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tugal restaurado, e repete a Historia genealogica, fazer-se acclamar na villa de Santarem a 24 de junho de 1580 (dois annos dia por dia desde a brilhante saida da armada).

Ora entre esses taes sequazes, mas não entre os mais devotados, encontrou-se, por obrigação de officio, pois era fidalgo da casa do prior do Crato, o aventureiro de Alcacer-Kibir.

N'isto o duque de Alva marchava sobre Lisboa; entrara por Elvas, sujeitara o Alemtejo, embarcara em Setubal, e subira até Cascaes. Pretende D. Antonio com os seus escassos quatro mil homens mal armados defender Lisboa dos vinte mil veteranos aguerridos de D. Fernando de Toledo. A desastrosa batalha da ponte de Alcantara deu o desengano ao pretensor.

Uma curiosidade agora, que nem todos sabem: destroçado em Alcantara, poude o prior do Crato acolher-se disfarçado aos suburbios de Lisboa, d'onde seguiu para o norte, e depois teve de fugir para França; ora a casa onde pela ultima vez pernoitou aquelle rei sem corôa foi, segundo ouvi, um palacete, de antigo aspecto ha dois annos ainda, hoje reedificado sob um risco burguez moderno, sito na actual rua dos Poyaes de S. Bento, onde era a loja de papel do sr. Verissimo José Baptista, meu amigo. Essa casa tinha uma feição nobre, e eu proprio vi antigas pinturas de ornato, como paquifes, nos tectos de cupula, e antigos azulejos no que era ultimamente cosinha, o que tudo demonstrava grande vetustez no edificio. Não sei em que se funda a tradição para dar a esta casa como o ultimo estáo

do pobre principe; transmitto a lenda (se o é) como me chegou 1.

Ora voltando ao nosso Miguel Leitão: o que é certo é que, desembarcado em Cascaes o duque de Alva, se rendeu ao general castelhano o forte de S. Gião; e que fez o cavalleiro do pretensor? que fez? reflectiu na pouca validade das razões de seu amo, e entendeu, visto que estava perdida aquella causa, apresentar-se como servidor a el-rei D. Filippe, por quem tinha voz grande parte da nobreza. Isto não é calumnia da historia, nem baléla; conta-o o proprio Miguel 2.

Quer elle que eu o defenda da coima de ingrato? não posso. Foi ingrato. Essa nodoa ninguem lh'a tira. A sua posição, o seu nome, impunham-lhe outro comportamento. Mas ao menos, o que não está provado, nem o pode estar, é que para esse desamparo da causa que abraçara fosse comprado, vilissimamente comprado, como tantos outros contemporaneos seus. Além d'isso podia ser fidalgo da casa do prior do Crato, e não achar justiça ás suas presumpções a rei, como succedeu, e succede, a muita gente boa; elle não o esconde em varios passos da Miscellanea 3. As opiniões politicas são livres, liberrimas. Não o louvo pois, mas entendo-o.

1 Consta-me por via fidedigna que nos titulos da casa, quando ella pertencia ha poucos annos ao sr. Manuel Maria Coutinho de Albergaria Freire, havia menção do facto. O que em boa verdade não affirmarei é que se não referisse á segunda tentativa do mallogrado rei em 1589. Não pude examinar o ponto, por falta de documentos.

2 No seu dialogo ш, a pag. 63 da edição de 1867.

3 Por exemplo a pag, 136, 142, 159 da edição citada,

CAPITULO X

Casamento de Miguel Leitão.-D. Ignez de Atouguia.-Trata-se de investigar um caso escurissimo.-Drama domestico. -Folheiam-se debalde os tombos do reino, e os archivos genealogicos. Instituição de um morgado de Leitões e Andradas.― Enumeração de varios bens do vinculo. - Onde morava em Lisboa o cavalleiro Miguel Leitão.- As freiras de Sant'Anna e Luiz de Camões.— Monumentosinho á memoria do grande poeta.-D. Brites de Andrada segunda mulher de Miguel Leitão.-D. Francisca de Sousa sua terceira mulher.-Testamento d'elle em 1627.-Seu fallecimento em 1630. Conclusão.

No anno tenebroso de 1580 tinha Miguel Leitão de Andrada seus 25 annos. Não sei quando mudou de estado; o que vejo é que desposou uma D. Ignez de Atouguia, que julgo filha de Francisco de Figueiredo Ribeiro.

Estava essa senhora destinada a trazer ao ex-captivo da moirama a sua mais triste pagina; crer-seha? assacaram ao marido a morte de sua propria mulher. Os motivos não constam; consta apenas a suspeita formulada por um genealogista.

Em que se fundava o laborioso Manço de Lima,

escrevendo taes asserções a mais de um seculo de distancia? teria visto o processo? teria compulsado documentos particulares coevos do crime? seria o ecco de atoardas authenticas passadas de geração em geração proxima ? ou bastou-lhe interpretar com uma hermeneutica pouco benevola certas palavras da propria Miscellanea? Não sei decidir de qual d'essas origens brotou a asserção peremptoria e secca do padre; o que por mim affirmo é que procurei na Torre do Tombo, e debalde, o processo respectivo (que existiu e não devia ser muito magro); que o procurei nas sentenças de Moreira; que o procurei nas sentenças manuscriptas da Bibliotheca nacional, e que em parte nenhuma o encontrei. Arderia? teria ido para Castella? sumir-se-hia por qualquer fórma? pode ser; de não me apparecer não infiro que não esteja ahi algures, e muito á mão.

Vamos ao que importa n'este momento; o passo da Miscellanea em que o auctor allude a certos trabalhos e miserias que atravessou, é por tanto o unico documento que me é dado seguir. Examinal-o-hei com o microscopio. Das palavras do dialogo x deduzo simplesmente o seguinte:

Foi (não sei quando) imputada uma morte ao cavalleiro da ordem de Christo Miguel Leitão de Andrada. Todo o publico fallou, e se amotinou. Eram partes contra o reo homens poderosos, alguns até desembargadores, corregedores, relacionados em todos os tribunaes, e no proprio conselho de Madrid. Que morte lhe attribuiam? quem eram essas partes, que assim pareciam tão directamente interessadas em accusar?

Procedeu-se por ordem de um corregedor da côrte a severos exames, com medicos, com cirurgiões, e até com parteiras. Ahi rompe um luzeirinho: tratava-se pois de uma mulher, e cumpria averiguar se fallecera de morte natural, ou se fôra assassinada; mas nada prova por ora que fosse esposa do indiciado matador. Cercaram-no de perguntas ardilosas, a ver se o faziam confessar; e elle confessou o que quer que fosse, de que depois se justifica.

0 governo central de Madrid deu-lhe uma carta de seguro, com a qual o accusado julgou seria respeitado; pois de nada lhe serviu, porque, na propria audiencia a que o chamaram, o prenderam sem mais ceremonias, mandando o vice-rei dizer para Madrid que não devia D. Filippe livral-o da prisão, porque não era caso aquelle a que devesse valer nenhum favor das leis.

Soube d'isto um amigo de Miguel Leitão, e ainda seu parente, D. Fernando de Noronha conde de Linhares, e foi-lh'o logo dizer. Elle desesperou, cheio de razão, com tal abuso de confiança e tamanha deslealdade; e possuido da sua justa indignação, mas sem largar nunca o seu chiste, appelou do vice-rei para o rei, rogando-lhe por grande mercê uma coisa só: que o não houvesse de julgar como a portuguez vassallo seu, senão como a turco ou hollandez, «porque diziam as palavras textuaes - «que hollandez «ou turco não vem muito seguro a vossas fortalezas «com um só escrito de qualquer vosso capitão em «vosso nome? Pois a mim, Senhor, não me prende«ram na raia de Castella fugindo, senão na vossa «audiencia, onde fui confiado no seguro que em no

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