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O DE XII.

Ja a calma nos deixou

Sem flores as ribeiras deleitosas;

Ja de todo seccou

Candidos lirios, rubicundas rosas: Fogem do grave ardor os passarinhos Para o sombrio amparo de seus ninhos. Meneia os altos freixos

A branda viração de quando em quando; E d'entre vários seixos

O líquido crystal sahe murmurando:

As gottas, que das alvas pedras sáltão, O prado, como pérolas, esmaltão.

Da caça ja cansada

Busca a casta Titanica a espessura,
Onde á sombra inclinada

Logre o doce repouso da verdura,
E sôbre o seu cabello ondado e louro
Deixe cahir o bosque o seu thesouro.
O ceo desimpedido

Mostrava o lume eterno das estrellas;
E de flores vestido

O campo, brancas, roxas e amarellas,
Alegre o bosque tinha, alegre o monte,
O prado, o arvoredo, o rio, a fonte.
Porém como o menino,

Que a Jupiter por a aguia foi levado,
No cêrco crystallino

For do amante de Clicie visitado;
O bosque chorará, chorará a fonte,
O rio, o arvoredo, o prado, o monte.
O mar, que agora brando

He das Nereidas candidas cortado,
Logo se irá mostrando

Todo em crespas escumas empolado:
O soberbo furor de negro vento
Fara por toda parte movimento.
Lei he da natureza

Mudar-se desta sorte o tempo leve:
Succeder á belleza

Da Primavera o fructo; a elle a neve;
E tornar outra vez por certo fio
Outono, Inverno, Primavera, Estio.
Tudo, emfim, faz mudança

Quanto o claro sol vê, quanto allumia;
Não se acha segurança

Em tudo quanto alegra o bello dia:
Mudão-se as condições, muda-se a idade,
A bonança, os estados e a vontade.
Somente a minha imiga

A dura condição nunca mudou;

Para que o mundo diga

Que nella lei tão certa se quebrou:

Em não ver-me ella só sempre está firme, Ou por fugir d'Amor, ou por fugir-me. Mas ja soffrivel fôra

Qu'em matar-me ella só mostre firmeza,

Se não achára agora

Tambem em mi mudada a natureza;

Pois sempre o coração tenho turbado,
Sempre d'escuras nuvens rodeado.
Sempre exprimento os fios

Qu' em contino receio Amor me manda;
Sempre os dous caudaes rios,

Qu'em meus olhos abrio quem nos seus anda,
Correm, sem chegar nunca o Verão brando,
Que tamanha aspereza vá mudando.

O sol sereno e puro,

Que no formoso rosto resplandece,
Envolto em manto escuro

Do triste esquecimento, não parece;
Deixando em triste noite triste vida
Que nunca de luz nova he soccorrida.
Porém seja o que for:

Mude-se por meu damno a natureza;
Perca a inconstancia Amor;

A Fortuna inconstante ache firmeza;
Tudo mudavel seja contra mi,

Mas eu firme estarei no qu'emprendi.

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NOT AS.

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Camões II.

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