sinou; elle é o mestre de primeiras lettras da nossa historia constitucional, unica aula que ellas tiveram até hoje... E quando teremos outra? Quando apparecerá o espirito capaz de rever e de refazer a obra de Pereira da Silva? Não será de certo tão cedo, e até là elle ficará sem competidor... Não temos mais o espirito que suscita o historiador nacional; nem o interesse, a curiosidade publica que este satisfaz. Não é pela agitação em que tenhamos acaso entrado, porque a agitação é ás vezes vivificante; é pelo esgotamento da imaginação e pela tal qual fluctuação do sentimento de patria... Nesse sentido, com a morte de Pereira da Silva ficará por muito tempo vago o primeiro munus reipublicæ de nossas lettras, a sua mais bella dignidade. COUTO DE MAGALHÃES Couto de Magalhães é antes o homem da nossa pre-historia, como se diz hoje. De certo ha nelle outro traço profundo e o enthusiasmo por tudo que é militar, que diz respeito ao Exercito; mas, o que lhe escravisa a imaginação, constitue aos seus olhos o seu eu, sua causal, e se torna o cartouche de seu hieroglypho intimo, é a fascinação pelo mundo aborigene, o amor por todas as gradações do sentimento, da alma primitiva, em suas misturas com outras raças. O que faz a toada do seu ouvido, o que elle retém como a expressão do seu proprio sentimento são algumas «quadrinhas > todas ellas ( a phrase é delle ) « ouvidas entre milhares de outras, quando nas longas viagens, nos ranchos de S. Paulo, nas solitarias e desertas praias do Tocantins e do Araguaya ou nos pantanos do Paraguay, meus camaradas ou os tripolantes de minhas canôas mitigavam com ellas as saudades das familias ausentes, ou as tristezas daquellas vastas e remotas solidões. » Outros, a brilhante geração sua contemporanea na Academia, tem espirito cheio dos versos de Lamartine, de Victor Hugo, de Musset, de Vigny; para elle o seu poeta favorito, o seu Gonzaga inedito e intraduzivel, é o sertanejo cantando ao silencio da natureza a ingratidão do amor. Quanta laranja miuda; Por causa dessa paixão... E' essa a poesia que elle leva na alma por toda parte... - Que será, senhores, uma aposta comsigo mesmo, ou a ins- Deus, do naturalista, que trabalha para a sciencia, que estimulo, que alimento ha para a nobre vida moral do homem ? Couto de Magalhães não se tornou, de certo, um Robinson Crusoé; esteve sempre ao alcance do vapor, da estrada de ferro, do telegrapho, com o seu livro de cheques no bolso. Era um falso desterro. Elle dominou o seu interesse pela vida selvagem com a sua curiosidade pelas cousas da intelligencia... Voltou da floresta com o espirito industrial, que lhe trouxe a riqueza, a qual de certo foi para elle uma poderosa diversão. Nos ultimos annos praticava o indianismo não mais nas cabeceiras do Tocantins, ou nos proprios dominios do Caapora e do Curupira; mas, em S. Paulo, á margem do Tieté ou no Club da Caça e da Pesca, cujas collecções historica, militar, anthropologica, reflectem a extensa variedade dos seus gostos e conhecimentos... Pela imaginação, elle amou sempre mais que tudo o indio; o indio foi o seu cherimbabo ( o animal que o indio cria), amou-o tal qual é. «Cada tribu, disse elle uma vez, que nós aldeamos é uma tribu que degradamos, e que por fim destruimos, com as melhores intenções, e gastando o nosso dinheiro. » Somente o seu espirito era variado de mais para ceder todo a essa paixão, que aliás, como eu disse, dá o cunho à sua vida... Foi um homem de cultura, a quem todas as revelações interessavam... Ainda ha pouco o seu programma para a celebração do nosso 4° centenario mostrou a originalidade e inventiva que desde o seu livro O selvagem, o destacavam de todos... Nenhum outro livro dá como esse a impressão magestosa e solemne do Brazil desconhecido e impenetravel, cujas fumaças elle divisou do alto da esplanada do Paredão... Elle foi mais do que pensava ser, mais que o Ollendorf do nehengatú: foi a ædes das lendas tupys... Nem mesmo Gonçalves Dias respira como elle, o ardor, o enthusiasmo dos guerreiros da taba... E' uma figura, senhores, que pertence ao romance americano e que só Capistrano de Abreu e Fenimore Cooper poderiam juntos reconstruir... Elle pertence ao Instituto como actor e como autor; como actor porque fez historia, como autor porque a escreveu... Seu passo está ainda intacto em porções desertas do nosso interior; circum navegou o Brazil a léste do Araguaya e do Tocantins: percorreu as duas grandes bacias, a do Amazonas e a do Prata, e como que as ligou ; o seu nome está associado á campanha que retomou Matto Grosso aos paraguayos, e da qual elle teve a responsabilidade. Foi um semeador de vida, um motor ambulante; por onde passava fazia apparecer a actividade, o movimento, a idéa... O seu contagio era o da perenne elaboração do espirito. André Rebouças pôde comparal-o a Livingstone e dizer que homens como elle appareciam de seculo em seculo. Se a morte não o houvesse levado tão cedo em toda a força e robustez do rejuvenescimento a que assistiamos, não se póde dizer o que a anthropologia brazileira não teria devido ao seu emprehendimento, á sua invenção, á sua munificencia... Era uma intelligencia dotada de fortes e delicadas antennas, recolhia innumeros factos, penetrava-se de sciencia e de erudição à vontade, quando queria, sem que isso lhe custasse. Dependeu de muito pouco o não ter elle sido um leader: pelo temperamento e pelo caracter era um iniciador, um progressivo, um inimigo do atrazo, um emancipador, um liberal, e teria sido com esses predicados um segundo Tavares Bastos, com a imaginação a mais, se o tivesse querido. Outras cousas, porém, encantaram-no mais do que a politica, e elle verdadeiramente nunca entrou nella: preferiu ser o que foi, um dos brazileiros mais interessantes do seu tempo, mais originaes, mais notaveis, do ponto de vista universal. DR. JOÃO MENDES DE ALMEIDA Bem diversa dessa combinação singular era a do Dr. João Mendes de Almeida. Neste o que predominava era a identificação da figura com o quadro; era a exuberancia da vida objectiva, sem nada que o atrahisse para fóra do seu elemento, que diminuisse o seu orgulho, a sua felicidade, de perfeito exemplar de sua raça. E' que elle, desde que começa, vive da vida dos camaradas, dos desconhecidos, com quem se allia para fazer carreira e servir o partido. Attrae dedicações, inspira sacrificios, pede ao amigo, ao correligionario, ao transeunte, tudo que elles lhe podem dar o voto; mas em compensação escravisa-se a elles, e o seu sacrificio por elles é absoluto. Elle é quasi sempre um rebelde; 107 49 TOMO XLI, P. II. |