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A feminil fraqueza pouco usada,

Ou nunca, a opprobrios taes, vendo-se nua
De forças naturaes convenientes,
Soccorro pede a amigos e parentes.

Mas como fossem grandes e possantes
No reino os inimigos, não se atrevem
Nem parentes nem férvidos amantes
A sustentar as damas, como devem.
Com lagrymas formosas, e bastantes
A fazer que em soccorro os deuses levem
De todo o ceo, por rostos de alabastro,
Se vão todas ao duque de Alencastro.

Era este Inglez potente, e militára
C'os Portuguezes ja contra Castella,
Onde as forças magnanimas provára
Dos companheiros, e benigna estrella:
Não menos n'ésta terra exprimentara
Namorados affeitos, quando n'ella
A filha viu, que tanto o peito doma
Do forte rei, que por mulher a toma.

Este que soccorrer-lhe não queria,
Por não causar discordias intestinas,
Lhe diz: Quando o direito pretendia
Do reino la das terras Iberinas,
Nos Lusitanos vi tanta ousadia,
Tanto primor e partes tão divinas,

Que elles sos poderiam, se não érro,
Sustentar vossa parte a fogo e ferro.

E se, aggravadas damas, sois servidas,
Por vós lhe mandarei embaixadores,
Que per cartas discretas e polidas,
De vosso aggravo os façam sabedores.
Tambem per vossa parte encarecidas
Com palavras d'affagos e d'amores,
Lhe sejam vossas lagrymas, que eu creio
Que alli tereis soccorro e forte esteio.

D'ésta arte as aconselha o duque experto, E logo lhe nomea doze fortes,

E

porque cada dama um tenha certo, Lhe manda que sôbre elles lancem sortes; Que ellas so doze são e descoberto

Qual a qual tem cahido das consortes,
Cada uma escreve ao seu per varios modos,
E todas a seu rei, e o duque a todos.

Ja chega a Portugal o mensageiro;
Toda a corte alvoroça a novidade:
Quizera o rei sublime ser primeiro,
Mas não lho soffre a régia magestade.
Qualquer dos cortezãos aventureiro
Deseja ser com férvida vontade;
E so fica por bemaventurado
Quem ja vem pelo duque nomeado.

La na leal cidade d'onde teve

Origem (como é fama) o nome eterno
De Portugal, armar madeiro leve
Manda o que tem o leme do governo.
Apercebem-se os doze em tempo breve
D'armas e roupas de uso mais moderno,
De elmos, cimeiras, letras e primores,
Cavallos, e concertos de mil côres.

Ja do seu rei tomado teem licença
Para partir do Douro celebrado,
Aquelles que escolhidos per sentença
Foram do duque inglez exprimentado.
Não ha na companhia differença
De cavalleiro, destro, ou esforçado;
Mas um so que Magriço se dizia,
D'ésta arte falla á forte companhia :

Fortissimos consocios, eu desejo,
Ha muito ja, de andar terras estranhas,
Por ver mais aguas que as do Douro e Tejo,
Várias gentes e leis e várias manhas.
(Agora que apparelho certo vejo,

Pois que do mundo as cousas são tamanhas)
Quero, se me deixais, ir so per terra,
Porque eu serei comvosco em Inglaterra.

E quando caso for que eu impedido
Per quem das cousas é última linha,

Não for comvosco ao prazo instituido, Pouca falta vos faz a falta minha. Todos por mi fareis o que é devido; Mas se a verdade o esprito me adivinha, Rios, montes, fortuna ou sua inveja Não farão que eu comvosco la não seja.

Assi diz; e abraçados os amigos,
E tomada licença, emfim se parte:
Passa Igeão, Castella, vendo antigos
Logares que ganhára o patrio Marte;
Navarra, c' os altissimos perigos

Do Pyreneo que Hespanha e Gallia parte:
Vistas emfim de França as cousas grandes,
No grande emporio foi parar de Frandes.

Alli chegado, ou fosse caso ou manha, Sem passar se deteve muitos dias; Mas dos onze a illustrissima companha Cortam do mar do Norte as ondas frias. Chegados de Inglaterra á costa estranha; Para Londres ja fazem todos vias: Do duque são com festa agasalhados, E das damas servidos e animados.

Chega-se o prazo e dia assignalado
De entrar em campo ja co' os doze Inglezes,
Que pelo rei ja tinham segurado:

Armam-se d'elmos, grevas e de arnezes :

Ja as damas teem por si fulgente e armado
O Mavorte feroz dos Portuguezes :
Vestem-se ellas de côres e de sedas
De ouro, e de joias mil, ricas e ledas.

Mas aquella, a quem fôra em sorte dado
Magriço que não vinha, com tristeza
Se veste, por não ter quem nomeado
Seja seu cavalleiro n'ésta empreza :
Bem que os onze apregoam que acabado
Será o negócio assi na côrte Ingleza,
Que as damas vencedoras se conheçam,
Postoque dous e tres dos seus falleçam.

Ja n'um sublime e público theatro

Se assenta o rei inglez com toda a côrte :
Estavam tres e tres, e quatro e quatro,
Bem como a cada qual coubera em sorte.
Não são vistos do sol, do Tejo ao Bactro,
De força, esforço e d'ànimo mais forte
Outros doze sahir como os Inglezes
No campo contra os onze Portuguezes.

Mastigam os cavallos escumando
Os aureos freios com feroz sembrante :
Estava o sol nas armas rutilando
Como em crystal ou rigido diamante.
Mas enxerga-se n'um e n'outro bando
Partido desigual e dissonante

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