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CCLII.

Se lagrimas choradas de verdade

O marmore abrandar podem mais duro,

Porque as minhas que nascem de amor puro
Hum coração não rendem a piedade?

Por vós perdi, Senhora, a liberdade,
E nem da propria vida estou seguro.
Rompei desse rigor o forte muro,
Não passe tanto avante a crueldade.

Ao prezar de desprezos dae ja fim:
Não vos chamem cruel; nome devido
A quem se ri de quem suspira e ama.
Abrandai esse peito endurecido,

Por o que toca a vós, ja não por mim,
Que eu aventuro a vida, e vós a fama.

CCLIII.

Ja me fundei em vãos contentamentos,
Quando delles vivi todo enganado
De hum phantastico bem, e de hum cuidado,
De que só cuidão cegos pensamentos.
Passava dias, horas e momentos,
Deste enleio de amores tão pagado,
Que tinha só por bem-aventurado
Quem só por elles mais bebia os ventos.
Mas agora que ja cahi na conta,
Desengana-me quanto me enganava;
Que tudo o tempo dá, tudo descobre.

O Amor mais caudaloso menos monta.
Qu'he de gostos mais rico, eu ignorava,
Aquelle que de amores he mais pobre.

CCLIV.

Em huma lapa toda tenebrosa,
Adonde bate o mar com furia brava,
Sobre hua mão o rosto, vi qu'estava
Huma Nympha gentil, mas cuidadosa.
Igualmente que linda, lastimosa,
Aljofar dos seus olhos distillava:
O mar os seus furores applacava
Com ver cousa tão triste e tão formosa.
Alguma vez na horrivel penedia

Os bellos olhos punha com brandura,
Bastante a desfazer sua dureza.
Com angelica voz assi dizia:
Ah! que falte mais vezes a ventura
Onde sobeja mais a natureza!

CCLV.

Se em mim, ó alma, vive mais lembrança
Que aquella só da gloria de querer-vos,
Eu perca todo o bem que lógro em ver-vos,
E de ver-vos tambem toda a esperança.
Veja-se em mi tão rustica esquivança,
Que possa indigno ser de conhecer-vos;
E, quando em mor empenho de aprazer-vos,
Vos offenda, se em mi houver mudança.

Confirmado estou ja nesta certeza:
Examine-me vossa crueldade,
Exprimente-se em mi vossa dureza.

Conhecei ja de mi tanta verdade; Pois em penhor e fé desta pureza Tributo vos fiz ser o que he vontade.

CCLVI.

Ilustre Gracia, nombre de una moza,
Primera malhechora en este caso
Á Mondoñedo, á Palma, al cojo Traso,
Sugeto digno de immortal coroza;

Si en medio de la Iglesia no reboza
El manto á vuestro rostro tan devaso,
Por vos dirán las gentes recio y paso:
Veis quien con el demonio se retoza.

Puede mover los montes sin trabajo; Con palabras el curso al agua enfrena; Por las ondas hará camino enjuto. Averguenza su patria y rico Tajo, Que por ella hombres lleva, mas que arena, De que paga al infierno gran tributo.

CCLVII.

Qual tee a borboleta por costume,
Qu'enlevada na luz da acesa vella,
Dando vai voltas mil, até que nella
Se queima agora, agora se consume:
Tal eu correndo vou ao vivo lume
D'esses olhos gentis, Aonia bella;
E abrazo-me, por mais que com cautella
Livrar-me a parte racional presume.

Conheço o muito a que se atreve a vista,

O quanto se levanta o pensamento,

O como vou morrendo claramente;

Porém não quer Amor que lhe resista,

Nem a minh'alma o quer; qu'em tal tormento, Qual em gloria maior está contente.

Camões II.

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CCLVIII.

Lembranças de meu bem, doces lembranças
Que tão vivas estais nesta alma minha,
Não queirais mais de mi, se os bens que tinha
Em poder vêdes todos de mudanças.

Ai cego Amor! ai mortas esperanças
De qu'eu em outro tempo me matinha!
Agora deixareis quem vos sostinha;
Acabarão co'a vida as confianças.

Co'a vida acabarão, pois a ventura Me roubou n'hum momento aquella gloria, Que, quando tão grande he, tão pouco dura. Oh se apoz o prazer fôra a memoria! Ao menos estivera a alma segura De ganhar-se com ella mais victoria.

CCLIX.

Formosos olhos, que cuidado dais
Á mesma luz do sol mais clara e pura;
Que sua esclarecida formosura,

Com tanta gloria vossa, atraz deixais;

Se por serdes tão bellos desprezais A fineza de amor que vos procura, Pois tanto vêdes, vêde que não dura O vosso resplandor quanto cuidais.

Colhei, colhei do tempo fugitivo

E de vossa belleza o doce fruto;
Qu'em vão fóra de tempo he desejado.

E a mi, que por vós morro, e por vós vivo,

Fazei pagar a Amor o seu tributo,

Contente de por vós lho haver pagado.

CCLX.

Pues siempre sin cesar, mais ojos tristes,
En lágrimas tratais la noche el dia,
Mirad si es lágrima esta que os envia
Aquel sol por quien vos tantas vertistes...
Si vos me asegurais, pues ya la vistes,
Que es lágrima, será ventura mia;
Por empleadas bien desde hoy tendria
Las muchas que por ella sola distes.

Mas cualquier cosa mucho deseada,
Aunque viendo se esté, nunca es creida;
Y menos esta, nunca imaginada.

Pero della aseguro, si es fingida, Que basta ser por lágrima enviada, Para que sea por lágrima tenida.

CCLXI.

Tee feito os olhos neste apartamento
Hum mar de saudosa tempestade,
Que póde dar saudade á saudade,
Sentimentos ao proprio sentimento.

Em dor vai convertido o soffrimento,
Em pena convertida a piedade;
A razão tão vencida da vontade,
Qu'escravo faz do mal o entendimento.

A lingua nãoalcança o qu'a alma sente.
E assi, se alguem quizer em algum' hora
Saber que cousa he dor não comprehendida,

Parta-se do seu bem, porque exprimente Qu'antes de se partir, melhor the fôra Partir-se do viver para ter vida.

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