foi do Egypcio Ptolemeo,

Do nome da irmãa sua assi chamada,
Que despois em Suez se converteo;
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceo
Com a superstição falsa e profana
Da religiosa água Maumetana.

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