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Poderia dizer-se alguma coisa do collegio real dos cathecumenos, fundado em 1579 pelo cardeal infante D. Henrique, por causa de quatorze moiros que vieram de Berberia movidos de Deus (como narra Balthazar Telles'), a pedir o santo bautismo, aos quaes logo acudiram alguns padres buscando-lhes esmolas para os sustentar, e dando-lhes a doctrina necessaria.

Mas para quê? repetir servilmente o que diz tal narrador, não o farei. Basta mencionar que vi na legislação o alvará de 8 de junho de 1604, a carta regia de 28 de fevereiro, e o aviso de 16 de setembro de 1605, a carta regia de 4 de março, e o regimento de 10 de agosto de 1608, que tudo se refere ao real collegio dos cathecumenos, de que trata mui detidamente o sr. conselheiro José Silvestre Ribeiro2; e concluirei dizendo que n'esta mesma casa da rua dos Calafates, onde durante seculos se deu o baptismo d'alma aos infieis, existe desde 1834, por iniciativa de uma grande princeza, o primeiro dos asylos de infancia, onde se ministra com proverbial carinho o baptismo da instrucção á pobreza desvalida.

livro muito deve: o sr. Antonio da Silva Tullio, socio de merito da academia, e o sr. Carlos Cyrillo da Silva Vieira. 1 Chr. da Comp., part. 11, pag. 182 e seg.

2 Historia dos estabelecimentos.

Proximo d'este asylo, e na mesma rua, existe o palacete que faz esquina para a travessa do Poço, e onde são hoje os escriptorios e officinas do Diario de Noticias, o jornal mais activo e influente da imprensa portugueza, e aquelle, talvez, a quem a beneficencia publica mais deve. É singular a attracção que tem para taes paredes a arte de Gutenberg! No seculo passado ali manteve o seu estabelecimento o nosso Francisco Luiz Ameno, que era um erudito, uma especie de Didot e de Elzevier em formato pequeno, traductor de muita peça estrangeira, e enthusiasta da sua nobre arte. De 1820 a 1835 ali funccionou a imprensa do conhecido João Baptista Morando1; depois a imprensa de Aguiar Vianna; em 1853 a do emprehendedor e intelligente Eduardo de Faria associado com Jorge Cleiffe; depois a do sr. Albano Anthero da Silveira Pinto, associado (se me não engano) com o illustre Rebello da Silva; finalmente, passado tempo, a do sr. commendador Thomaz Quintino Antunes, proprietario do Diario de Noticias juntamente com o meu amigo o sr. Eduardo Coelho, redactor principal.

Da alameda de S. Pedro de Alcantara nada direi, depois da descripção que d'ella fez o meu mestre Vilhena Barbosa 2. Se o leitor o consultar verá

1 Indicações ministradas pelo sr. Quintino Antunes, a quem muito agradeço.

2 Estudos hist. e archeol.

confirmado o rifão que principia: Em casa cheia. ... Lembro apenas que o grande tanque da alameda superior pertenceu ao antigo paço da Bemposta.

Dos palacios fronteiros á alameda do terrapleno superior, quasi todos modernos, e quasi todos bonitos e graciosos, ha um que é indispensavel citar: é o que faz esquina para as travessas da Boa-hora e da Cara. Edificou-o o celebre Ludovice, architecto de Mafra, e a data de 1747 esculpida na frontaria remonta-lhe a origem a muito antes do terre

moto.

Pouco adiante encontra-se o recolhimento, que foi outr'ora o mosteiro de S. Pedro de Alcantara, fundado pelo marquez de Marialva, D. Antonio Luiz de Menezes, primeiramente n'uma casa abaixo da ermida da Senhora do Alecrim, com serventia para a rua das Flores, em 27 de março de 1670, e transferido, passados poucos annos, para o sitio actual, por ser mais desafogado e mais ermo.

Eram ahi umas casas do conde de Avintes, e outras de Marcos Rodrigues Tinoco. Tudo se demoliu para dar praça á nova casa monachal, e em 19 de abril de 1685 se abriu ao povo a egreja nova '.

Pouco adiante, na rua do Moinho de vento en contra-se a casa dos srs. Salemas, cuja capella deita para a rua da Rosa, e cuja fundação ignoro.

1 Carvalho. Chorog. Tom. II, pag. 475.

Paremos agora aqui, e no capitulo seguinte iremos investigar o que é um enigma de pedra e cal, que defronte da ermida dos Salemas está a negacear ante a imaginação do chronista, um monte de ruinas, d'onde o leitor, se quizer ajudar-se da lanterna da sua imaginação, poderá ver sair um mundo!...

CAPITULO XXII

Travessa e pateo do conde de Soure.-O palacio dos condes de Soure. Quem eram esses fidalgos.-A rainha D. Catherina de Inglaterra vem habitar o Bairro alto de Lisboa.Suas varias residencias.— Á rainha succede o judeu Antonio José no palacio Soure.-Nicolau Luiz e o theatrinho de bonecos.-Peças representadas. —Ao theatrinho de bonecos succede theatro de gente.-Os empresarios, os pintores scenographos, os actores.- O marquez de Pombal.- Lista de peças do theatro do Bairro alto.-Um serão de recita m opera em tempo d'el-rei D. José.-Onde se prova que tudo acaba n'este mundo.

Quem hoje passa pela insignificantissima travessa do conde de Soure, ao Bairro alto; quem lê na esquina de uma especie de pequeno largo sobre a rua da Rosa o lettreiro Pateo do conde de Soure; quem encara os restos de um palacio que ali campeiam ainda, amostra ridicula de passadas opulencias; não suspeita que está junto de um dos logares mais chcios de memorias da vida publica e artistica de Lisboa, um dos logares por onde mais pululam as anecdotas e noticias de todo o genero, desorientando a quem as deseja dar a conhecer.

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