Com que o aureo licor fazem, que deo Á humana gente a indústria d'Aristeo. Aqui as uvas luzidas, penduradas Das pampinosas vides, resplandecem; As frondiferas árvores se offrecem Com differentes fructos carregadas: Os peixes n'ágoa clara andão saltando, Levantando
As pedrinhas,
E as conchinhas Rubicundas,
Que as jucundas
Ondas comsigo trazem, crepitando Por a praia alva com ruido brando. Aqui por entre as serras se levantão Animaes Calidoneos, e os veados
Na fugida inda mal assegurados,
Porque do som dos proprios pés s'espantão. Sahe o coelho, e lebre sahe manhosa Da frondosa
Breve mata, Donde a cata
Cão ligeiro.
Mas primeiro
Qu'ella ao contrário férvido s'entregue, Ás vezes deixa em branco a quem a segue. Luzem as brancas e purpúreas flores, Com que o brando Favonio a terra esmalta; O formoso jacintho alli não falta, Lembrado dos antiguos seus amores. Inda na flor se mostrão esculpidos
Sempre mora;
E com rosas
Mais formosas,
Com lirios e boninas mil fragrantes, Alegra os seus amores circumstantes. Aqui Narciso em líquido crystal Se namora de sua formosura:
Nelle as pendentes ramas da'spessura Debuxando-se estão ao natural. Adonis, com que a linda Cytherea Se recrêa, Bem florido, Convertido
Por imagem deixou de qual sería Aquelle por quem ella se perdia.
Lugar alegre, fresco, accommodado Para se deleitar qualquer amante, A quem com sua ponta penetrante O cego Amor tivesse derribado; E para memorar ao som das ágoas Suas mágoas Amorosas, As cheirosas
Flores vendo,
Escolhendo,
Para fazer preciosas mil capellas,
E dar por grão penhor a Nymphas bellas.
Eu dellas, por penhor de meus amores, Huma capella á minha deosa dava: Que lhe queria bem, bem lhe mostrava O bem-mequeres entre tantas flores: Porém, como se fôra mal-mequeres, Os poderes
Da crueldade
Na beldade
Bem mostrou;
Desprezou
A dadiva de flores; não por minha, Mas porque muitas mais ella em si tinha.
A vida ja passei assaz contente, Livre tinha a vontade e o pensamento, Sem receios d'Amor, nem da Ventura: Mas isto foi hum bem d'hum só momento; E á minha custa vejo claramente,
Que a vida não dá algum de muita dura. No tempo em qu'eu vivia mais segura D'Amor e seu cuidado,
Por me ver n'hum estado
Em qu'eu cuidei que Amor não tinha parte;
Não sinto por qual arte
Me vejo entregue a elle de tal sorte,
Qu'em quanto tarda a morte,
A esperança do bem tenho perdida. Ai quão devagar passa a triste vida! Quantas vezes eu triste aqui ouvia O meu Felicio, e outros mil pastores, Queixar-se em vão de minha crueldade! E mais surda então eu a seus clamores, Que aspide surda, ou surda penedia, Julgava os seus amores por vaidade. Agora em pago disto a liberdade, A vontade e o desejo
De todo entregue vejo
A quem, inda que brade, não responde; Pois vejo que s'esconde
Ja debaixo da terra este qu'eu chamo, Que he aquelle a quem amo,
Aquelle a quem agora estou rendida.
Ai quão devagar passa a triste vida!
Que gloria, Amor cruel, com meu tormento, Que louvor a teu nome accrescentaste? Ou que te constrangeo a tal crueza, Que com tal pressa esta alma sujeitaste A hum mal, onde não basta o soffrimento? Mas se, Amor, es cruel de natureza, Bastava usar comigo da aspereza Que usas com outra gente:
Mas tu como somente
De ver-me estar morrendo te contentas,
Quando mais me atormentas,
Então desejas mais d'atormentar-me;
E não queres matar-me
Porque este mal de mi se não despida. Ai quão devagar passa a triste vida!
Onde cousa acharei que alegre veja? A quem chamarei ja que me responda? Quem me dará remedio á dor presente? Não ha bem, que de mi ja não s'esconda; Nem algum verei ja, que a mi o seja, Porqu'está quem o foi da vida ausente. Eu alguma não vi tão descontente, Que Amor tão mal tratasse,
Qu'inda não esperasse
A seus males remedio achar vivendo: Eu só vivo soffrendo
Hum mal tão grave e tão desesperado, Que tanto he mais pezado,
Quanto a vida com elle he mais comprida. Ai quão devagar passa a triste vida! Suaves ágoas, dura penedia,
Arvoredo sombrio, verde prado, Donde eu ja tive livre o pensamento; Frescas flores; e vós, meu manso gado, Que ja m'acompanhastes na alegria, Não me deixeis agora no tormento. Se do mal meu vos toca sentimento, Dae-me par'elle ajuda,
Qu'eu tenho a lingua muda,
O alento me vai ja desamparando.
Mas quando (ai triste!) quando
D'hum dia hum' hora me virá contente,
Qu'eu te veja presente,
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