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CCLXII.

A peregrinação d'hum pensamento,
Que dos males fez hábito e costume,
Tanto da triste vida me consume,

Quanto cresce na causa do tormento.

Leva a dor de vencida ao soffrimento; Mas a alma está, de entregue, tão sem lume, Qu'enlevada no bem que haver presume, Não faz caso do mal qu'está de assento. De longe receei (se me valêra)

O perigo que tanto á porta vejo,

Quando não acho em mi cousa segura.

Mas ja conheço, (oh nunca o conhecêra!) Qu'entendimentos presos do desejo

Não tee remedio mais que o da ventura.

CCLXIII.

Acho-me da fortuna salteado;
O tempo vai fugindo presuroso,
Deixando-me da vida duvidoso,

E cada instante mais desesperado.

Trocou-se o meu descuido em tal cuidado, Que donde a gloria he mais, he mais penoso. Nem vivo de perder-me receoso,

Nem de poder ganhar-me confiado.

Qualquer ave nos montes mais agrestes,

Qualquer fera na cova repousando,
Tee horas de alegria: eu todas tristes.

Vós, saudosos olhos, que o quizestes,

(Pois com tormento Amor me está pagando) Chorai, como que vêdes, o que vistes.

CCLXIV.

Se no que tenho dito vos offendo,
Não he a intenção minha de offender-vos;
Qu'inda que não pretenda merecer-vos,
Não vos desmerecer sempre pretendo.

Mas he meu fado tal, segundo entendo,
Que, por quanto ganhava em entender-vos,
Não me deixa atégora conhecer-vos,
Por a mi proprio m'ir desconhecendo.
Os dias ajudados da ventura
A cada qual de si dão desenganos,
E a outros soe da-lo a desventura.

Qual destas sirva a mi, dirão os danos Ou gostos que eu tiver, em quanto dura Esta vida, tão larga em poucos anos.

CCLXV.

Doce contentamento ja passado,
Em que todo o meu bem só consistia,
Quem vos levou de minha companhia,
E me deixou de vós tão apartade?

Quem cuidou que se visse neste estado
Naquellas breves horas d'alegria,
Quando minha ventura consentia
Que d'enganos vivesse meu cuidado?
Fortuna minha foi cruel e dura
Aquella que cansou meu perdimento,
Com a qual ninguem póde ter cautella.
Nem se engane nenhuma creatura;
Que não póde nenhum impedimento
Fugir o que l'ordena sua estrella.

CCLXVI.

Sempre, cruel Senhora, receei,
Medindo vossa grã desconfiança,
Que désse em desamor vossa tardança,
E que me perdesse eu, pois vos amei.
Perca-se, em fim, ja tudo o qu'esperei,
Pois n'outro amor ja tendes esperança.
Tão patente será vossa mudança,

Quanto eu encobri sempre o que vos dei.
Dei-vos a alma, a vida e o sentido;

De tudo o qu'em mi ha vos fiz senhora.
Prometteis, e negais o mesmo Amor.
Agora tal estou, que de perdido,
Não sei por onde vou, mas algum' hora
Vos dara tal lembrança grande dor.

CCLXVII.

Se a fortuna inquieta e mal olhada, Que a justa lei do Ceo comsigo infama, A vida quieta, qu'ella mais dasama, Me concedera honesta e repousada ;

Pudéra ser que a Musa, alevantada.
Com luz de mais ardente e viva flama,
Fizera ao Tejo lá na patria cama
Adormecer co'o som da lyra amada.

Porém, pois o destino trabalhoso,
Que m'escurece a Musa fraca e lassa,
Louvor de tanto preço não sustenta;

A vossa, de louvar-me pouco escassa, Outro sogeito busque valeroso,

Tal qual em vós ao mundo se apresenta.

CCLXVIII.

Este amor, que vos tenho limpo e puro,
De pensamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade começado,
Tê-lo dentro nesta alma só procuro.

D'haver nelle mudança estou séguro,
Sem temer nenhum caso, ou duro fado,
Nem o supremo bem, ou baixo estado,
Nem o tempo presente, nem futuro.

A bonina e a flor asinha passa;
Tudo por terra o inverno e estio deita;
Só para meu amor he sempre Maio,

Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
E qu'essa ingratidão tudo me engeita,
Traz este meu amor sempre em desmaio.

CCLXIX.

A formosura desta fresca serra,
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,..
Donde toda a tristeza se desterra;

O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra:
Em fim, tudo o que a rara natureza
Com tanta variedade nos offrece,:
M'está (se não te vejo) magoando.

Sem ti tudo me enoja, e me aborrece;
Sem ti perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias môr tristeza.

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CCLXX.

Sustenta meu viver huma esperança
Derivada de hum bem tão desejado,
Que quando nella estou mais confiado,
Mor dúvida me põe qualquer mudança.

E quando inda este bem na mór pujança
De seus gostos me tee mais enlevado,
Me atormenta então ver eu qu'alcançado
Será por quem de vós não tẽe lembrança.
Assi que, nestas redes enlaçado,
A penas dou a vida, sustentando
Huma nova materia a meu cuidado.
Suspiros d'alma tristes arrancando,
Dos silvos d'huma pedra acompanhado,
Estou materias tristes lamentando.

CCLXXI.

Ja não sinto, Senhora, os desenganos, Com que minha affeição sempre tratastes, Nem ver o galardão, que me negastes, Merecido por fé ha tantos anos.

A mágoa chóro só, só chóro os danos De ver por quem, Senhora, me trocastes; Mas em tal caso vós só me vingastes De vossa ingratidão, vossos enganos. Dobrada gloria dá qualquer vingança, Que o offendido toma do culpado, Quando se satisfaz com causa justa;

Mas eu de vossos males e esquivança, De que agora me vejo bem vingado, Não a quizera tanto á vossa custa.

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