CAMÕES E A PATRIA
POESIA DO DISTINCTO ESCRIPTOR
O EX.mo SNR. RAMOS COELHO
EXPRESSAMENTE DESTINADA AOS FESTEJOS DO TRICENTENARIO DE CAMÕES NA SOCIEDADE NOVA EUTERPE
Acorda, Portugal, teu vate abraça; Vive ao d'elle o teu fado reunido; Sae do longo torpor, ó nobre raça, Ó povo outr'ora pelos mais temido; Se com o nome seu teu nome passa Á eternidade onde será ouvido, C'o a sua apotheose alevantado A vida nova te verás tornado.
E qual dos filhos teus mais merecera O teu amor, ó terra endurecida, Quem, perseguido embora, assim houvera Para ti sempre a alma offerecida? Quem martyr o seu corpo á morte déra Por te deixar immorredoura vida, Querendo que, se ao tumulo descesses, No seu manto de gloria te envolvesses?
E tu que foste para elle? oceano Sempre de escolhos e tormentos cheio, Que, depois de o levar de damno em damno, Só para o sepultar abriste o seio; Assim o mar o perseguido humano Sacode, ás ondas desprendido o freio, Surdo á voz da afflicção que o não desperta,
E ao cabo lhe mostra a cova aberta.
Poeta, pobre, amante e desgraçado Ante a grandeza alevantaste a frente; Tinhas a lyra tua, eras soldado,
D'um povo a fama te incendia a mente; Nasceste pelas palmas rodeado,
Que dava ao Tejo o submettido Oriente, E vendo rica a patria te julgaste Rico tambem, e o ouro desprezaste.
Porém tamanho esforço e valentia E nem siquer um canto resoava! Eil-o, eil-o ahi o rei da poesia, Que no véu do futuro os olhos crava; O terra, ó terra minha, elle dizia, E a ingrata de si o desterrava! Já que apartas de ti o teu amigo Na eternidade viverás comigo.
E foi cantar do pelago aos furores, Ouvir das vagas o feroz rugido, Porque afizesse a voz aos seus horrores, Para depois do mundo ser ouvido; Assim o rei dos gregos oradores Ia bradar ao mar embravecido, Antes que na tribuna se elevasse, E contra o jugo uma nação armasse.
Cantor do Gama lhe seguiste a senda, Antes cantor de um povo navegante, Como elle encaraste a morte horrenda, Os seus passos medindo de gigante; Do Adamastor ouviste a voz tremenda Como elle, emfim guerreiro e triumphante Escreveste as batalhas combatidas Pela patria co'o sangue das feridas.
E ella não te ouvia, e longe d'ella Tu lhe alçavas o nobre monumento, Que ao lado seu até agora véla, Pagando-lhe d'est'arte o esquecimento. Por seu amor e pelo amor d'aquella, Que te havia captivo o pensamento, Se repartiu inteira a tua vida, Da desgraça por ambos esquecida.
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