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CAPITULO XX

Palacio Sobral.-A Academia real das sciencias em peregrinação. As festas dos Sobraes.-29 de abril de 1793.-Palacio Palmella.-A legação de Hespanha habita o Calhariz. -Menção de um grande saráo diplomatico-litterario.-A ermida da Ascensão.- André Valente e Catherina de Pina. -A parochia das Mercês.-Uma rua que ninguem suspeita.- Paulo de Carvalho e a nova egreja das Mercês.- Recolhimento dos Fieis de Deus.- Ermida de Nossa Senhora do Monte do Carmo.— Outras ermidas, hospicios, e recolhimentos no bairo.-Basta por hoje.

Defronte do palacio que pertenceu á casa de Vallada, e sobre a mesma rua do Calhariz (no meio do seculo xvi chamada da Esperança, quando tudo aquillo era campo 1) vê quem passa a grande e muito regular habitação que hoje pertence aos srs. condes do Sobral, como representantes do fundador, Joa

1 Christovam Rodrigues de Oliveira no Summario menciona com tal nome aquella rua logo depois da da porta de Santa Catherina, por ser a Esperança, desde uns vinte annos, o convento maior que para aquella direcção se encontrava.

quim Ignacio da Cruz Sobral. É uma casa bellissima, no gosto mais opulento do seculo passado, e com magnificos salões, e soberbas escadarias; occupa todo um quarteirão.

Na esquina occidental da fachada do Calhariz descobri umas lettras gothicas esculpidas em pedra, e que não consegui ler. Que pode significar tal inscripção ali? verosimilmente foi lage antiga encontrada perto, e conservada por lembrança.

N'este grande palacio se alojava no primeiro quartel do seculo a Academia real das sciencias, logo depois, se não me engano, de ter estado no palacete do beco do Carrasco, onde se aquartelara tambem uma esquadra da guarda real da policia, onde morou em 1800 o tenente general D. Francisco Xavier de Noronha, e onde no seculo xvii era a casa da embaixada de Inglaterra'.

Da residencia da Academia no palacio Sobral conservo, pelo ouvir a um douto academico, um pormenor interessante para a historia das alfaias e dos usos domesticos: viu elle na sua meninice aquellas salas, onde seu pae, tambem academico, o levou de passagem alguma vez; o grande salão das sessões solemnes era illuminado aos cantos por enormes arvores de metal doirado, como uma especie de serpentinas collossaes, d'onde rutilavam d'entre a ramaria e o folhedo as velas de cera.

1 Encontrei esta minucia n'uma phrase incidente da Hist. gen. da C. R. Diz o auctor assim: O enviado de Inglaterra que morava nas casas da rua direita, que vão dar ao poço dos negros, no beco que chamam do Carrasco. Refere-se ao tempo d'el-rei D. Affonso vi. Tom. vii, pag. 399.

A

Nos mesmos salões, occupados hoje pelos hospedes do grande Hotel Matta, se deram no seculo passado sumptuosas festas, em que o rico Joaquim Ignacio da Cruz Sobral, do conselho d'el-rei D. José, e do da fazenda, e depois seu filho Anselmo, reuniam toda a côrte em deliciosa confraternidade com as classes do commercio e das artes. Isso era fructo dos desejos civilisadores do marquez de Pombal, e das suas diligencias indirectas.

Deram brado os concertos do Calhariz; ali se ouviram os grandes artistas, e os curiosos de mais nomeada. E não só concertos; tambem ali houve operas em fórma, em todo o rigor da pragmatica theatral.

Quando a 29 de abril de 1793 nasceu a princeza da Beira D. Maria Thereza, filha do principe regente (depois rei), o dono da casa Anselmo José da Cruz Sobral, filho do fundador, celebrou esse successo com a representação do dramma per musica intitulado Il natale augusto, lettra de Gaetano Martinelli, e arias de Antonio Leal Moreira, mestre do seminario de Lisboa. Era peça de grande espectaculo, a que assistiu toda a Lisboa illustre. Tenho pena de não possuir a lista dos convidados; possuo a dos cantores, que eram nada menos que a celebre Todi, Valeriano Violani, Francesco Angelelli, Guiseppe Forlifesi, Ansano Ferracuti, e Antonio Puzzi, alguns dos quaes encontro como actores de profissão nos librettos do tempo.

Foram brilhantes as luminarias e festas de Lisboa na noite de 29 de abril e nas seguintes; deram motivo a um pasquim malicioso, que me não

atrevo a repetir, e a estampas commemorativas, que os colleccionadores certamente conhecem. Entre tudo porém obtiveram um dos logares primeiros as salas de Anselmo Sobral.

Antes de saír d'ellas mencionarei que ali morou, até poucos mezes antes de fallecer, um estudioso academico o sr. marquez de Sousa Holstein, genro do primeiro conde do Sobral, e um dos moços mais precocemente eruditos do nosso tempo.

Ao poente do palacio Sobral, e separado d'elle apenas pela rua da Rosa, vemos o bello solar, que deu nome ao sitio; pertence aos antigos morgados do Calhariz, duques de Palmella. Era muito mais resumido do que hoje, até que o celebre primeiro duque D. Pedro, o renovou e ampliou consideravelmente, embellezando-o com um pequeno jardim improvisado, no sitio onde vinha desembocar a rua do Trombeta. Para isso aforou o nobre duque o pedaço da dita rua á camara municipal, obrigando-se a macadamisar do seu bolsinho a impossivel calçada do Combro, que era uma ladeira silvestre, abrupta, desegual, uma escada de Jacob sem degraus.

Defronte do palacio Palmella existe, na esquina da rua das Chagas, um palacete de antiquada estructura, que julgo pertenceu ao principal Lazaro Leitão Aranha, benemerito fundador do recolhimen

to de Santa Apollonia. A ser esse, morou ali em 1755 o embaixador de França, marquez de Baschi (sic) 2.

Nada sei da sua fundação; limito-me apenas a apontal-o por ter sido a residencia do ministro de Hespanha n'esta côrte em 1870, 71 e 72, o sr. D. Angel Fernandes de los Rios, e ter sido theatro de uma festa lindissima, que tem o seu logar nos nossos modernos annaes litterarios.

Terminara o cantor do Amor e melancolia a sua versão do Fausto de Goethe. O ministro de Hespanha, que frequentava a casa do poeta, e tinha já sido admittido, como entendedor que era, aos antegostos dos principaes trechos da obra monumental do semi-deus de Weimar, desejou que a primeira leitura em fórma se realisasse n'uma data celebre, e perante o corpo diplomatico e o litterario. Obtida annuencia do poeta, convidadas centenas de pessoas, o palacio do Calhariz illuminado, por ser o dia do santo do nome d'el-rei Amadeu, recebia no principio da noite de 31 de março de 1871 toda a Lisboa intelligente e culta; e os salões sumptuosos da legação de Hespanha viam-se transformados por encanto na mais hospitaleira academia. Os jornaes do tempo dirão quem assistiu; eu quero deixar consignado como curiosidade o horario da festa, seguido

1 José Silvestre Ribeiro. Historia dos estabelecimentos. Tom. I, pag. 200.

2 Relação da magnifica e pomposa entrada que n'esta côrte fez no dia 11 de junho d'este anno de 1755 o ex.mo sr. marquez de Baschi embaixador d'el-rei Christianissimo. Lisboa, 1 folheto.

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