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Com que o aureo licor fazem, que deo
Á humana gente a indústria d'Aristeo.
Aqui as uvas luzidas, penduradas
Das pampinosas vides, resplandecem;
As frondiferas árvores se offrecem
Com differentes fructos carregadas:
Os peixes n'ágoa clara andão saltando,
Levantando

As pedrinhas,

E as conchinhas
Rubicundas,

Que as jucundas

Ondas comsigo trazem, crepitando
Por a praia alva com ruido brando.
Aqui por entre as serras se levantão
Animaes Calidoneos, e os veados

Na fugida inda mal assegurados,

Porque do som dos proprios pés s'espantão.
Sahe o coelho, e lebre sahe manhosa
Da frondosa

Breve mata,
Donde a cata

Cão ligeiro.

Mas primeiro

Qu'ella ao contrário férvido s'entregue,
Ás vezes deixa em branco a quem a segue.
Luzem as brancas e purpúreas flores,
Com que o brando Favonio a terra esmalta;
O formoso jacintho alli não falta,
Lembrado dos antiguos seus amores.
Inda na flor se mostrão esculpidos

Os gemidos:

Aqui Flora

Sempre mora;

E com rosas

Mais formosas,

Com lirios e boninas mil fragrantes,
Alegra os seus amores circumstantes.
Aqui Narciso em líquido crystal
Se namora de sua formosura:

Nelle as pendentes ramas da'spessura
Debuxando-se estão ao natural.
Adonis, com que a linda Cytherea
Se recrêa,
Bem florido,
Convertido

Na bonina,
Qu' Erycina

Por imagem deixou de qual sería
Aquelle por quem ella se perdia.

Lugar alegre, fresco, accommodado
Para se deleitar qualquer amante,
A quem com sua ponta penetrante
O cego Amor tivesse derribado;
E para memorar ao som das ágoas
Suas mágoas
Amorosas,
As cheirosas

Flores vendo,

Escolhendo,

Para fazer preciosas mil capellas,

E dar por grão penhor a Nymphas bellas.

Eu dellas, por penhor de meus amores,
Huma capella á minha deosa dava:
Que lhe queria bem, bem lhe mostrava
O bem-mequeres entre tantas flores:
Porém, como se fôra mal-mequeres,
Os poderes

Da crueldade

Na beldade

Bem mostrou;

Desprezou

A dadiva de flores; não por minha,
Mas porque muitas mais ella em si tinha.

CANÇÃO XVII.

A vida ja passei assaz contente,
Livre tinha a vontade e o pensamento,
Sem receios d'Amor, nem da Ventura:
Mas isto foi hum bem d'hum só momento;
E á minha custa vejo claramente,

Que a vida não dá algum de muita dura.
No tempo em qu'eu vivia mais segura
D'Amor e seu cuidado,

Por me ver n'hum estado

Em qu'eu cuidei que Amor não tinha parte;

Não sinto por qual arte

Me vejo entregue a elle de tal sorte,

Qu'em quanto tarda a morte,

A esperança do bem tenho perdida.
Ai quão devagar passa a triste vida!
Quantas vezes eu triste aqui ouvia
O meu Felicio, e outros mil pastores,
Queixar-se em vão de minha crueldade!
E mais surda então eu a seus clamores,
Que aspide surda, ou surda penedia,
Julgava os seus amores por vaidade.
Agora em pago disto a liberdade,
A vontade e o desejo

De todo entregue vejo

A quem, inda que brade, não responde;
Pois vejo que s'esconde

Ja debaixo da terra este qu'eu chamo,
Que he aquelle a quem amo,

Aquelle a quem agora estou rendida.

Ai quão devagar passa a triste vida!

Que gloria, Amor cruel, com meu tormento, Que louvor a teu nome accrescentaste? Ou que te constrangeo a tal crueza, Que com tal pressa esta alma sujeitaste A hum mal, onde não basta o soffrimento? Mas se, Amor, es cruel de natureza, Bastava usar comigo da aspereza Que usas com outra gente:

Mas tu como somente

De ver-me estar morrendo te contentas,

Quando mais me atormentas,

Então desejas mais d'atormentar-me;

E não queres matar-me

Porque este mal de mi se não despida.
Ai quão devagar passa a triste vida!

Onde cousa acharei que alegre veja?
A quem chamarei ja que me responda?
Quem me dará remedio á dor presente?
Não ha bem, que de mi ja não s'esconda;
Nem algum verei ja, que a mi o seja,
Porqu'está quem o foi da vida ausente.
Eu alguma não vi tão descontente,
Que Amor tão mal tratasse,

Qu'inda não esperasse

A seus males remedio achar vivendo:
Eu só vivo soffrendo

Hum mal tão grave e tão desesperado,
Que tanto he mais pezado,

Quanto a vida com elle he mais comprida.
Ai quão devagar passa a triste vida!
Suaves ágoas, dura penedia,

Arvoredo sombrio, verde prado,
Donde eu ja tive livre o pensamento;
Frescas flores; e vós, meu manso gado,
Que ja m'acompanhastes na alegria,
Não me deixeis agora no tormento.
Se do mal meu vos toca sentimento,
Dae-me par'elle ajuda,

Qu'eu tenho a lingua muda,

O alento me vai ja desamparando.

Mas quando (ai triste!) quando

D'hum dia hum' hora me virá contente,

Qu'eu te veja presente,

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