Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

Oh! perdoar-lhes, nunca : o derradeiro
Accento de meus labios moribundos

Será de maldição sobre essas frentes
Carregadas de crimes. >>

- «Perdoae-lhe, Perdoae-lhe: a affronta propria é juiz suspeito.>> -«< A minha affronta, oh! essa, eu lh'a perdoo. Mas a da patria...>>

-«Adeus, adeus!>>

El-rei então; signal de partir soa:

Chegava

Ja se movem as naus; e as altas pontes
Se eriçam de belligeras phalanges.

Redobra o pranto. - Anchora sobe; antenas
Se espandem... La te vas, e para sempre!
Nas pandas azas dos traidores ventos,
Independencia, liberdade e glória.

<< Que me resta j'agora? » os olhos longos
Para a frota, que perde no horizonte,
Comsigo o vate diz: «O que me resta
Sobre a terra dos vivos? Um amigo,
Um amigo, n'este arido deserto

Da vida, me fallece. Um bordão unico,
A que me arrime na escabrosa senda,
Me não ficou. O número está cheio
De meus dias contados por desgraças,
Marcados, um por um, na pedra negra
Do fado negro e mau. Posso eu acaso

Nos corações contar dos homens todos
Uma so pulsação, que por mim seja?
Posso dizer... » - Gemido, que ouve perto,
O interrompeu. Era o seu Jáo, que afflicto
O escutava. Do humilde e pobre escravo
O coração fiel se retalhava

De ouvi-lo assim queixar.»> Ah! se eu não fora (Com os olhos e as lagrymas dizia;

Com os olhos, que labios o não ousam)
« Ah! se eu não fôra um desgraçado escravo,
Que coração que eu tinha para dar-lhe! >>
Tu, generoso amo, lhe intendeste

Seu fallar mudo, seu dizer de lagrynas.
— << Tens razão; injustiça é grande a minha :
Inda tenho um amigo. >>

Pausa longa
Seguiu éstas palavras, que no peito
Ao generoso Antonio desafogam

O coração, que lhe apertava a mágoa;
Nos olhos, rasos do chorar ainda,
A alegria lhe ri per entre o pranto.
E o amo, a quem signaes de tanto affecto
Movem no íntimo d'alma; sente um golpe
De balsamo cahir-lhe sôbre as chagas
Do coração lanhado : a dextra languida
Poisa no hombro fiel, o peito encosta
Sobre o peito leal do amigo...

Amigo
Direi; amigo sim : peja-te o nome,

Orgulho do homem vão, por dado a escravos?

E

que és tu mais? -Era de ver, e digno
Espectaculo, aonde se cravassem
Os olhos todos d'essa raça abjecta,
Que se diz de homens, a figura nobre
Do guerreiro, onde toda se debuxa
A altivez, a grandeza, a força d'ânimo,
C'um andrajoso humilde e pobre escravo
Em attitude tal. Rira-se o mundo;

O homem de bem, de coração, chorára.

- «Oh meu amigo, oh meu Antonio »>-disse, No remendado seio a face altiva Escondendo o guerreiro – - «Oh! ésta noute Aonde, em que poisada a passaremos?

- Meu bom senhor, um gasalhado tenho
Achado ja; que bem vi eu não ieis
Nunca mais ao mosteiro. Digno, certo,
De vós não é; mas sabeis...>>

-<«< Sei, amigo,

alfim me restas. >>

n'este misero universo,

Que so tu,
- E o sepulcro tambem

Junctos á margem vão do Tejo andando
A lento passo. A noute era formosa,

Clara e brilhante a lua. Oh! que memorias
N'alma do vate, esse astro, a hora, o sítio
Não suscitam amargas? Perto passa
Daquella gelosia, aquella mesma,

D'onde os doces pinhôres, d'onde a carta
Recebêra fatal. Quam demudada,
Quam differente está, do que a ja víra,
Essa praia tam placida e saudosa.
Um plátano frondoso, que hi crescia,
Em cujo liso tronco tantas vezes

Se encostou, aguardando a hora tardia,
(Praso dado d'amor, que é tardo sempre)
Cuja sombra em luar, pouco propício
A amantes, o occultou de agudas vistas
De curiosos-profanos, e inimigos;
Ai! sêcca jaz em terra, e despojada
De viço e folhas a árvore querida.
Tudo, tudo acabou, menos a mágoa,
Menos a saudade que o consume.

Sua pobre habitação os dous entráram;
E tristes horas, dias, mezes passam
Arrastados e longos,

[ocr errors]

qual o tempo
Para infelizes anda, sem que a sorte
Mais ditosos os visse, ou a amizade
Menos unidos. Mas a mão tremente
Encarquilhada e sêcca ja sôbre elles
Ja estendendo a pallida indigencia;

E a fome... a fome alfim. - Clamor pequeno,
Que de minhas endeixas tenue soa,

Se juncte aos brados das canções eternas,
Com que o teu nome, generoso Antonio,
Ja pelo mundo engrandecido echoa,

Vêde-o, vai pelas sombras caridosas
Da noite, de vergonhas coitadora,
De porta em porta tímido esmolando
Os chorados seitis, com que o mesquinho,
Escasso pão comprar. Dae, Portuguezes,
Dae esmola a Camões. Eternas fiquem
Éstas do estranho bardo* memorandas,
Injuriosas palavras, para sempre
Em castigo, e escarmento, conservadas
Nos fastos das vergonhas portuguezas.

Não póde mais o coração co'a vida;
E lenta a morte c'o infezado sangue
Caminho vem do peito. O espaço mede,
Que lhe resta na arena da existencia;
Perto a barreira viu... Ahi jaz o tumulo.
Chegado é pois o dia do descanso.
Bem vinda sejas hora de repoiso.
Com a trémula mão tenteia as cordas
Daquella lyra, onde troou a glória,
Onde gemeu amor, carpiu saudade,
E a patria...-Oh! e que patria os ceos lhe deram!
Off'rendas recebeu de hymnos celestes;
Pela última vez as cordas fere,

*M. Raynouard, na sua ode a Camões. Esta ode traduzida per tres Portuguezes em Paris, e modernamente annotada, foi impressa na regia officina typographica de Lisboa.

« VorigeDoorgaan »