Alviçaras lhe pede um messageiro, Antes de entrar n'aquella terra altiva, Que o nome do logar tomou primeiro D'onde o do patrio reino se deriva; E diz com rosto alegre e prazenteiro, Que a consorte leal que era captiva, E a fermosa Beatriz em liberdade O esperam com glória na cidade....
Recebeu ésta nova o cavalleiro Com o coração saltando de alegria, Signal d'aquelle amor tam verdadeiro Que no seu casto peito se escòndia; Promessas grandes fez ao messageiro, E ja menos da empresa que trazia, Que de ver taes penhores cubicoso, Lhe parece o cavallo vagaroso.
Chegou, e aquelles braços valerosos (Então cheios de amor e de brandura ), Em apertados laços e amorosos,
C'os da bella consorte alli mistura,
Cujos olhos serenos graciosos, Queixosos tantos tempos da ventura, De lagrymas contentes estão cheios Ja com mais alvoroços que arreceios.
A bella filha entre elles abraçada, Que era dos corações doce liança, Qual vide entre dous olmos enredada Que orna o mesmo logar aonde descança; Tambem fallava alegre e aggravada, Misturando entre os gostos a lembrança, De antigas saúdades e queixumes, De esquivanças, descuidos e ciumes.
O curto dia, a noite vagarosa, As horas e os momentos recontavam Lianor uma ausencia tam penosa,
que tantas razões atormentavam; Elle da guerra dura e trabalhosa, Dos cuidados que a ésta accrescentavam As lembranças do bem que tinha ausente;
Que este é o que entre os males mais se sente.
Alli um dia e outro se deteve,
Que este Marte de Amor ficou vencido, Estando n'este tempo doce e breve Das suas armas ja como esquecido; E depois que a ventura viu que esteve Mal pago de um destêrro tam comprido,
Faz que o descanço deixe, e pela terra Caixas manda tocar, e ordenar guerra.
Ah gostos sempre á vida fugitivos, Escassos se chegais de pouca dura, Buscados per trabalhos excessivos, Achados por descuido ou por ventura; A quem vos ama mais sois mais esquivos, Captivos de quem menos vos procura, Mostrando claramente aos humanos, Que não sois para bens, mas para enganos!
Quam mal imaginava que vos tinha Aquelle casto peito firme, ousado, Que aos perigos do mar armado vinha, So de vossas lembranças desarmado; Vêde quam pouco espaço se detinha Esse ligeiro bem no mesmo estado, Que a obrigação da honra o tempo apressa Quando amor entre as armas se atravessa.
C'o som medonho os montes se abalaram, O Tejo se turboù e o Guadiana, Pavorosas as serras se inclinaram, Tremeu a terra antiga Lusitana; Os cavallos de Apollo se encresparam, E elle negou o rosto á vista humana, E retumbando o echo ao vão dos montes, Fez responder gran' tempo os horisontes.
Torna-se o ar de settas logo escuro, Nuvens de negro po ao ceo subindo, As pedras resoando no aço duro, E as lanças de arremesso vão zenindo : Cerram-se as alas junctas, fica um muro De lanças campo e campo dividindo, Tudo em desiguaes vozes arrebenta, Estrondo confusão, grita e tormenta.
Foram do som horrisono espantados Muitos da primeira ala Lusitana
De alguns tiros aos nossos desusados, Que vinham na vanguarda Castelhana; Que até aquelles bons tempos celebrados, Nos não monstrava a vil malicia humana Que com estrondo e fumo que faziam Aos nossos forças e armas suspendiam.
Mas ja de Nuno a rigorosa espada Com golpes sem medida, sem defeza Fazendo entre os imigos larga estrada, Abre caminho á gente Portugueza; Valles fazendo vai de gente armada Com desusada e estranha fortaleza, Para uma e outra parte os golpes dobra, E atrás d'elle a vanguarda esfôrço cobra.
Dom João Afonso, o valeroso conde Que ante todos moveu com furia estranha, Na patria gente a fera lança esconde, E em gritos vem dizendo: «Viva Hespanha ! » Da outra parte Nun'alv'res the responde Que faz tremer com golpes a campanha : << Portugal, Portugal» e á voz, que lança, Com a furia da espada se abalança.
Oh golpes n'ésta idade tam mal cridos, Que os montes de Colippo em echo vão Tiveram grande espaço repetidos,
E o Lis, que as crespas aguas teve então:
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