DISCURSO DO SOCIO HONORARIO o ill.mo e ex.mo snr. P. FRANCISCO JOSÉ PATRICIO Minhas senhoras e senhores: Ha homens tão extraordinarios que, trazendo na fronte o deadema do genio, parece diffundirem muita luz sobre a consciencia humana. Supprimi-os e vós tereis rasgadas as paginas mais brilhantes da historia: esquecei-os e vós tereis olvidado os melhores dias da vida universal. Por isso nós devemos deter-nos a contemplal-os para que a sua luz nos allumie, o seu exemplo nos fortaleça, para como elles termos a coragem e a abnegação que distingue o soldado das grandes crusadas, o obreiro das grandes empresas e o apostolo das mais elevadas ideias! Tal foi por certo o pensamento que inspirou esta festa em que os muito dignos socios da Nova Euterpe veem prestar uma homenagem tão sincera como eloquente ao immortal cantor dos LUSIADAS. Pensamento elevado a que eu me associei, não só pela excellencia da festa que é uma consagração nacional, mas tambem por conhecer que, sendo a maior parte dos socios d'esta corporação membros da distincta classe commercial, havia uma especial significação no espirito que os animava a juntarem os seus, aos applausos com que todos saúdam hoje o egregio Luiz de Camões. Senhores: O commercio, essa alavanca poderosa que a tão alto ergue uma nação, esse Antheu que tudo agita, tudo move, tudo impelle, sem olhar para as distancias de terra, nem para os perigos do mar; o commercio que tornou memoravel a Phenicia, a Babylonia e Carthago, no mundo antigo; o commercio que nobilitou a Grecia e Roma, depois a Hollanda e Veneza e por ultimo as nações modernas á frente das quaes vêmos a Gran-Bretanha e a França: o commercio da Europa recebeu um notavel impulso com o extraordinario commettimento de Vasco da Gama, com esse nobilissimo feito dos portuguezes que abriram por entre as incommemuraveis solidões do oceano o novo caminho para o Oriente. Portugal, allumiado pelos clarões de tão distincta gloria, tomava um logar honrosissimo no banquete das nações, quando via entrarem pela barra do Tejo os galeões que traziam as saphiras de Bombaim, os estofos de Bengala, o chá do Cantão, os diamantes da China, a camphora de Sumatra e as perolas de Ormuz. Tem, pois, muita rasão os filhos do commercio em saúdarem o tricentenario de Camões com os férvidos delirios de mil hossanas, porque este facto tão extraordinario da nossa historia e que foi tão importante para a vida commercial da Europa, teve no grande épico portuguez o mais inspirado cantor. Por isso eu acho-me bem aqui deante d'aquelle busto do-Principe dos poetas portuguezes-e recordando aos filhos do commercio a soberana grandeza d'aquelle vulto em cuja fronte irradiou brilhantissima a aureola do genio, em cujos labios collocou Deus a eterna harmonia e em cujo peito pulsou vehemente um coração verdadeiramente portuguez! As nações da Europa teem festejado modernamente os centenarios de quatro grandes poetas, incluindo o nosso Luiz de Camões. A Allemanha celebrou em 1859 o centenario de Schiller; a Inglaterra celebrou em 1864 o centenario de Shakspeare e a Italia celebrou em 1865 o centenario do seu Dante. Agora sem querer, nem mesmo poder, avaliar o merecimento litterario do reformador illustre do theatro allemão, do grande tragico inglez, nem os inspiradissimos tercetos do sympathico e eminente vulto da litteratura italiana destinado a escrever a elegia do seculo XIII sem, os comparar por este lado, mas olhando-os apenas pelo modo como elles serviram e amaram a patria: eu creio poder affoutamente asseverar que, a nenhum d'elles o seu paiz deve mais do que Portugal deve ao seu primeiro épico! Pelo nobilissimo sentimento do amor patrio, levado a maior altura a que podia chegar na escala do sentimentalismo generoso e heroico, elle consagrou á patria a mais arrojada inspiração do seu genio e a maior asseveração da sua individualidade litteraria. A patria que, no dizer d'um contemporaneo illustre, é o solo querido aonde resvalou a primeira lagrima que a nossa vida custou a nossa mãe; a patria que é o templo aonde erguemos as primeiras preces da nossa alma e o sanctuario que perfumamos com o primeiro aroma do nosso coração; a patria, cuja vida é a nossa vida, cuja historia é a nossa historia, cuja honra é a nossa honra, cujas dôres e esperanças são tambem as nossas esperanças e dôres: a patria, digo, foi o assumpto que elle achou mais digno dos seus versos, a muza querida que o inspirasse e o astro formoso que o conduzisse por entre as dulcissimas harmonias da epopêa! Camões viveu para a patria, soffreu por ella e, segundo a sua derradeira phrase, morreu com ella. Não vem para aqui a narração do muito que soffreu o grande cantor nos ultimos lustros da sua vida; o soffrimento é muitas vezes o alicerce do pedestal em que se erguem os grandes genios; é mesmo uma condição da nossa propria natureza; a dôr tem um reinado universal e se ás vezes mais peza sobre os grandes vultos que mais na terra se distinguem, é porque no-valle de lagrimas-é lei pezada e dura - não se traz impunemente uma corôa de louros na fronte, sem ter uma corôa d'espinhos no coração! E não houve acontecimento por mais extraordinario, crise por mais violenta, desillusão por mais amarga, perigo por mais grave e ameaça por mais |