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Despois de apparelhados d'ésta sorte,
De quanto tal viagem pede e manda,
Apparelhámos a alma para a morte,
Que sempre aos nautas ante os olhos anda
Para o summo Podêr que a etherea corte
Sustenta so co' a vista veneranda,
Implorámos favor que nos guiasse,
que nossos começos aspirasse.

E

Partimo-nos assi do sancto templo,
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, para exemplo,
D'onde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó rei, que se contemplo
Como fui d'éstas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.

A gente da cidade aquelle dia,

Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente, concorria,
Saúdosos na vista, e descontentes;
E nós co' a virtuosa companhia
De mil religiosos diligentes,

Em procissão solemne a Deus orando,
Para os bateis viemos caminhando.

Em tam longo caminho e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam;

As mulheres c'um chôro piedoso,

Os homens com suspiros que arrancavam ;
Mães, esposas, irmans, que o temeroso
Amor mais desconfia, accrescentavam
A desesperação e frio medo

De ja nos não tornar a ver tam cedo.

Qual vai dizendo: Ó filho, a quem eu tinha
So para refrigerio e doce amparo
D'ésta cansada ja velhice minha,
Que em chôro acabará penoso e amaro :
Porque me deixas misera e mesquinha?
Porque de mi te vas, ó filho caro,

A fazer o funereo enterramento
Onde sejas de peixes mantimento?

possa;

Qual em cabello : Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quiz amor que viver
Porque is aventurar ao mar iroso
Essa vida
que é minha e não é vossa?
Como por um caminho duvidoso
Vos esquece a affeição tam doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento
Quereis que com as velas leve o vento?

N'éstas e outras palavras que diziam
De amor e de piedoša humanidade,
Os velhos e os meninos as seguiam
Em quem menos esforço põe a idade.

Os montes de mais perto respondiam,
Quasi movidos de alta piedade :
A branca areia as lagrymas banhavam,
Que em multidão com ellas se igualavam.

Nós outros sem a vista alevantarmos
Nem á mãe nem á esposa, n'este estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do proposito firme começado ;
Determinei de assi nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado,
Que postoque é de amor usança boa,
A quem se aparta ou fica mais magoa.

Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente✔
C'um saber so d'experiencias feito,
Taes palavras tirou do experto peito :

Oh glória de mandar! Oh van cubica
D'ésta vaidade, a quem chamamos fama!
Oh fraudulento gosto que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!

Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades n'elles exprimentas !

Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adulterios,
Sagaz consumidora conhecida

De fazendas, de reinos e de imperios !
Chamam-te illustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vituperios;
Chamam-te fama e glória soberana,
Nomes com quem se o povo nescio engana!

A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e ésta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
Debaixo d'algum nome preeminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe faras tam facilmente?
Que famas lhe prometterás, que historias,
Que triumphos, que palmas, que victorias?

Mas ó tu, geração d'aquelle insano,
Cujo peccado e desobediencia,

Não somente do reino soberano

Te poz n'este destêrro e triste ausencia, Mas inda d'outro estado mais que humano,

Da quieta e da simples innocencia,

Idade d'ouro, tanto te privou,

Que na de ferro e d'armas te deitou :

Ja que

n'ésta gostosa vaiḍdade Tanto enlevas a leve phantasia;

Ja que
Puzeste nome esforço e valentia;
Ja que prezas em tanta quantidade
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que ja
Temeu tanto perdê-la quem a dá:

á bruta crueza e feridade

Não tens junto comtigo o Ismaelita,
Com quem sempre teras guerras sobejas?
Não segue elle do Arabio a lei maldita,
Se tu pola de Christo so pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não é elle por armas esforçado,
Se queres por victorias ser louvado?

Deixas criar ás portas o inimigo
Por ires buscar outro de tam longe,
Por quem se despovoe o reino antigo,
Se enfraqueça, e se va deitando a longe!
Buscas o incerto e incognito perigo,
Porque a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da India, Persia, Arabia e da Ethiopia !

Oh maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas vela poz em secco lenho!

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