Do furor Mauro , fosse alevantada Contra uma fraca dama delicada?
Traziam-na os horrificos algozes Ante o rei , ja movido a piedade, Mas o povo com falsas e ferozes Razões, á morte crua o persuade. Ella com tristes e piedosas vozes Sahidas so da mágoa e saudade Do seu principe e filhos, que deixava, Que mais que a propria morte a magoava :
Para o ceo crystallino alevantando Com lagrymas os olhos piedosos ; Os olhos, porque as mãos lhe estava alando Um dos duros ministros rigorosos : E despois nos meninos attentando, Que tam queridos tinha e tam mimosos, Cuja orphandade como mãe temia, Para o avô cruel assi dizia :
Se ja nas brutas feras , enja 'mente Natura fez cruel de nascimento: E nas aves agrestes , que somente Nas rapinas aerias teem o intento; Com pequenas crianças viu a gente Terem tam piedoso sentimento; Como co'a mãe de Nino ja mostraram, E c'os irmãos que Roma edificaram :
ó tu, que tens de humano o gesto e o peito, (Se de humano é matar uma donzella Fraca e sem fôrça , so por ter sujeito O coração a quem soube vencê-la ,) A éstas criancinhas tem respeito, Pois o não tens á morte escura d'ella: Mova-te a piedade sua e minha , Pois te não move a culpa que não tinha.
E se vencendo a Maura resistencia, A morte sabes dar com fogo e ferro, Sabe tambem dar vida com clemencia A quem para perdê-la não fez êrro. Mas se t'o assi merece ésta innocencia, Põe-me em perpétuo e misero destêrro , Na Scythia fria, ou la na Libya ardente, Onde em lagrymas viva eternamente.
Põe-me onde se use toda a feridade, Entre leões e tigres, e verei Se n'elles achar posso a piedade Que entre peitos humanos não achei : Alli c'o amor intrinseco, e vontade N'aquelle por quem mouro, criarei Éstas reliquias suas que aqui viste, Que refrigerio sejam da mãe triste.
Queria perdoar-lhe o rei, benino Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo, e seu destino Que d'ésta sorte o quiz, lhe não perdoam. Arrancam das espadas de aço fino, Os que por bom tal feito alli pregoam. Contra uma dama , ó peitos carniceiros, Feros vos amostrais, e cavalleiros?
Qual contra a linda môça Polyxena, Consolação extrema da mãe velha , Porque a sombra de Achilles a condena, C'o ferro o duro Pyrrho se apparelha: Mas ella os olhos, com que o ar serena, ( Bem como paciente e mansa ovelha) Na misera mãe postos que endoudece , Ao duro sacrificio se offerece:
Taes contra Ignez os brutos matadores No collo de alabastro, que sustinha As obras com qne amor matou de amores Aquelle que despois a fez rainha, As espadas banhando, e as brancas flores Que ella dos olhos seus regadas tinha , Se cncarniçavam férvidos e irosos, No futuro castigo não cuidosos.
Bem podéras, ó sol , da vista d'estes , Teus raios apartar aquelle dia, Como da seva mesa de Thyestes , Quando os filhos per mão de Atreu comia! Vós, ó concavos valles, que podestes A voz extrema ouvir da boca fria, O nome do seu Pedro que lhe ouvistes, Per muito grande espaço repetistes !
Assi como a
bonina
que
cortada Antes do tempo foi, candida e bella, Sendo das mãos lascivas maltratada Da menina que a trouxe na capella, O cheiro traz perdido e a côr murchada : Tal está morta a pallida donzella, Sêccas do rosto as rosas, e perdida A branca e viva côr co'a doce vida.
As filhas do Mondego a morte escura Longo tempo chorando memoraram; E por memoria eterna , em fonte pura As lagrymas choradas transformaram : O nome lhe pozeram, que inda dura , Dos amores de Ignez que
passarain. fresca fonte rega as flores, Que lagrymas são a agua, e o nome amores.
Camões, Lusiadas.
E ja no pôrto da inclyta Ulyssea , C'um alvorôço nobre e c'um desejo (Onde o licor mistura e branca area, C'o salgado Neptuno o doce Tejo :) As naus prestes estão: e não refrea Temor nenhum o juvenil despejo, Porque a gente maritima e a de Marte Estão para seguir-me a toda parte.
Pelas praias vestidos os soldados De várias côres veem,
e várias artes; E não menos de esforço apparelhados Para buscar do mundo novas partes. Nas fortes naus os ventos socegados Ondeam os aerios estandartes : Ellas promettem vendo os máres largos, De ser no Olympo estrellas como a de Argos.
« VorigeDoorgaan » |