Elle, que ja de longe larga conta D'um successo tam novo dar deseja, Assi começa em voz formada e prompta, Para que alli notorio a todos seja : Despois que da tormenta a brava affronta Passámos, quando ja falta quem reja, (Que vence a tempestade a sciencia e arte,) Démos acaso n'uma estranha parte.
Sentimos, que inda a vista estes extremos Não julga, as naus romperem pela areia, E nosso último fim quasi tememos, Fingindo alguma praia aspera e feia : Quando a cerração cega abrir-se vemos, E o vento bravo o sôpro irado enfreia; Descobre-se uma praia fresca e leda, E n'ella toda armada emproada e queda.
Eu, que não conheci a estranha terra, Dos mais practicos mestres informado
Perguntei que parage o sítio encerra, E de que gente pode ser pizado: E n'isto cadaqual se engana, e erra O que se tem por mais exprimentado; E porque a praia alegre nos convida, N'ella desembarcar ninguem duvida.
Pedro, que o mal de nossas almas cura, A quem o mor segredo descubrimos, Ou seja acaso, ou elle assi o procura, Na poppa em alto somno ficar vimos : Nós entretanto ao longo d'agua pura, Pizando a branca areia alegres imos, Buscando um prado que assomava perto, Pela côr e fragrancia descuberto.
Artificio parece da natura
A cêrca que o resguarda em tudo airosa, Onde pendendo a branca rosa pura Está co'a bella pudibunda rosa, Outra inda no botão cerrada dura, Para sahir a tempo mais fermosa,
No qual a falta supra da vizinha, Que murcha cai entre a pungente espinha.
Aqui nos detevemos por espaço, Colhendo cadaqual a que lhe agrada, A custo da melhor parte do braço, Que do furto sahia lastimada:
Logo saltámos dentro; e no regaço Da floresta de verde tapisada Diversidade vimos de mil flores, No fino olor estranhas, e nas côres.
Em flor se mostra alli, por si perdido O fermoso Narciso incautamente,
por ter o castigo merecido
Juncto nasce da líquida corrente; Em flor tambem Hyacinto convertido Sua historia nas folhas tem presente, Amaranto em bellissima bonina, E Adonis, pena eterna da Erycina.
Dispostos per canteiros ordenados Os bellos cravos a fragrancia spiram, Todos vermelhos uns, outros mesclados Quaes encarnados, quaes brancos se viram, As violas da côr de enamorados Quando por seu amor d'alma suspiram, A franceza hortelan, a salva verde, A cecem que tocada o cheiro perde.
Ésta fermosa e linda praderia, A quem jamais nenhuma se igualava Das que celebra Assyria, e a India cria, E o rio Hydaspes brandamente lava, Per dilatado espaço se estendia, Que n'outra gentil cêrca se acabava
De rasos buxos a nivel nascidos, Com mil enredos de invenção tecidos.
D'outra parte outro lanço está de murta Em diversas figuras transformada: A fermosa Orithya Boreas furta, Sobre as ventosas azas vem guardada; Acolá Páris tem a armada surta, E a mal regida Helena traz roubada: Do gostoso princípio ha aqui memoria, Mas não do desestrado fim da glória.
Lembra-me, que parei n'ésta figura, E logo fiz discurso alli comigo : Cegos, disse, de nós! quam pouco dura Um gosto vão, quamanho é seu perigo ! Nós tristes enlevados na doçura,
Que, quando vem, o gôsto traz comsigo, Não vemos que nos deixa o triste encargo De eterna pena e não soffrido amargo.
Este conceito meu fez evidente Hero, que alli para seu bem se ensaia; Ja d'alta tôrre espera o amigo ausente, Ja tambem desce a recebê-lo á praia : Estreitamente o abraça, inda presente Duvida te-lo, e em seus braços desmaia : Elle morto, do mar bravo arrojado, E ella sôbr'elle; isto não vi pintado.
Mais por diante, em touro se mostrava Jupiter, de capellas coroado,
Sobr'elle pelo mar se assegurava Europa com solícito cuidado:
Ella os pés recolhia e levantava,
Temendo o impetu d'agua occasionado, Que o collo c'o temor lhe aperta e abraça, Elle ufano se ri c'o pêso e traça.
Ja d'aguia generosa a fórma toma, Porêm das unhas o rigor tempéra, E da fermosa Asterie os brios doma, Que antes se lhe mostrou dura e severa : Ja brancas plumas cobre, e cysne assoma, Não se perturba Leda, nem se altera : Asópida alli gosa em fogo ardente, Alli Deioda em célebre serpente.
Defronte um labyrintho se tecia Curioso na vista, e mais na historia; Em braços de Dione alli se via, Marte suberbo assás pola victoria: Sobre elles logo a rede, que estendia
O zeloso marido, tam notoria;
Os deuses falsos, d'uma e d'outra parte Tocam palmas, e rindo estão de Marte.
Per entre tam gostosa novidade Fomos chegando a um deleitoso pôsto,
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