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Os dous poetas representam dous povos, que pela litteratura teem originariamente uma historia muito similhante. Os romanos, dados á guerra, por ella conseguem o seu progressivo augmento territorial, e, durante este longo periodo, a sua illustração ou é nulla ou quasi embrionaria, não obstante o contacto com as colonias, que ao sul da Italia constituem a chamada Grande Grecia. Rendido, porém, que foi, o archipelago hellenico ao pêso das legiões romanas, a mocidade dos vencedores correu a receber dos vencidos a cultura d'espirito, que estes primeiro receberam do Oriente para a transmittirem ao resto da Europa. Era, pois, a Grecia o manancial unico, onde se colhiam as puras aguas da instrucção.

Ahi foram vencedores os vencidos! Tanto póde o predominio do espirito sobre a materia.

A lingua de Homero e de Demosthenes forneceu os materiaes para o aperfeiçoamento da lingua do Lacio; as espantosas producções do espirito hellenico foram os moldes para as producções dos filhos da formosa Italia. Quando, a par dos successivos triumphos pelas armas, as letras attingem o grau do mais subido aperfeiçoamento, nasce junto de Mantua um poeta, para quem estava reservada a gloria de eternisar o nome da togada gente.

Similhantemente, os portuguezes tomam pelas armas palmo a palmo a terra, que nos é patria, e depois de firmarem no throno portuguez o valoroso mestre d'Aviz pela victoria d'Aljubarrota, vão de armadura sempre vestida em seguimento dos inimi

gos da Fé, e fazem tremular sobre os baluartes de Ceuta a bandeira lusitana.

Coincidencia singular! Junto da nossa primeira conquista recebe mais tarde honroso ferimento o nosso primeiro poeta, ainda então o cavalleiro donzel -Luiz de Camões!

O rei ensina alli seus filhos a ganhar as esporas de cavalleiro, e todos elles deixam antever pelos seus brios o que a patria devia d'elles esperar.

Um, por certo o maior, considerando Portugal estreito ambito para seu espirito ingente, cria para si um reino maior, mais amplo, tão grande como a immensidade-o dominio dos mares.

A este projecto tytanico devota todos os cuidados da sua alma privilegiada, e, ajudado por intrepidos navegadores, vê surgir do seio do oceano essas perolas, que uma a uma vae engastando no preclaro tridente portuguez. A relação das successivas descobertas, de estranhas gentes, de novos climas, de arrojos de valentia, de perigos até, accendem nos animos um enthusiasmo delirante pelo glorioso titulo de navegador ou de conquistador. O monarcha venturoso, proseguindo pela vereda traçada por D. João II, encarrega o nobilissimo fidalgo D. Vasco da Gama de por mares nunca d'antes navegados abrir caminhỏ novo para o mundo antigo.

A commissões tão honrosas não sabiam escusar-se os fidalgos portuguezes. Partiu, e o seu nome ficou desde logo gravado indelevelmente nos fastos da humanidade.

A antiguidade. querendo celebrar os arrojos dos

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primeiros navegadores, faz tripular a imaginaria nau Argos por filhos de deuses, não concedendo a simples mortaes o desempenho de tão formidavel empreza. Hercules, Orpheu, Castor, Polux, são dos expedicionarios, apregoados pela fama, a quem o nosso almirante havia de embaciar a gloria. O fidalgo portuguez não precisa de sangue sobrehumano para subir ás altas regiões da admiração universal, -divinisa-se, elle mesmo pelos seus feitos mostrando-se

em perigos... esforçado Mais do que permittia a força humana.

Andando os espiritos agitados n'este afanoso labor, não é para estranhar que as letras, ou não progredissem ou caminhassem morosamente. Grande era o desejo de saber, escassos eram, porém, os meios para satisfazer a esta necessidade, e penoso o trabaiho dos que se empenhavam em esconjurar a ignorancia.

'N'este estado de cousas, uma descoberta assombrosa vem pôr termo ás trevas da idade-média- é a typographia.

Esta verdadeira maravilha revolucionaria proclama aos povos da terra, assegurando-lhes, que não receiem mais barbaros, incendiarios das bibliothecas, pois ella será fiel transmissora do legado da intelligencia, que uma geração deixar para as gerações futuras. A sua voz omnipotente abriram-se e franquearam-se os sanctuarios do saber humano, e nas venerandas producções da civilisação, até então ao

alcance de poucos, correm a dessedentar-se multidões de espiritos sequiosos de saber. A nossa lingua, até então quasi barbara, é remodelada, regularisada e opulentada com os inexhauriveis cabedaes da lingua latina, e a nossa litteratura, apenas incipiente, influenciada por aquella, levanta-se á altura que lhe souberam dar os nossos escriptores de quinhentos. Foi então, para me servir das emphaticas expressões do muito douto e muito erudito snr. Ferdinand Denis, foi então, que cada portuguez era um soldado, cada soldado um heroe, e cada heroe precisava de

um cantor!

Nenhum de nós ousaria dizer tanto dos nossos maiores, como este sábio escriptor francez.

N'esta epocha solemne, nasce o predestinado Luiz de Camões, sublime cysne do Tejo.

Creado n'este meio, em que o seu espirito privilegiado recebia toda a instrucção nas letras com tal vantagem, que ainda hoje assombra a sua erudição, natural se torna que os modêlos da antiga litteratura fossem por elle compulsados, estudados e criticados, como o costumam ser pelos genios. Estes, não obstante a sua excepção, não podem eximir-se á influencia dos elementos que os cercam. Enlevado nas glorias portuguezas recentemente conquistadas, e enriquecido d'uberrima instrucção, passou Camões a empunhar a tuba, em que havia de troar a heroicidade dos gigantes do Occidente. Serviu-lhe de guia a ENEIDA, cujas bellezas forçosamente admirava, ao mesmo passo que lhe conhecia os defeitos, para os evitar e corrigir.

Entremos pois no confronto, que já é tempo de vos não fatigar mais, abusando da vossa paciencia.

Em toda a epopêa ha uma ideia culminante, em torno da qual giram todas as secundarias e accessorias. É representada pelo heroe. Confrontando os heroes das duas epopêas, teremos confrontado os dous poemas nos seus primordiaes e essenciaes ele

mentos.

Vejamos.

Virgilio, extasiado deante da esplendorosa magnificencia da ILLIADA, vae buscar o heroe para a sua epopêa aos dominios da fabula. Eneas, filho de Venus, é um heroe de phantasia, uma idealidade, e mais nada. Póde ser o heroe d'uma epopêa; d'um poema nacional, nunca!

É por isso que a celebração das glorias dos romanos entra na ENEIDA principalmente em dois episodios, maravilhosos sem duvida, mas em que o heroe representa o papel de simples observador. O primeiro, na esplendida descripção do escudo de Eneas, fabricado por Vulcano: o segundo, nos Campos Elysios, quando Anchises lhe faz vêr a comprida série dos que viriam a ser seus descendentes gloriosos.

O seu caracter é a piedade, virtude estimavel, por certo, mas que não tem a elevação e a grandeza indispensaveis á sublimidade épica, quer seja olhada segundo os nossos costumes, quer segundo os costumes dos tempos patriarchaes. A sua valentia, que devia ter occupado o primeiro logar, é a principio muito contestavel, e só pelos fins do poema se faz sentir algum tanto pronunciada.

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