ouro se destróe menos no uso particular, mais se augmenta na massa geral; e quanto mais se augmenta na quantidade, tanto meros representa na estimação. Os generos de primeira necessidade, por isso que se gastão todos os dias, todos os dias deixam as mesmas necessidades, e estas se augmentam mais e mais, à proporção do maior Commercio, pois que um dos seus objectos consiste em fazer das cousas superfluas uteis, e das uteis necessarias. O ouro e a prata tomados como signal, por isso que não são de uma necessidade absoluta, e só sim de uma commodidade representat iva do preço eminente de todas as cousas para uma maior facilidade do Commercio, vem a ter um valor precario dependente do arbitrio e da estimação dos homens; mas, como a estimação dos homens cresce á proporção da raridade da cousa e diminue à proporção da abundancia della, assim tambem a prata e o ouro representa e vale tanto menos, quanto elle se faz mais abundante. No tempo do Senhor Rei D. Manoel, um ou dois vintens valião e representavão um alqueire de trigo; hoje porém que a massa geral do ouro que gira no Commercio, se tem augmentado muitas vezes mais, já um ou dois vintens não representão uma igual porção de trigo d'aquelle tempo; então 400 reis representavão um ducado da Camara Romana; hoje são necessarios 1$750 reis, isto é, mais de quatro vezes mais de 400 reis para representar aquelle mesmo ducado Romano. Por este calculo se pode dizer que o numerario na Europa desde os principios do seculo 16, até o fim do seculo 18, tem já excedido o quadruplo; mas, se se fizer o calculo pelo preço do trigo, do tempo do Sr. D. João 3o, isto é pelos annos de 1550, que então corria, a 50 reis o alqueire, e hoje a 500 reis pouco mais ou menos, se póde dizer que o numerario tem crescido na razão de um para dez. Logo é evidente que a nação mineira, quanto mais augmenta o seu genero, tanto dá menos valor e menos representação a sua riqueza, e assim por esta progressão, quanto mais ouro ella cava, tanto mais cava a sua ruina, e se faz mais dependente do arbitrio das outras. 1 Filippe 2o, Senhor de todo o Potosi, fez uma bancarota ver gonhosa; o seu ouro e a sua prata sucumbirão aos arenques da Hollanda. O ouro, a prata, as pedras preciosas não produzem uma grande navegação entre a Metropole e as suas Colonias, nem para com as outras Nações: uma igual somma em trigo, arroz, algodão, tabaco, assucar, caffé, linho, canhamo, carnes, peixes salgados sustentará uma multidão infinita de marinheiros, carpinteiros, calafates, e outros muitos, cuja ociosidade e pobreza os constitue os primeiros inimigos do Estado. O agricultor, o fabricante, o artifice industrioso póde augmentar a sua riqueza a seu arbitrio, ou melhorando e apropriando o seu terreno, para este ou aquelle genero de cultura, ou dando maior movimento ao seu braço, ou augmentando a sua força por meio de alguma machina. Não é assim a respeito do mineiro: a maior extracção do ouro não depende do seu braço, depende do acaso, e muitas vezes o que menos trabalha é o que descobre um thesouro mais rico. De todas as minas metalicas, as Minas de Ouro são as mais desiguaes, e para assim o diser, as mais caprichosas. A mesma veia que é rica no principio, 'se faz muitas vezes bem menos na sua continuação e seguimento, e, pelo contrario, uma veia muito mediocre no seu principio, augmenta depois em riqueza, outras vezes até se acha um monte de ouro como insulado por toda a parte sem continuação, nem seguimento, como se vê muitas vezes nas Minas do Cuiabá. Esta riqueza tão casual, tão variavel e tão caprichosa, assim como faz que seja sempre inconstante e variavel a riqueza de cada mineiro de ouro; assim tambem faz que a riqueza da nação mineira do ouro seja sempre inconstante e variavel. Nos tempos em que a Nação mineira do ouro descobrir as ricas veias do ouro, ella se verá cercada de amigos, amigos sim do seu ouro; mas nos tempos da sua pobreza, ella seguirá a desgraçada condição humana, ella se verá pisada e abatida por aquelles mesmos, que com ella fizerão melhor jogo. Uma nação sensata não deve imitar os desvarios de um jogador, deve estabelecer-se sobre bases mais solidas e mais permanentes. Sei que todas as nações civilisadas sem exceptuar nem ainda aquellas que melhor têm calculado os interesses do ouro, não só não têm despresado as minas deste metal, mas têm feito e fazem todas as diligencias por descobril-as nas suas terras (1). Sei que ellas até dizem que o ouro foi o que franqueou a communicação de todos os povos, que os civilisou, que criou e nutriu as sciencias e as artes; mas isto é um engano. Não foi o ouro o que fez estes prodigios, elle só foi a occasião; foi sim a ambição, este excessivo desejo que tem o homem de possuir todas as coisas de uma vez. Elle não se contenta de gozal-as separadas, quer tel-as todas Juntas, ao menos representadas, seja em ouro, em ferro, ou em qualquer outra cousa. A chimica, esta sublime arte de analysar, compor e decompor os corpos, deve as suas grandes descobertas não ao ouro, mas sim á ambição e ao enthusiasmo de o querer fabricar e compor. Além disso, é necessario confessar que o ouro só é bom para aquelle que commerceia com elle, como signal representativo do valor das cousas, mas não para o mineiro ou para aquelle que o extrahe da terra (2), excepto no caso em que a sua mina é tão rica, que todos os annos lhe vai sempre produzindo mais (o que é raro), de sorte que, em tanto por uma parte elle fôr perdendo na estimação e representação do seu ouro, ou do seu genero pela abundancia que elle vai accumulando na massa geral do commercio, vá ganhando pela outra parte no augmento da quantidade do seu genero. Mas, logo que a sua mina lhe produzir todos os annos a mesma quantidade, elle irá sempre perdendo por uma parte na representação e estimação do seu ouro, sem nada ganhar pela outra parte no augmento da quantidade; e, quando a sua mina lhe fôr produzindo menos (como hoje succede nas nossas minas do Brazil), elle irá sempre perdendo por uma e outra parte, até se achar de repente sem ter que comer, nem que vestir, nem cousa que o valha (3). E' pois necessario antes que chegue este dia fatal, voltar para a agricultura. As nossas minas do Brazil se vão de dia em dia acabando, como mostra a experiencia, muitas dellas já não dão nem para as despezas antigamente, e alguns annos depois da descoberta daquellas minas e quando a povoação era menor e por consequencia erão menos os braços que tiravão ouro, comtudo tirava-se tanto, que só a capitania das Minas Geraes pagava dos direitos dos Quintos cem arrobas de ouro todos os annos, e ficavão de sobejo dez e onze. Hoje porém que os braços são mais, visto que a povoação é maior, se extrahe tão pouco que, ha alguns annos a esta parte, faltão vinte e trinta arrobas annualmente para completar as cem dos Quintos. Combinado um tempo com outro, acha-se hoje uma differença de quasi metade menos do que então; se a este calculo se juntar a differença dos muitos braços de hoje, aos poucos braços daquelle tempo, assim como tambem a differença do muito, que então o ouro representava de estimação na massa geral do commercio, e do pouco que elle hoje representa, o resultado será sem duvida de uma perda immensa para as novas minas. Suppondo porém que naquellas minas ainda haja muito ouro, já comtudo não é muito para ser tirado por mãos grosseiras e sem arte. Nas minas do Brazil ainda se ignora o methodo de extrahir o ouro pelo meio do antimonio, do azougue e do fogo; o ouro que se acha mineralisado com outros metaes é lançado fóra e perdido, apenas se aproveita muito grosseiramente aquelle que se acha em pó em folhetas, ou em alguma mina de pedra. Alli se ignora o uso da verruma de.conhecer o interior e as diversas camadas de terras; as sciencias naturaes, a mineralogia, a metallurgia, a chimica, o conhecimento de mechanica, das leis do movimento e da gravidade dos corpos, tudo está ahi ainda muito na sua infancia; das machinas hydraulicas apenas se conhece uma, ainda muito imperfeita, a que, pela sua figura e construcção, chamão « Rosario »; o serviço de minerar em fim se faz ainda alli muito ás apalpadellas, sem arte, sem systema, sem methodo. Um negro (4) ou um mineiro, que, á força de rasgar a terra pelo decurso de muitos annos, adquire alguma pratica de conhecer as terras de melhor formação que dão alguns indicios de ouro, indicios pela maior parte falliveis, por isso que não são ajudados da arte, é comtudo reputado alli por um dos primeiros mestres da mineralogia. Esta falta de verdadeiros conhecimentos do mineiro é mais uma ruina e uma perda para as minas do Brazil; a terra mais fertil e mais abundante, cavada pelas mão de um agricultor rude e ignorante, se faz pobre e esteril. A isto accresce mais, que o ouro antigamente se achava em abundancia, muitas vezes á face da terra, para cuja extração só bastava ter maōs: hoje porém as despezas são excessivas, não se tira uma oitava de ouro sem gastar muito ferro, o qual é de uma carestia summa naquellas minas. Um quintal de ferro, que n'este Reino custa 3.800 reis, nas Minas Geraes custa 19.200 reis, pouco mais ou menos, e nas Capitanias de Goyaz, Cuyabȧ e Matto Grosso, 28.800 reis, pouco mais ou menos, pois que além do seu preço e dos carretos, principalmente em bestas, desde os portos do Mar até ao interior das Minas, são desproporcionados os direitos que carregão sobre este genero tão necessario, e de primeira necessidade para a extracção do ouro. Os sugeitos que naquelle tempo estabeleceram os direitos, poucos instruidos dos intereses do Rei e dos povos, e das correlações respectivas dos ramos das finanças, puserão os direitos naquellas Minas por arrobas, equilibrando os generos da primeira necessidade com os de mero luxo, de sorte que tanto se paga de direitos por uma arroba de seda, como por uma arroba de ferro. Este mal seria menor, se o ferro fosse fabricado em Portugal (); pois que, ainda que o mineiro do ouro não fizesse conveniencia, a faria o mineiro do ferro: mas, como este genero vem de Suecia e de Biscaia, o mineiro Portuguez não faz mais do que trabalhar para o Biscainho e para o Sueco. Alguns arbitristas que, ou por terem a vista muito curta, ou por malicia, querendo, apesar dos factos mais notorios, fazer persuadir que naquellas minas ainda ha muito ouro, e que só por falta de braços é que se não tira, disem que o meio de fazer que daquellas minas se tire maior quantitade de ouro, é augmentar o numero dos tiradores d'elle; porém que, sendo como são os negros naquellas minas muito caros, não só pelo seu custo principal, além dos riscos, e das despezas dos transportes, mas |