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DISCURSO

DO

SOCIO HONORARIO

o ill.mo e ex.mo snr.

MANOEL EMILIO DANTAS,

PROFESSOR DO LYCEU NACIONAL

Convidado pela muito illustre Direcção da «Sociedade Nova Euterpe» para fazer uma conferencia, em que contribuisse com humildade de meus recursos litterarios para a solemnidade d'este dia, o meu primeiro impulso foi o de escusar-me pelo convencimento da exiguidade d'esses recursos; tendo porém na devida conta a distincção com que esta mesma Sociedade me honrou por occasião da visita dos benemeritos da patria e distinctos exploradores B. Capello e R. Ivens, e animado pela modestia do trabalho - uma conferencia-no qual se não requerem os altaneiros vôos eloquentes, resolvi acceder ao convite. Um novo vinculo veiu constituir para mim em obrigação o que era antes simples acquiescencia, quando recebi a participação de me terem distinguido com o diploma de socio honorario, distincção immerecida, sem duvida, mas que me lembrava o indeclinavel dever de engrandecer, quanto

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em mim fosse, não já a celebração festiva de uma Sociedade de amigos e prestantes mancebos, porém a da nossa Sociedade, e digo nossa, visto que vos aprouve ser commigo tão' generosos.

Embora o ramo de estudos a que me tenho dado possa crear em vós o justificado desejo de ouvir tractar do eterno poema de Luiz de Camões em levantada linguagem e em sublimidade de conceitos, forçoso se me torna lembrar-vos, que não acalenteis nem um instante mais essa enganosa esperança. Prelector por profissão, habituado toda a vida a attender mais á importancia da ideia, do que á elegancia da fórma, não sei elaborar esses feiticeiros rendilhados da palavra, que encantam a intelligencia, movem o coração e enlevam a phantasia.

Dos notabilissimos oradores que se me vão seguir, aguardae a satisfação d'esse desejo vosso. Além do saber que os distingue, teem o condão de prender a attenção pelo brilho faiscante da linguagem, não menos que pelos recamados ornatos de uma eloquencia impressionadora.

O ponto que me proponho tratar n'esta conferencia poderá ser indicado n'estes termos: Paralello entre Virgilio e Camões, como poetas nacionaes e como poetas épicos.

Tenho ouvido dizer, e tenho lido algumas vezes, que Luiz de Camões foi um simples imitador de Virgilio. Uns concedem-lhe que fosse um traductor do épico latino: outros julgam os LuSIADAS uma adaptação da ENEIDA aos feitos dos portuguezes: outros ainda teem proferido blasphemias... de maior vulto.

Na religião das letras ha heresias, como em todas as religiões. Muitos tem havido, cujo desejo dominante consiste em grangearem a triste celebridade de iconoclastas. Raro se encontra um apreciador desapaixonado e sincero. Para me não taxardes de parcial, serei o primeiro a confessar-vos, que me embebeço diante da lingua latina, a mais perfeita que conheço, valente como o trovão, suave como uma toada angelica, harmoniosa como uma lyra eolia, e que ainda não posso lêr sem enthusiasmo algumas obras primorosas, legadas pela douta antiguidade, como modêlos para a creação do bom gosto. Cicero, T. Livio, Cesar, Virgilio, Ovidio e Horacio estão n'este caso. A minha admiração, porém, por estes grandes mestres não me céga. Tenho lido mais vezes a ENEIDA que os LUSIADAS; Sou affeiçoadissimo a Virgilio, confesso-o; tem sido meu companheiro desde a juventude; isso porém não fará que eu lhe dê mais do que elle merece. O nosso épico tambem se impõe ao meu espirito, e me obriga a uma admiração, que se aproxima do culto, mas nem o seu talento peregrino nem o amor da patria me deslumbrarão. Serei justo, quanto possivel.

Arrojada ou talvez temeraria é a empreza, e mais ainda se vos declarar, que debaixo de qualquer dos dois pontos de vista é Camões, no meu sentir, muito superior a Virgilio; todavia formarei o libello, e á vossa indiscutivel competencia ficará o lavrar a sentença. Se me enganar, ficarei satisfeito, em que a minha opinião seja annullada por tão auctorisado areopago. Na religião das letras não ha infallibilidades.

Nem o logar nem o tempo me permittem tractar este confronto desenvolvidamente, e tendo em conta pequenas minudencias, com que se occupam espiritos acanhados, Olharei a questão apenas por dois ou tres pontos capitaes; mas, ainda assim, não me abalançaria a uma empreza de tal magnitude, se não contasse, snr. presidente, que v. ex.a, que tanto me tem penhorado com a sua amisade, me não recusaria a sua benevolencia, e que esta assembleia, tão numerosa como illustrada, faria justiça ás minhas intenções.

Embora não queira melindrar ninguem, seguirei o exemplo do primeiro poeta entre os filhos d'esta terra, o visconde d'Almeida Garrett, que considerava as senhoras como os unicos e verdadeiros juizes das suas inspiradas producções. É esse o tribunal que eu talvez mais respeite, por ser n'elle onde se encontra mais delicadeza de sentimentos e mais agudeza de intelligencia.

E em verdade, quem poderá distinguir entre as que adornam esta festival solemnidade, qual prevalece, se a perfeição de espirito, se a gentileza? Sêde, pois, senhoras, para mim benevolas, como para o nosso poeta já o foram as nymphas do Tejo, symbolo das senhoras portuguezas, quando lhes pediu auxilio n'aquelles versos inolvidaveis:

Vosso favor invoco, que navego

Por alto mar, com vento tão contrario,

Que, se não me ajudaes, hei grande mêdo,

Que meu fraco batel se alague cêdo.

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