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Ora os deliciosos habitantes

Da malaia peninsula. — Um repoiso,
Placido quanto o gozam desgraçados,
Encontrei na escalvada penedia,
Onde na roca esteril se alevanta
Macáo, fertil agora das riquezas,
Que o manancial do tráfico lhe verte.
Alli, so com meus tristes pensamentos,
Livre aomenos dos homens, so comigo,
Co'as lembranças da patria, co'as saudades,
Que la me tinham coração e vida,
Se não feliz vivi, sequer tranquillo.

<< Nas penhas d'essa ilha abriu natura
Cava na rocha, solitaria grutta *,
Onde as nayades frias vão coitar-se
Do ardor da sésta: á entrada lhe vicejam
Recendentes arbustos, heras crespas;
E no vivo rochedo lhe entalharam
Mysteriosas mãos ignotas lettras.
Talvez em longes eras meditasse
Solitario discip❜lo de Confucio
N'essa caverna as eternaes verdades
Do grande Tien, do deus da natureza,
Que ao Socrates da China se amostrára
Mais temporão, se lhes não mentem chronicas,
Que ao amante de Phedon **.-Vem quebrar-se

* Chamada ainda hoje a grutta de Camões.
** Socrates.

Perto o mar, que se espraia longo e longo,
Té se perder no extremo do horisonte.
Alli, de soledade amarga e doce,
Esquecidas passei horas ditosas;
Ditosas, se jamais fio d'areia
Na voadora ampulheta me ha corrido
Horas, que taes se chamem. -
De suave tristeza me accodiam

N'esse poiso

Á memoria as ideias do passado,
Magoadas co'as lembranças do presente,
De envolta com receios do futuro;
E acaso de esperança verdejava
Leve folha dos ventos assoprada.
Patria, oh patria!

dizia-é pois um sonho Essa visão, que por celeste a tive? Teu nome eternizar, dar brado á fama, Que de ti digno, digno de Natercia * As gerações pasmadas me apregoem... Assim vos dissipais, visões de glória, Como fumo que se ergue da choupana Para subir aos cees, - que Euros dispersam, Quasi punindo-o de tenções tam altas!

Que póde em pro da patria um desgraçado,
Perseguido, no exílio inmerecido?...

<< Uma voz ca do íntimo do peito Cuidei ouvir que assim me respondia:

*D. Catherina de Atayde, de quem sempre fallou Camões, nos seus versos, com este anagramma.

Póde mais do que a espada, a voz e a penna;
Feitos de glória immortaliza o canto,
Salvam do olvido as musas. Vive a fama,
Que em versos divulgáram numerosos
Vates de Grecia e Roma. É menos digno
De eterno carme o peito lusitano *,
A quem Neptuno e Marte obedecêram,
Que essas do sabio Grego, e do Troiano
Navegações mentidas, fabulosas?

Um Nuno fero, um Egas, um dom Fuas
Não excedem os sonhos mal fingidos
De Orlandos falsos, e de vãos Rugeiros?
Do incerto Eneas para si não toma
Fama e renome aquelle Gama illustre,
Que ousado em p'rigos, e esforçado em guerras,
Mais do que permittia humana força,
Cometteu e prefez acção tammanha?

<< Na mente, como c'um impetu invencivel,
Me dava abalo o altivo pensamento.
Grande é o arrojo, desmedida a altura,
Onde me afcuta de subir a ideia.
Embora, embora; seguirei meu fado.
As nymphas invoquei do Tejo ameno,
Que em mim creassem novo ingenho ardente,
Que a tam subida empresa se elevasse.
Emprendi, persev'rei no ousado intento;

*Lus., cant. I. est. 3, até 12

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Trabalho d'annos foi: alfim completo,
Com elle á doce patria me voltava
No benigno favor esperançado

De meus concidadãos, no de um monarcha
Prezador das virtudes, do heroismo,

Que em meus versos cantei.-Mais doce ainda,
De mais subido premio outra esperança
Me alentava... Ai de mim! um longo sonho
Minha existencia ha sido. E pois que nada,
Nada ja'gora me ficou na terra...

Sem ella... oh! nada que me resta?...A morte.>>
ANONYMO, Camões poema.

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MORTE DE CAMÕES.

Emtanto as velas

Ja pelo Tejo undivago branqueiam;
As phalanges de intrepidos guerreiros
Cobrem suas longas praias. Lamentando
Estão d'emtorno as mães, ternas esposas,
Os filhinhos nos braços amostrando
Aos paes, que o gesto angustiado voltam
Para os não ver, que se lhes parte a alma.
Mas quem são esses dous, que ahi sôbre a praia
Tam estreitos se abraçam? Correm lagrymas
Per olhos, que a vertê-las não costumam;
Em peitos se reprime o adeus sentido;
Peitos, que o não contêm.

« Adeus!... A vida

É mais difficil, filho, do que a morte.
Supportae-a; mostrae-lhes que sois homem,
Que sois christão: perdoae...>>

-«Perdoar eu !... Nunca.

Malvados, que me roubam tal amigo!
Unico amparo so que me restava;

Que d'envolta co'a patria, co'as esp❜ranças
povo inteiro, a vil sepulcro o levam!

D'um

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