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Isto, sim.

Isto percebo eu, e percebem todos.
D'isto gosto eu, e gostam todos.

Mas... grasnar em versos (?) prosaicos e mal rimados os preços-correntes da copahiba e da banha-deporco, ou discutir a differença entre as vaquetas do Maranhão e as de Pernambuco, será tudo quanto quizerem, tudo menos poesia!

A serio, e muito a serio:- Bentham e J. B. Say, Buchner e Proudhon, Herberto Spencer e Hæckel, o positivismo de Comte ou as investigações anatomopathologicas de Virchow, as theorias de Lombroso, os devaneios de Carlos Marx, tudo isso imbrulhado e misturado, amalgamado, e derretido em verso... confessêmos que só na chilra mioleira de chapados animalejos poderia similhante idéa aninhar-se.

Mas... se ainda ao menos consistisse apenas na somma de dislates, que deixo apontada, o procedimento dos taes inauguradores da «Idéa-Nova», dava-se-lhes um passe por inoffensivos.

Custasse imbora um pouco aturar-lhes a semsaboria... toleravam-se por um excesso de indulgencia!

O peor, entretanto, é quando se ingasgam com o «verbo sublime de Cambronne e o querem forçosamente cuspir, no auge da sua effervescencia, para cima de quem passa honesto e limpo.

E no fim de contas... precisêmos bem a questão: isso tudo quanto por ahi vemos dos taes da «IdéaNova», isso tudo expremido e condensado não se qualifica senão por aquelle significativo nome que o Dante se arrojou a escrever no verso 27.o do Canto xxvii do Inferno.

O proprio Decano da Academia das Sciencias em Lagado, que o maganão do conego Swift houve por bem phantasiar na Terceira Parte das Viagens de Gulliver, esse mesmo, estou bem certo que recuaria atordoado perante a realização da sua estupenda impresa,

quando por materia prima lhe fornecessem as cerebrinas producções de similhantes poetastros.

«Perfeita phase de carraspana litteraria!» me dizia, ha tempos, um illustre poeta, amigo meu, falando-me das deploraveis tendencias que desgraçadamente se denunciam nalguns dos escriptores portuguezes da moderna geração.

Naquella frizante apostrophe está expressivamente definida a situação, como tambem a pseudo-eschola do «realismo» (essa monstruosidade obscena, a que indevidamente querem dar o pomposo nome de «eschola») foi caracterizada, não me lembra agora por que espirituoso crítico em França, que lhe chamou— «a eschola alcoolica».

E quando de involta com essa turba-multa de parvos ou de transviados vejo um talento qualquer excepcional, muito apreciavel ás vezes, que por uma inexplicavel aberração de espirito abdica o bom-gôsto com que nasceu, e não se invergonha de fazer côro com esse bando sujo de futeis nullidades, prostituindo nos absurdos principios de uma seita ignobil recursos brilhantes com que a natureza o haja dotado, reduplica-se-me n'alma um sentimento de indefinivel magua, como se aos meus olhos surgíra um sacerdote convertido em vendilhão do templo, porque (sejamos explicitos e francos) tal procedimento equivale nem mais, nem menos, do que a abafar a voz da consciencia e do pudor, sacrificando nas aras de um ephemero triumpho ou de um interesse villão, decretado e sustentado por meia-duzia de idiotas ou por uma duzia de devassos, e provocando assim a justa indignação com que a posteridade terá de lhes fatalmente condemnar a memoria.

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Dir-se hia que na cegueira da sua obstinação esses desvairados sentem já o dobre funebre dos sinos que lhes annunciam o amortalhamento da patria, e que, neste cynico tripudio, se não pejam de folgar com o esphacelamento das mais santas tradições, prevendo

que em tal vergonhosa debandada podem acaso afundar-se um povo, uma sociedade, uma civilização, e com isso tudo o conjuncto das suas memorias mais caras e mais respeitaveis! Dir-se-hia que nesse infame sauve qui peut, onde já nem consciencia lhes assiste do aviltamento e da degradação em que se precipitam involvidos pelo vertiginoso torvelinho da abjecção, vaidosos se ufanam de confessar e proclamar sua cumplicidade criminosa em tão feias torpezas, erguendo num derradeiro impulso de crapula a taça da bebedice: -- Bibamus hodie, cras enim moriemur!

Mas desinganem-se: possam muito imbora jactanciosos, num dado periodo transitorio, em que predomine o gôsto estragado ou a má educação do publico, receber os applausos da turba inconsciente ou corrompida, -o effeito obtido pela exploração do escandalo não deverá certamente ser duradouro. A posteridade ficará por longo tempo extatica perante o genio assombroso de Miguel-Angelo ou de Raphael, quando nem já talvez de Courbet reste siquer o nome.

A Arte é a expressão da Verdade no que esta offerece de mais idealmente typico.

Supponho que não ha pintor, d'esses que aspiram com justiça ao nome de verdadeiros artistas, que se divirta em reproduzir na téla ou em cinzelar no marmore aberrações ou deformidades.

De Zeuxis se conta que de tal arte pintava e com tal primor cachos de uvas, que vinham as aves bicar no quadro illudidas, como se fôra fructa viçosa e natural.

Que diriamos de um grande Mestre, cujo pincel se comprouvesse em reproduzir (imbora com a fidelidade inexcedivel de Zeuxis) asquerosidades, que apezar de inherentes ás condições miseraveis da animalidade as exigencias da hygiene e o decoro da civilização não permittem nunca expôr aos olhos de quem passa?

A Arte é a fiel reproducção da Natureza no verdadeiro mas no bello. Fóra d'ahi, em vez d'Arte alcançariamos coisa mui diversa: teriamos a aberração da Arte.

A Arte não pode escolher para modelos os abortos ou os aleijões, que os não escolhe tambem para si a propria Anatomia ou a Physiologia com toda a austeridade do seu rigor scientifico. A propria designação de «Bellas-Artes», que ainda ninguem ousou proscrever dos lexicons, está confirmando isto que digo.

Porque é, pois, que no campo especial da Poesia ha de julgar-se auctorizada a derogação de similhante principio?

Especular com o escandalo á sombra da Arte é cuspir na hostia santa do altar, é converter os vasos sagrados do templo na taça corrupta das abominações.

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Pegar na fórma poetica falsificada, e em nome de um soi-disant «realismo» -- fazer da litteratura a hedionda valla das podridões (das «verdes podridões», como elles proprios constantemente lhes chamam na sua versalhada insulsa, inepta, e sempre ipsis verbis repetida!), equivale á gaiatice de ir com carvão rabiscar em parede limpa lettreiros indecorosos.

E o que digo d'esse intitulado «realismo» (como se «realismo» fosse uma invenção moderna, e em todos os tempos não houvera existido o «realismo» decente, o «realismo» admissivel) sub-intenda-se applicado tambem aos conciliabulos do «naturalismo», do «impressionismo», do «pornographismo», do «nephelebatismo», e de tutti quanti.

Ai da Humanidade se na corrente infecta de tão repugnante lodaçal fôsse arrastada a opinião pública, porque tal prova de pervertido gôsto implicaria tambem uma perversão na moral e no sentimento!

Pois digam-me:- não dóe devéras observarmos um adolescente, que mal ainda se estreia na carreira das lettras, e já se atreve a protestar contra as leis do bom

senso do bom-gôsto (como se, em tenros annos inferrujada, já de scepticismo adoecesse aquella alma que toda sentimento e crenças deveria ser!)? não dóe vêl-o, pretenciosamente aspirante a pensador profundo, chafurdar no lodo obsceno do «realismo»?

Quid inde? Que ha a esperar d'alli?

Que futuro chefe para uma familia e que auspicioso educador nos não promette esse embryonario iconoclasta?

E intitulam-se elles (os chefes da seita) apostolos do porvir! moralizadores da sociedade (que dizem corrupta e podre)! regeneradores da litteratura (que dizem marasmada e anemica)!

Ao ler-lhes as torpezas em que se desintranha a sua actividade «litteraria» (?) brotam impetos de suspeitar que taes individuos nunca tiveram mãe nem irmans, nem conhecem mulher a quem um dia ambicionem chamar esposa, nem lhes surri a idéa consoladora de se verem alguma vez acariciados pelo meigo chilrear de umas creaturinhas loiras, a quem tratem pelo doce nome de filhas.

Afastêmos, porêm, d'esse ruim tremedal os nossos olhos, e permaneçâmos todos convictos na eschola da moralidade, na eschola do dever, na eschola da elegancia e da maviosidade, na eschola do sentimento e da inspiração, - nessa eschola, cujo renascimento litterario sob a fórma romantica teve entre nós por chefes em pleno seculo XIX Garrett, Herculano, e Castilho, — nessa eschola emfim que, proclamando por inviolaveis principios de sua religião poetica tudo quanto ha de bello e de bom, tudo quanto ha de justo e de sacrosanto, tudo quanto ha de meigo e de fagueiro, de risonho e mimoso, de perfumado e suave, de harmonioso e consolador, de terno e amoravel, de scintillante e luminoso, de irisado e crystallino, de ineffavel e celestial, ha conseguido atravessar incolume com suas crenças desde Valmiki e Homero até Ossian e Camões,

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