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CAPITULO XIII

Dá-se uma vista de olhos pela encosta abaixo.- Incurias da velha Lisboa. A calçada do Duque e a linda casa do sr. Caldas Aulete.-Onde se escreveram os Quadros historicos de Portugal. O mercado das flores em S. Roque.-Entra-se com o leitor na egreja dos jesuitas.- O adro.-As festas de S. Roque reflectidas no espelho da poesia popular.- A cerca da casa professa e os Recreios Whittoyne.-Analyse esthetica do templo de S. Roque.

Se do alto do monte de S. Roque olharmos para baixo, para a banda do nascente, das janellas da Misericordia, vemos de certo alguma porção das paredes da Escola academica, levantadas no verão de 1863, no sitio onde, ainda em 1834, jazia um informe cahos de ruinas, segundo um bom guia d'essas paragens. Eram-diz elle1-começando pelo alto, o muro velho de D. Fernando, e os paços dos condes da Vidigueira; descaindo já para o valle do Rocio terrenos quebrados e perdidos, para onde nem já lançavam olhos os fidalgos seus

e

.......

1 Castilho. Rev. Univ.-Tom. II. Homenagem ao antigo e ao moderno.

senhores. N'esta porção da cidade.....

enxamea

va em pardieiros immundos e doentios, em becos enleiados, em pateos encantados, e quasi incognitos á propria policia, tudo que a sociedade tem de fezes.

A nossa Lisboa, que tantas e tão desencontradas revoluções convulsaram sempre, achava-se desde o terremoto grande cheia de empachos grosseiros, contra os quaes não bastavam os trabalhos e empenhos constantes das vereações. Havia nos sitios mais centraes accumulações de casebres ridiculissimos, menos que aldeãos. Hesitava-se em dizer se eram ruinas deixadas pelas opulencias derruidas, se eram desde o seu principio cabanas de pastores e cavernas de troglodytos.

Na carcassa informe do cadaver do paço dos duques de Bragança, ao Thesouro velho, nas ruinas do dos marquezes de Marialva, ao Loreto, nas da sumptuosa residencia dos condes de Soure, ao Bairro alto, aninhara a miseria uma alluvião de casebres parasitas, baiúcas esfomeadas, tropegas, e cegas, accumuladas a esmo. Nas abas do grande convento do Espirito Santo (ao topo do Chiado, palacio Barcellinhos, hoje hotel Gibraltar e dos Embaixadores) o mesmo; e ahi (digo-o entre parenthesis) nem signaes havia das casas grandes que bordam as ruas novas do Almada e do Carmo pelo lado do nascente; eram, ainda em 1834, umas ribanceiras, segundo me afirmam, cheias de herva, onde pastavam durante o dia os rebanhos convencionaes dos idyllios de Virgilio, Watteau, ou Pillement !

Pois o sitio que estudamos era no mesmo theor desalinhado da Lisboa de nossos paes. Ao cimo,

como vimos, o velho palacio Niza; mais abaixo, costeando a muralha, casebres de todos os feitios, entre os quaes colleava a muito custo a viella tortuosa e ingreme chamada calçada do Duque.

Foi o sr. Francisco José de Caldas Aulete, cavalheiro intelligente, energico, e activo, sogro do sr. Silva Tullio, quem tomando de aforamento em 1835 aquellas ruinas, começou com ousadia e bom gosto o despejamento e arborisação do pequenino largo que fica no topo da rua da Condessa, e a edificação do palacio, hoje afogado nas informes construcções da Escola academica. Á iniciativa do sr. Caldas se deve exclusivamente a completa metamorphose d'aquella encosta. Das obras d'elle pouco se pode já apreciar, porque a Escola demoliu em parte, e em parte recobriu, o que havia.

O largosinho a meio da calçada, onde desemboca a rua da Condessa, era antes das obras ultimas um sitio lindo, com um quid de nobreza e distincção, que em poucas paragens d'esta Lisboa se encontrava. Ao fundo, com umas heras pendentes, aqui, ali, um farto lanço da muralha guerreira d'el-rei D. Fernando. Lembra-me que havia lá no alto uma pequena porta ogival, puro moyen age, e para que levava uma escadaria estreita, de lanços, ao rez da parede. Aquella linha extravagante e inesperada quebrava a extensão do muro, e compunha.

O pateo ajardinado e sombrio era o digno atrio de tão recatada residencia, dominada pittorescamente pelas ameias da muralha feudal.

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Aos lados da entrada, dentro do pateo, dois leões collossaes, de pedra, que tinham pertencido á quinta do marquez de Ponte de Lima em Mafra. Todo o muro exterior junto ao portão fôra pintado pelo nosso insigne e phantasioso Cinatti1; eram rosaças e ornamento a claro escuro, e do mais apurado gosto.

Por dentro, que vivenda luxuosa e elegante! os bellos salões caíam sobre uma densa matta chilreada, e desfrutavam, como pano de fundo, através da rota cortina verde florida dos arvoredos, a nobre vista da Alcaçova. O architecto foi o scenographo italiano Luiz Chiari, já então velhissimo 2. O vestibulo, que era oitavado, pintou-o o nosso André Monteiro, assim como a casa de jantar, adornada de caçadas e paizagens; finalmente foi o brilhante pincel de José Francisco de Freitas, que encheu de flores as paredes das salas, cujos magnificos espelhos tinham pertencido á rainha a senhora D. Carlota, e vindo do Ramalhão.

No palacio do sr. Caldas varias pessoas conhecidas habitaram, além dos proprietarios que ali estiveram muitos annos. Sei do ministro hespanhol con

1Fallecido não ha ainda dois mezes. Aproveito a occasião para tributar á honrada memoria do grande scenographo a homenagem da minha admiração, e da minha saudade. Poucas almas de artista haverá no mundo tão nobremente dotadas como aquella.

2 Vi d'este mestre uma pintura a tinta da China na casa do despacho da egreja do Loureto; representa as exequias de um papa do seculo passado celebradas n'aquelle templo; e possuí duas magnificas aguarellas scenographicas, assignadas L. C.. que attribuia ao mesmo artista.

de de Colombi, do sr. Costa Lobo, par do reino, do sr. visconde da Praia, do sr. conde de Claranges Lucotte, e lembro-me de lá ter ido com meu pae varias vezes visitar o eloquente Alcalá Galleano, embaixador de Hespanha1.

Sobre o pateo, ao lado do portão, no sitio onde hoje é a gradaria, alvejava uma pequena casa independente, clara, pintadinha, coquette (hoje demolida) onde viveu em 1838, 39, 40 e 41, o poeta dos Ciumes do bardo, e onde se escreveram os Quadros historicos de Portugal.

Voltemos agora a trepar a ladeira, e demos as ultimas vistas ao largo de S. Roque.

N'elle projectara a camara em 1836 varios embellezamentos; entre esses um mercado de flores. Pena

é

que se não tivesse podido realisar a idéa. Lisboa encravada entre jardins, e entremeada de flores, devia abastecer uma feira de tal genero, que era linda e não custosa. Podia ser a praça da figueira do bello, deixem-me chamar-lhe assim.

É curioso aproximar d'este gorado alvitre da camara de Lisboa uma antigalha quinhentista: houve por cá ha tres seculos essa mesma venda de boninas todo o anno, á porta da Misericordia, e n'outras par

3 Muitas das noticias supra foram-me communicadas pelo meu bom amigo o sr. Silva Tullio. Aperto-lhe cordealmente a mão pelos seus repetidos obsequios.

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