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PRIMEIRA PARTE

O BAIRRO ALTO

DE

LISBOA

AO LEITOR

Propuz-me contar o que soubesse da fundação e engrandecimento de um dos bairros mais interessantes de Lisboa; e o fructo dos meus estudos litterarios, genealogicos, e artisticos, constitue o presente volume, primeiro de uma serie de descripções archeologicas da nossa capital.

Apparecer com umas pobres paginas de velharias, quando conscienciosamente desenterradas, não me parece inutil, hoje que para as investigações historicas se formou uma larga corrente na opinião, hoje que o vulgarisar os mais altos assumptos, e até minucias apparentemente insignificantes, é tarefa de muitos e bons trabalhadores.

A historia de Lisboa está por escrever. Dava uma bella obra, sem duvida, que ainda falta na nossa bi bliographia. A não serem escriptos dispersos e incompletos, embora eruditos e valiosos, nada temos coordenado e deduzido. Compendiarei por tanto a

IV

descripção summaria de uma parte ao menos do grande todo.

Onde não chegar a prova documental, entrarão as conjecturas; mas a conjectura tem quanta vez em taes materias fóros de certeza!

Quem não tiver gosto por um tal genero de estudos, não abrirá sequer o livrinho; em troca, abril-ohão aquelles a quem apraz divagar nos bairros velhos, esquadrinhal-os com olhos de antiquario e de artista, devanear pela Alfama pittoresca e acastellada das nossas chronicas cavalleirosas e monasticas, e d'entre o presente adivinhar o que lá vae, como Virgilio e Ovidio entreviam ainda as cabanas de Evandro e os juncaes dos paúes, entre as opulencias architectonicas das Esquilias e do Fôro romano.

Escrever um livro d'este genero é abrir de par em par uma janella para a banda do passado. Publical-o, é convidar o leitor a vir encostar-se ao peitoril, e explicar-lhe o panorama. Se pois o leitor d'este prologo me acceita o convite, passemos ao capitulo primeiro.

CAPITULO I

Quadro campestre do Bairro alto. O que eram todos esses terrenos no primeiro quartel do seculo xvi.-Onde e como findava para o lado do poente a muralha de Lisboa.-O postigo de S. Roque.-O postigo da Trindade.—A porta de Santa Catherina.-O postigo do Duque de Bragança.-A praia deserta do Tejo. Os Andrades ou Andradas senhores de uma grande quinta.- Quem eram elles.- João de Altero de Andrada.- Seus filhos.- Nicolau de Altero.-Bartholomeu de Andrada.

Não vão longe os fastos nobiliarios do Bairro alto de S. Roque; a pouco mais alcançam de trezentos

annos.

No primeiro quartel, e na primeira metade, do seculo xvi, toda essa vasta região eram campos, já maninhos, já cultivados1. Aquelle taboleiro montuoso, que lá desde a lomba dos Moinhos de vento se tombava para sobre as ribeiras desertas do Tejo, sombreavam-no oliveiras, bastas para o lado onde hoje é S. Roque; matizavam-no matagaes e pastíos silvestres, e repartiam-no casaes e herdades ermas,

1 1 Miguel Leitão de Andrada, Miscellanea. Dialogo 10.o

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