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Dos onze contra os dcze : quando a gente
Começa a alvoroçar-se geralmente.

Viram todos o rosto adonde havia
A causa principal do reboliço :
Eis entra um cavalleiro que trazia
Armas, cavallo ao bellico serviço:
Ao rei e ás damas falla, e logo se ia
Para os onze, que este era o gran' Magriço;
Abraça os companheiros como amigos,
A quem não falta certo nos perigos.

A dama, como ouviu que este era aquelle
Que vinha defender seu nome e fama,
Se alegra, e veste alli do animal de Helle,
Que a gente bruta mais que virtude ama.
Ja dão signal, e o som da tuba impelle
Os bellicosos animos que inflamma :
Picam d'esporas, largam redeas logo
Abaixam lanças, fere a terra fogo.

Dos cavallos o estrepito parece
Que faz que o chão debaixo todo treme :
O coração no peito que estremece
De quem os olha, se alvoroça e teme:
Qual do cavallo voa, que não dece;
Qual c'o cavallo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas,
Qual c'os penachos do elmo açouta as ancas.

Algum d'alli tomou perpetuo sono,
E fez da vida ao fim breve intervallo :
Correndo algum cavallo vai sem dono,
E n'outra parte o dono sem cavallo :
Cai a suberba Ingleza de seu throno;
Que dous ou tres ja fóra vão do vallo :
Os que de espada veem fazer batalha,
Mais acham ja que arnez, escudo e malha.

Gastar palavras em contar extremos
De golpes feros, cruas estocadas,
É d'esses gastadores que sabemos
Maus do tempo, com fabulas sonhadas;
Basta fim do caso que
por
entendemos
Que com finezas altas e affamadas,
C' os nossos fica a palma da victoria,
E as damas vencedoras e com glória.

Recolhe o duque os doze vencedores
Nos seus paços com festas e alegria:
Cuzinheiros occupa, e caçadores,
Das damas a formosa companhia,
Que querem dar aos seus libertadores
Banquetes mil cada hora e cada dia,
Em quanto se deteem em Inglaterra,
Até tornar á doce e cara terra.

CAMÕES, Lusiadas.

འ་འ་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་

A ILHA DOS AMORES.

Porêm a deusa Cypria, que ordenada para favor dos Lusitanos

Era

Do Padre eterno, e por bom genio dada,
Que sempre os guia ja de longos annos,
A glória per trabalhos alcançada,
Satisfação de bem soffridos danos,
Lhe andava ja ordenando, e pretendia
Dar-lhe nos máres tristes alegria.

Despois de ter um pouco revolvido
Na mente o largo mar que navegaram,
Os trabalhos que pelo deus nascido
Nas Amphioneas Thebas se causaram ;
Ja trazia de longe no sentido,
Para premio de quanto mal passaram,
Buscar-lhe algum deleite, algum descanso
No reino de crystal líquido e manso;

Algum repouso emfim, com que podesse
Refocilar a lassa humanidade

Dos navegantes seus, como interesse
Do trabalho que encurta a breve idade.

Parece-lhe razão que conta désse
A seu filho, per cuja potestade
Os deuses faz descer ao vil terreno,
E os humanos subir ao ceo sereno.

Isto bem revolvido, determina

De ter-lhe apparelhada la no meio
Das aguas, alguma insula divina,
Ornada d' esmaltado e verde arreio :
Que muitas tem no reino que confina
Da mãe primeira c'o terreno seio,
Afora as que possue soberanas
Para dentro das portas Herculanas.

Alli quer que as aquaticas donzellas
Esperem os fortissimos barões,
Todas as que teem titulo de bellas,
Glória dos olhos, dor dos corações,
Com danças, e choreas porque n'ellas
Influírá secretas affeições,

Para com mais vontade trabalharem
De contentar a quem se affeiçoarem.

Tal manha buscou ja, para que aquelle Que de Anchises pariu bem recebido Fosse no campo que a bovina pelle Tomou de espaço, per subtil partido : Seu filho vai buscar, porque so n'elle Tem todo seu poder, fero Cupido;

Que assi como n'aquella empresa antiga A ajudou ja, n'est'outra a ajude e siga.

No carro ajunta as aves que na vida
Vão da morte as exequias celebrando,
E aquellas em que ja foi convertida
Peristera as boninas apanhando.
Em derredor da deusa ja partida,
No ar lascivos beijos se vão dando :
Ella per donde passa, o ar e o vento
Sereno faz com brando movimento.

Ja sobre os Idalios montes pende,
Onde o filho frecheiro estava então,
Ajuntando outros muitos, que pretende
Fazer uma famosa expedição

Contra o mundo rebelde, porque emende
Erros grandes que ha dias n'elle estão,
Amando cousas que nos foram dadas
Não para ser amadas, mas usadas.

Via Acteon na caça tam austero,
De cego na alegria bruta, insana,
Que por seguir hum feio animal fero,
Foge da gente e bella fórma humana :
E por castigo quer doce e severo,
Mostrar-lhe a formosura de Diana;
E guarde-se não seja inda comido
D'esses cães que agora ama, e consumido.

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