E se tanto porêm poude comtigo O desejo que so na morte pára, Ao campo me leváras do inimigo; Eu armado varão representára, Ao lado te seguíra, e no perigo Os golpes com fervor te desviára; E quando desviá-los não pudera, Eu propria a recebê-los me oppuzera.
E se comtudo, achando-me presente Ao triste e lastimoso sacrificio, Cahíras morto; como, estando ausente, D'esposa e amante fiel fizera officio? Um leito n'estes braços differente Teveras... Amoroso beneficio
Te fizera na chaga; eu t'a appertára, E com lagrymas minhas a lavára !...
Ao menos esses olhos, que eram lume D'estes cançados meus, em mim pregáras; Faltando a voz, que a vezes se consume
pena, per acenos me falláras : Podendo, últimas mandas, per costume, Deras, e as minhas últimas leváras... Últimas mandas minhas... não da vida, Porém da morte a meu amor devida !...
Vivi contente em quanto vida teve... Em quanto, digo, amor, vida tevestes.
Vivi contente, que este tempo breve Para tractar comvosco vós m'o déstes! Mas agora é razão que a morte leve Os despojos d'uma alma onde fezestes Vosso thesouro... pois levou d'essa alma Os despojos a morte, em grande palma !»
N'estes queixumes pára, e por vingança, De seus cabellos corta o rico vello,
E a Záyda diz: -«Co'as damas (certa usança) D'esse ornato parti, que ja foi bello! Direis a cadaqual que a esperança Maior é van... e pende de um cabello! Mas descuidada andei ; que me detenho, Se acompanhar meu bem na morte venho?....
Mas érro no que sigo! que approveita Dar vozes por uma alma?... Desconhece!... Minha alma ha de ir buscá-la...
Mas como ha de sahir? Aqui me acceita Este ferro de lança que apparece... >> Mais dissera... Mas ja no peito abria Franco logar per onde a alma sahia. »
QUEVEDO, Afonso Africano.
D. JOÃO PRIMEIRO
ELEITO E ACCLAMADO NAS CORTES DE COIMBRA.
Passa Obidos alegre e bem murada, Alcobaça fructifera e viçosa, Leiria doce, alegre e desejada, E Montemor antiga e bellicosa: E uma clara manhan bella e dourada Descobre a terra altiva e graciosa, Coroada de palmas, hera e louro,
Que é de Minerva e Phebo o mor thesouro.
Eis atravessa o campo tam famoso Que de Hercules o nome inda sustenta, E as altas tôrres ve que o vagaroso Mondego em seu remanso representa; Oh quain alegre o mestre valeroso Da deleitosa vista se contenta, Aonde as aguas os montes e a verdura Menos parecem montes que pintura!
A corrente serena e graciosa, Os alegres outeiros levantados,
Os limites da praia tam formosa Com salgueiraes espessos assombrados, A cidade tam nobre e populosa Descubrindo do alto o rio, os prados, Aos olhos parecia estar diante, Qual no esmaltado annel claro diamante.
Com alvorôço as gentes, e alegria A vagarosa ponte atravessavam, A ver aquella illustre companhia,
Em cuja mostra os peitos se alegravam : Em bandos os mininos, e em porfia Ante o cavallo ao mestre se ajuntavam Entoando contentes por seus modos: Viva o nosso bom rei! cantando todos.
Elle suspenso, os seus alvoroçados, Manda chamar do reino os seus maiores, Condes, bispos, abbades e letrados, E dos povos communs procuradores; E inda que em parecer muito apartados, Rostos e corações de varias côres, Intentos e tenções de muitas sortes, Sobre elegerem rei fizerão côrtes.
Com grandes alegrias recebido
Como depois em grande estremo amado,
Per eleição dos povos escolhido
Pelos grandes do reino levantado,
De mestre em rei, João foi convertido, Pelos homens pedido e per Deus dado, Cujo nome immortal, cuja memoria, Não póde escurecer nenhuma historia.
Ja do cargo real mais cuidadoso, Porque seu reino e nome se sustente, Faz condestabre o forte e valeroso Dom Nuno Alvres Pereira emcontinente. Menos se altera o capitão famoso Do que se alegra a Lusitana gente, De ver o pêso e ser de toda a guerra N'aquelle zelador da patria terra.
R. LOBO, Condestabre,
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