E ve do mundo todo os principais, Que nenhum no bem público imagina; Ve n'elles, que não teem amor a mais, Que a si somente, e a quem philaucia ensina: Ve que esses que frequentam os reais
Paços, , por verdadeira e san doutrina Vendem adulação, que mal consente Mondar-se o novo trigo florecente.
Ve que aquelles que devem á pobreza Amor divino, e ao povo charidade, Amam somente mandos e riqueza, Simulando justiça e integridade. Da feia tyrannia e de aspereza, Fazem direito e van severidade: Leis em favor do rei se estabelecem ; As em favor do povo so perecem.
Ve emfim que ninguem ama o que deve, Senão o que somente mal deseja : Não quer que tanto tempo se releve O castigo que duro e justo seja. Seus ministros ajunta, porque leve Exercitos conformes á peleja
Que espera ter co' a mal regida gente, Que lhe não for agora obediente.
Muitos d'estes meninos voadores Estão em várias obras trabalhando,
Uns amolando ferros passadores, Outros hásteas de settas delgaçando; Trabalhando, cantando estão de amores, Varios casos em verso modulando, Melodia sonora e concertada, Suave a letra, angelica a soada.
Nas fragas immortaes, onde forjavam Para as settas as pontas penetrantes, Por lenha, corações ardendo estavam, Vivas entranhas inda palpitantes:
As aguas onde os ferros temperavam, Lagrymas são de miseros amantes; A viva flamma, o nunca morto lume Desejo é so que queima e não consume.
Alguns exercitando a mão andavam, Nos duros corações da plebe ruda; Crebros suspiros pelo ar soavam, Dos feridos vão da setta aguda: que Formosas nymphas são as que curavam As chagas recebidas, cuja ajuda
Não somente dá vida aos mal feridos; Mas põe em vida os inda não nascidos.
Formosas são algumas, e outras feias, Segundo a qualidade for das chagas; Que o veneno espalhado pelas veias Curam-no ás vezes asperas triagas.
Alguns ficam ligados em cadeias Per palavras subtis de sábias magas; Isto acontece ás vezes, quando as settas Acertam de levar hervas secretas.
D'estes tiros assi desordenados,
Que estes moços mal destros vão tirando, Nascem amores mil desconcertados Entre o povo ferido, miserando :
E tambem nos heroes de altos estados Exemplos mil se veem de amor nefando; Qual o das moças Bilbli e Cinyrea, Um mancebo de Assyria, um de Judea.
E vós, ó poderosos, por pastoras Muitas vezes ferido o peito vedes ; E por baixos e rudos vós, senhoras,
Tambem vos tomam nas Vulcaneas redes. Uns esperando andais nocturnas horas Outros subis telhados e paredes :
Mas eu creio que d'este amor indino, É mais culpa a da mãe que a do menino.
Mas ja no verde prado o carro leve Punham os brancos cysnes mansamente; E Dione que as rosas entre a neve No rosto traz, descia diligente.
O frecheiro, que contra o ceo se atreve, A recebê-la vem ledo e contente;
Veem todos os Cupidos servidores
Beijar a mão á deusa dos amores.
Ella, porque não gaste o tempo em vão, Nos braços tendo o filho, confiada, Lhe diz: Amado filho, em cuja mão
Toda minha potencia está fundada,
Filho, em quem minhas forças sempre estão; Tu que as armas Typheas tens em nada, A soccorrer-me á tua potestade Me traz especial necessidade.
Bem ves as Lusitanicas fadigas, Que eu ja de muito longe favoreço, Porque das Parcas sei minhas amigas, Que me hão de venerar e ter em preço. E porque tanto imitam as antigas Obras de meus Romanos, me offereço A lhe dar tanta ajuda em quanto posso, A quanto se estender o podêr nosso.
E porque das insidias do odioso Baccho foram na India molestados, E das injúrias sos do mar undoso Poderam mais ser mortos que cansados : No mesmo mar, que sempre temeroso Lhe foi, quero que sejam repousados; Tomando aquelle premio e doce glória, Do trabalho que faz clara a memoria.
para isso queria que feridas
As filhas de Nereo, no ponto fundo D'amor dos Lusitanos incendidas
Que veem de descobrir o novo mundo, Todas n'uma ilha juntas e subidas, Ilha , que nas entranhas do profundo Oceano terei apparelhada,
De dons de Flora e Zephyro adornada :
Alli com mil refrescos e manjares, Com vinhos odoriferos e rosas, Em crystallinos paços singulares, Formosos leitos, e ellas mais formosas; Emfim, com mil deleites não vulgares Os esperem as nymphas amorosas, D'amor feridas, para lhe entregarem Quanto d'ellas os olhos cubiçarem.
Quero que haja no reino Neptunino, Onde eu nasci, progenie forte e bella; E tome exemplo o mundo vil, malino, Que contra tua potencia se rebella, Porque entendam que muro adamantino, Nem triste hypocrisia val contra ella: Mal haverá na terra quem se guarde, Se teu fogo immortal nas aguas arde.
Assi Venus propoz, e o filho inico Para lhe obedecer ja se apercebe;
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