Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

gua, que hoje é a porta n.o 131. Fundou-o D. Maria Borges em 16711.

Havia mais o recolhimento de Nossa Senhora do Carmo, que era dos condes de S. Lourenço, na freguezia de Santa Catherina2; o hospicio dos eremitas da Serra d'Ossa, á Cruz de pau3; o dos missionarios do convento de Brancanes; o dos franciscanos da Custodia, da ilha da Madeira; o dos carmelitas de Pernambuco; e o de religiosos de Santo Antonio do Rio de Janeiro". Não sei ao certo onde ficavam essas casas; mas sei onde fica o celebre cunhal das bolas, e ahi é que desejo agora conduzir o leitor. Se porém prefere descançar, paremos aqui, e recomeçaremos no capitulo seguinte esta cabotagem litteraria. Ferremos a vela, e até amanhã.

[blocks in formation]

CAPITULO XXI

O palacio do Cunhal das Bolas, hoje Asile Saint Louis.— A videira da rua da Rosa.-Palacio da senhora baroneza de Almeida na rua da Barroca.-O visconde de Almeida Garrett seu inquelino.—Palacio do sr. Carlos Relvas na rua da Atalaya.-Gomes de Amorim e o seu lindo escriptorio.-Antonio Diniz na rua da Vinha.—Convento dos Cardaes, hoje asylo de cegas.-O collegio dos inglezinhos.-O conservatorio. Os theatinos, Garrett, e Duarte de Sá.-O convento de Jesus, e a Academia real das sciencias.-Visita ao real collegio dos cathecumenos, hoje asylo da rua dos Calafates. Francisco Luiz Ameno, Morando, e Antunes.-Menciona-se o Diario de Noticias.-A alameda de S. Pedro de Alcantara. O palacio Ludovice.-O convento de S. Pedro, hoje recolhimento.-A casa dos srs. Salemas.- Conclusão.

Ha n'este bairro, que os transeuntes não suspeitavam ser tão interessante, um casarão, sobre que pairam lendas ha já seculos. Todos as mencionam, e ninguem as sabe ao certo; todos prestam ouvidos para as escutar, e ninguem as ouve; todos as perguntam, e ninguem as explica. Fallo do palacio chamado do Cunhal das bolas, nas ruas do Carvalho e da Rosa. É um predio enigmatico, e, ha poucos an

nos ainda, de quasi lugubre aspecto, hoje porém convertido n'um alegre pombal da beneficencia franceza, e por tanto perfumado de bemquerença e hospitalidade pelas bondosas irmãs.

N'um manuscripto quinhentista encontrei logo depois da rua dos Fieis de Deus uma denominada das Bolas, que de certo tinha relação com o palacio, e conseguintemente lhe remonta a origem a mais de tres seculos 1.

Segundo Ribeiro Guimarães no seu Summario, obra noticiosa que é pena não continuasse, é tradição que o palacio fôra fabricado por um judeu muito rico, que pretendera figurar pomos de oiro no cunhal que ainda lá se conserva. Quem fosse o israelita fantasioso não sei; o que se lhe podia affirmar é não ser seu o invento. Não são raras na arte estas exhibições architectonicas; em Lisboa tivemos pelo mesmo tempo a celeberrima casa dos bicos, que lá está, toda ouriçada de pyramides de pedra com o vertice para fóra; e lembro-me de que a porta fortificada de Provins, em França, tem as suas duas torres revestidas de bicos de pedra, como a fundação de Braz de Albuquerque.

Fosse ou não fosse reminiscencia, ou imitação, o que é innegavel é que, se o judeu não conseguiu figurar muito exactamente os pomos de oiro do jardim das Hespérides, como Albuquerque os diamantes da conquista, conseguiu pelo menos uma popularidade que zombou do tempo.

1É a Estatistica tantas vezes citada, pag. 104. Ribeiro Guimarães analysa e aprecia esse precioso codice no seu Summario, e fel-o com a sua costumada erudição.

Disse-me um amigo que no cartorio do Loreto se encontrava não sei que documento relativo á casa do Cunhal das bolas; procurei-o, mas sem fio que me guiasse não o topei. Não me é pois facil investigar o como viesse o palacio a tocar á familia Mello e Castro, parenta dos nobres condes das Galveias; a ex.ma sr.a D. Maria Rosa de Mello, ultima administradora do vinculo a que pertencia o palacio, casou com um filho segundo da casa de Olhão, o sr. D. Pedro da Cunha, e em segundas nupcias com o sr. general Rufino Antonio de Moraes.

Foi a mesma senhora quem vendeu o palacio ao governo imperial francez. Ali se mantem desde 1866, sob a inspecção da legação de França, e direcção do meu respeitavel amigo o reverendo padre Miel, o Asile Saint Louis, onde se ensinam, com um carinho notavel, as disciplinas da instrucção secundaria. Faz gosto entrar ali; ha uma alegria communicativa, que só se poderia encontrar n'uma escola bafejada, como aquella, pela religião.

No seculo passado e primeiro quartel d'este, era ali o chamado Geral do Cunhal das bolas, isto é, um dos poucos estabelecimentos officiaes de instrucção secundaria e preparatorios. Entre outros discipulos, cursou, de outubro de 1810 a 1815, um alumno cego chamado Antonio Feliciano de Castilho.

Na casa que fórma a esquina sul fronteira ao Cunhal das bolas, e que é antiga, ha uma curiosidade, que prende a attenção de todos os que passam: uma videira, nascida dentro de casa, e que atraves

sando uma abertura feita de proposito na parede, vae, serpeando, e estendendo-se, no comprimento de muitos metros, expandir a sua verdura e os seus cachos nas varandas do segundo e terceiro andar da casa fronteira. Custa a crer como aquelle pobre vegetal vive ali, e se desenvolve em tão apertadas condições. Conheço-o desde que me entendo, e espero que ha de continuar a vicejar, e a lembrar ao bairro alto a quinta velha.

Não devo ommittir o palacio da rua da Barroca, esquina sueste da travessa dos Fieis de Deus, que pertence á casa da sr.a baroneza de Almeida, D. Constança de Menezes Jacques de Magalhães. Graças á muita bondade de s. ex.a pude examinar os titulos, que infelizmente nada me esclareceram quanto á fundação e outras circumstancias. Sei porém de um inquilino, cujo nome basta só por si para dar fama áquellas paredes: o visconde de Almeida Garrett, ainda parente da senhora baroneza, habitou ali por 1839 e 40, no primeiro andar. Com a affabilidade propria d'elle recebia n'aquellas mesmas salas o laureado poeta da D. Branca os mancebos principiantes, e animava-os, e aconselhava-os. Foi nos ultimos mezes de 1839 que o joven D. Pedro da Costa, hoje o meu amigo conde de Villa Franca, ali procurou com seu pae o sr. conde de Mesquitella, os conselhos do restaurador do nosso theatro nacional. Foi ali que o imberbe auctor leu a sua estreia dramatica Os dois campeões, peça tão applaudida no theatro da rua dos Condes, em janeiro de

« VorigeDoorgaan »