todos aquelles dominios se conduzem aos portos d'este reino por meio de um util commercio e navegação nacional; de sórte que a capitania de Minas, tomada, como se deve tomar, n'este ponto de vista, é uma colonia portugueza vantajosamente situada, a qual em tempo de guerra póde contribuir poderosamente para a defensa e segurança das outras capitanias, muito particularmente da capital do Brasil, como já tem acontecido em algumas occasiões; e em tempo de paz fertiliza com o seu ouro os campos, e terras de todo aquelle continente, de que se tiram copiosos fructos, que vem ultimamente enriquecer os vassallos d'este reino, è igualmente o real Erario. 4. Eslas são em partes as grandes vantagens com que a natureza dolou a capitania de Minas em nosso beneficio, e ellas bastam para se formar uma idéa da sua importancia ; o nosso descuido porêm, e negligencia, e a relaxação e abusos que alli deixámos, não só introduzir, mas radicar, nos tem privado, priva, e privará de quasi todas ellas, em quanto por meio de um solido, activo, e prudente governo, qual é o que Sua Magestade espera, e confia de V .S.. se não corregirem os ditos abusos e relaxações, restabelecendo-se em lugar d'ellas a ordem, e regularidade nas partes mais importantes do mesmo governo, quaes são as seguintes. 5. Primeira:-Que os ecclesiasticos e ministros da igreja cumpram com as obrigações que a mesma igreja lhes prescreve; segunda, que os ministros de justiça cumpram igualmente com as obrigações dos seus lugares, administrando justiça com promptidão, imparcialidade e desinteresse; terceira, que os povos se não apartem da obediencia e submissão devida a Sua Magestade, de quem são vassallos, nem da inviolavel observancia das suas leis: quarta, que se promovam e animem por todos os modos possiveis os habitantes de Minas ao trabalho e exploração das mesmas minas; e igualmente ao da cultura das terras, facilitando-lhes ao mesmo tempo a permutação dos seus fructos e producções, por meio de um commercio licito e permitido, interior e externo; quinta, que se tomem todas as cautelas que forem praticaveis para se evitarem os contrabandos e descaminhos; sexta, que se tenha um vigilante cuidado na conservação e disciplina da tropa e forças da capitania; setima, enfim, que haja o maior cuidado e vigilancia na boa e exacta administração e arrecadação da real fazenda. 6. Estes são os pontos fundamentaes, que, sendo bem dirigidos, farão dentro de breves tempos florecer e prosperar aquella importantissima colonia portugueza; assim como os abusos, e relaxações n'elles introduzidos a tem reduzido a maior decadencia; e para que V. S. os possa melhor conbecer, e buscar os meios de os desterrar, lhe apontarei aqui pela mesma ordem acima indicada os que se fazem mais dignos do seu cuidado e vigilancia. 7. Quanto ao primeiro: é certo que a mais indispensavel obrigação que a igreja impoz aos seus ministros, principal mente aos que tem cura de almas, é a de ensinar aos povos os preceitos da lei que professam, prégar-lhes o evangelio, administrar-lhes os sacramentos e conduzil-os com o zelo, desinteresse, c regular comportamento de um bom e exemplar pastor ao gremio da igreja, de quem são filhos ; os parochos de Minas Geraes porém invertendo esta doutrina, a tem apropriado em grande parte aos seus reprovados e particulares interesses; dando occasião a repetidas e multiplicadas queixas, que desde tempos anteriores até agora tem successivamente chegado á real presença, de insuportaveis e forçadas contribuições, debaixo do pretexto de direitos parochiaes, benezes, e pés de altar, com que os mesmos parochos obrigavam e obrigam aos seus freguezes a lhes contribuir. 8. Sensivel a estes clamores ordenou o Senhor Rei D. João V. em 1718 ao bispo do Rio de Janeiro Fr. Francisco de S. Jeronimo, que n'aquelle tempo lambem o era de Minas Geraes, que os fizesse cessar; e para tirar aos ditos parochos todo o pretexto de vexarem os povos, lhes conferiu da sua real fazenda a congrua, ou ordenado de duzentos mil réis por anno a cada um. 9. Em consequencia da sobredita ordem expediu o bispo do Rio de Janeiro em 18 de Fevereiro de 1719 a provisão que V. S. achará junta debaixo do n.o 1.; da qual se vê que sendo as vexações, de que os povos se queixavam, procedidas das extorsões que os parochos lhes faziam; não só com os escriptos do desobrigação da quaresma, a que chamavam e ainda chamam conhecenças; mas tambem com as imposições extraordinarias, que exigiam pelos casamen los, baptismos, enterros, sepulturas, acompanhamentos, funeraes, encomiendações, missas cantadas ou rezadas, festivas ou de defuntos, ditas em altar privilegiado, ou não privilegiado sem que houvesse sacramento nem funcção ou cerimonia da igreja; até os mesmos toques de sinos; sobre que não houvesse uma contribuição taxada a arbitrio dos ditos parochos, e a cargo dos habitantes de Minas; o bispo do Rio de Janeiro com tudo passando em silencio todas estas extorsões que na mesma provisão se diz montarem tanto, como os quintos: sómente trala na dita provisão de occorrer ao imposto sobre as conhecenças, ou escriptos de confis são taxados pelos parochos a uma oitava de ouro ou 1$500 rs., e reduzidos pelo bispo à quinta parte da mesma oitava, ou 300 rs. cada um, indistinctamente pela communhão ou sómente pela confissão. 10. Por este modo ficaram aquelles habitantes muito mais opprimidos que precedentemente estavam; porque, além de ser ainda muito onerosa a contribuição de 300 réis por cada escripto de communhão, ou sómente de confissão, o silencio que o prelado guardou a respeito de todas as outras imposições e taxas foi reputado pelos parochos como um tacito consentimento e approvação sua; e n'esta intelligencia entráram a obrigar os povos de viva força a lhes pagarem as ditas imposições, como um direito, que lhes era devido, proferido, contra os que duvidavam pagar, censuras; e declarando-os publicos excommungados, com que os privavam das suas occupações, e da communicação das gentes; ou lhes moviam demandas que os arruinavam de todo, principalmente com esportulas, e outras exhibições não menos oppressivas da justiça ecclesiastica, chancellaria, e camara episcopal; alêm de encontrarem sempre n'aquelle juizo uma decidida propenção a favor das injustas pretenções dos parochos. 11. N'esta consternação continuaram as representações e clamores dos povos de Minas a subir á real presença; e o Senhor Rei D. João V., conhecendo o pouco que podia esperar do bispo do Rio de Janeiro, em semelhante materia, mandou ao conde das Galvèas, então governador e capitão general de Minas Geraes, que convocasse uma junta de ministros seculares com alguns ecclesiasticos, por commissão do bispo, á qual junta elle governador assistiria, para se tratar e determinar uma reforma geral, assim dos emolumentos dos parochos de Minas, como dos officiaes de justiça secular e ecclesiastica, com o mais que consta da dita provisão expedida em 20 de Janeiro de 1735, que vai debaixo do numero 2. 12. Não consta o que resultou da mencionada junta, nem o que se determinou em consequencia della. Erigindo-se, porêm, o novo bispado de Minas Geraes, e separando-se aquella Diocese da do Rio de Janeiro, foi nomeado para bispo de Marianna Frei Manoel da Cruz, religioso de S. Bernardo. Este novo prelado, levando, como é natural que levasse, ordens d'esta côrte para fazer cessar as vexações dos povos de Minas, e a ambição dos parochos sobre os denominados direitos parochiaes, fez um regimento em 20 de Outubro de 1749, que vai debaixo do numero 3, no qual, ainda que pretende haver diminuido em grande parte os ditos direitos parochiaes, em consideração das representações e queixas dos povos, basta a simples inspecção do dito. regimento para se ver a exorbitancia dos impostos que ainda ficaram a cargo dos mesmos povos. 13. Por cada missa cantada em todas as festividades do anno, manda que se dê ao parocho, diacono, subdiacono, e sacristão, 9 oitavas de ouro, ou 13 500 rs., alêm da cera. Pela semana santa manda dar ao parocho, a dois acolitos. e ao sachristão, 62 oitavas, ou 93000 rs.; e alêm d'isto ao que cantar o texto, o que se ajustar; e a cada padre assistente, 4 oitavas, ou 6 rs.; além da cera de toda a semana santa, que toda deve ser do parocho: havendo procissão manda dar mais ao parocho e subdiacono, 2 oitavas, ou 3 rs.; e havendo vesperas, mais ao parocho, diacono e subdiacono, 4 oitavas e meia ou 6750 rs. As mais funcções da igreja são taxadas n'esta mesma proporção; sem que se possa comprehender qual seja o direito que tem os bispos ou os parochos para impôrem sobre os povos a seu arbitrio semelhantes contribuições; que, ainda que lhes queiram dar, como dão, o titulo de esmolas, estas são e devem ser voluntarias; e o bispo obriga os povos no dito regimento a que as paguem, debaixo da pena de excommunhão maior. 14. O que ha de mais singular no dito regimento é que, depois de se haver laxado o preço que os povos deviam dar por cada uma das sobrelitas funcções da igreja, ainda o bispo foi excogitar os pais de familias, ou outros quaesquer freguezes, que fallecessem com testamento, ou sem elle, tendo bens de que lhes ficasse terça, para lhes impôr a obrigação de se fazerem tres officios, até onde ella chegasse; e se darem ao parocho por cada um dos ditos officios, e missa. 8 oitavas ou 12000 rs.; ao diacono e subdiacono, outras oito; e aos mais sacerdotes assistentes, 2 itavas a cada um, alem de mais meia oitava pela missa. 15. Este foi o primeiro regimento da pretendida reforma do bispo de Marianna sobre os abusos dos direitos paro chiaes; o qual sendo apresentado ao Sr. Rei D. José I, que Deus tem cm Gloria, e vendo n'elle o excesso, e exorbitancia com que os povos ainda ficavam gravados: Houve por bem mandar que interinamente se observasse o dito regimento, em quanto não resolvia a final o que se deveria praticar; reprovando porèm desde logo a nova introducção dos tres ficios, com que o bispo queria gravar ainda mais os vassallos de Sua Magestade; como tudo se vê na provisão com data de 29 de Março de 1751, que vai no fim do sobredito regimento, debaixo do N. 3. 16. Succedeu n'este tempo abolir-se a lei da capitação, em que a oitava de ouro corria no commercio pelo valor de 1500, e estabelecer-se a lei do quinto em que a oitava de ouro se mandou correr pelo valor de 1200 rs., ficando a quinta parte da dita oitava para pagamento do quinto á real fazenda; e depois d'esta alteração, continuando es habitantes a pagar os direitos parochiacs em oitavas, que era e é em Minas a moeda corrente, se oppuzeram os parochos, pretendendo ser indemnisados pelos povos da quinta parte da oilava reservada pela lei para a mesma real fazenda; e que n'esta conformidade receberiam cada oitava de ouro pelo valor corrente de 1200 rs. na forma da lei; mas que - alem d'isto lhes deviam dar os povos mais 300 rs., où a quinta parte da mesma oitava para supprir a que a fazenda real se reservou. 17. Clamaram os povos contra esta nova extorsão, mas inutilmente; porque recorrendo ao bispo, sabiu este com outro regimento, que tem a data de 13 de |