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E prosegue dando outras noticias dos azulejos.

Fr. Fernando da Soledade continuou a Historia Seraphica que tinha começado Fr. Manoel da Esperança. Escreveu do Convento de Santa Anna por ser da sua ordem. A sua veracidade, é fóra de duvida em quanto elle pôde examinar: e quanto elle diz da sepultura de Camões é tanto mais digno de credito que se conhece evidentemente que elle viu e examinou com os seus proprios olhos, como se prova pela emenda do epitaphio e pelas palavras com que conhece a sua noticia: «De outro poeta illustre, chumado Diogo Bernardes, temos noticia que fôra sepultado n'este templo, porem n'elle não vemos pedra ou epitaphio, que assignate o logar do seu deposito.»

Ora é este mesmo historiador que fallando da Igreja do Convento de Santa Anna, diz: «Na parede que fica da parte esquerda, ao entrar pela porta principal d'esta Igreja, junto da sua sepultura, se vê outra memoria de Luiz de Camões, que mandou fazer em azulejo Miguel Leitão de Andrade. » E na segunda edição de 173 accrescenta: «Hoje existem estas memorias dentro da clausura em o côro inferior d'este mosteiro, o qual ha poucos annos se fez, tapando-se para esse fim a porta principal e da banda da Igreja, a porta d'elle que ficava debaixo do côro superior.»

E' pois evidente pelos escriptores que se conhece terem visitado a Igreja de Santa Anna, annos e muitos annos depois de D. Gonçalo Coutinho, que elles viam a sepultura de Camões com todas as suas memorias á entrada da Igreja entrando pela porta principal á mão esquerda. Mas ainda a estes accrescentaremos outra authoridade respeitavel do meio do seculo 18.0 (1752), author que estava tão certo de que a sepultura de Camões era no logar que dizemos, que não querendo duvidar da asserção de Faria e Sousa, diz que D. Gonçalo Coutinho trasladou as cinzas de Camões para o lado esquerdo da porta principal da Igreja. As palavras de Diogo Barboza Machado, o famoso author de quem fallamos, são estas:

«Foi sepultado na Igreja (que juntamente era Parochia) do Convento de Santa Anna, de Religiosas Franciscanas d'esta côrte, em logar humilde, d'onde o transferiu no anno de 1595, dezeseis depois de sua morte, D. Gonçalo Coutinho, igualmente illustre pelo esplendor do sangue, que pelo zêlo da patria, para parte mais decorosa qual foi o lado esquerdo da porta principal da dita Igreja.»

A estas authoridades devemos accrescentar o testamento (digo) o testemunho uniforme das religiosas, de terem sempre

ouvido dizer que a sepultura de Camões era no fim da escada que do pavimento superior desce para o côro de baixo: o que inteiramente se conforma com a authoridade dos escriptores.

Determinado já no nosso entender sem duvida, o logar em que estava a sepultura de Camões, conviria examinar que authoridade teriam as cinzas que D. Gonçalo Coutinho honrou como taes, pois que, como é bem sabido, Manoel de Faria e Souza diz, que quando D. Gonçalo Coutinho as procurou fue bien dificil el hallarle: e o mesmo havia já dito Pedro de Mariz.

Em primeiro logar diremos que o intento da commissão não podia ser outro senão procurar os ossos que D. Gonçalo Coutinho se persuadiu que eram os de Camões-mas cumprenos mostrar que sempre taes ossos foram considerados como os verdadeiros de Camões. Nem os dois contemporaneos Martim Gonçalves da Camara, nem Miguel Leitão de Andrade, lhe teriam posto o primeiro o elogio latino, e o segundo os azulejos com os emblemas e inscripção, se se não persuadissem que ali estavam realmente os restos de Camões. Mas esta crença foi constante nos tempos seguintes.

Na Academia dos Singulares em 23 de Dezembro de 1663 disse o Dr. João d'Almeida Soares: «Por essas reliquias, cinzas, ou ossos que temos em Santa Anna, davam os venezianos ao Senado de Lisboa vinte e quatro mil cruzados para ajuntarem ao seu este maior thesouro. >>

E logo em 6 de Janeiro seguinte de 1664, disse na mesma Academia Luiz da Costa Corrêa: «O insigne poeta Luiz de Camões, foi tão eficaz na espada como affamado na penna. Assim o testefica o epithaphio, que no Convento de Santa Anna da Cidade de Lisboa está no funebre docel, que cobre aquellas cinzas:

O grão Camões aqui jaz, etc. »

E' o mesmo epitaphio que já vimos lhe pôz Miguel Leitão de Andrade.

Em 1668 o editor da terceira parte das Rimas, o bem conhecido fundador da Academia dos Generosos, D. Antonio Alvares da Cunha, na dedicatoria d'aquella edição mostra a mesma convicção, quando diz: «que apezar do marmore que cobre as cinzas do cadaver do nosso Orfeo em Santa Anna, etc. »>

Escusado é já accrescentar a crença de Fr. Fernando da Soledade, de Barboza, e outros.

21-TOMO I

Resta agora examinar se apezar do que temos dito a noticia do logar da sepultura de Camões se perdeu com o terramoto de 1755, ou quando.

E' tradição do Convento que o côro de baixo se fizera no anno de 1729. E d'esta tradição não póde duvidar-se pois que está em harmonia com o que já vimos que dizia Fr. Fernando da Soledade em 1736, que este côro se fizera havia poucos annos. E o abbade Barboza escrevia em 1752: « Como se convertesse em côro a entrada da Igreja. »

Este côro fez-se pois antes do terramoto de 1755, e dentro d'elle ficou a sepultura de Camões, como dizem não só o chronista franciscano, mas tambem o abbade Barboza: «Como se convertesse em côro a entrada da Igreja do Convento de Santa Anna, merecerão as cinzas d'este Homero Portuguez e Virgilio Lusitano, serem respeitadas em tão illustre clausura.» Ora cahindo pelo terremoto de 1755, uma parte do tecto da Igreja de Santa Anna, a parte que cahiu não foi a do côro, o qual nem em cima, nem em baixo padeceu damno algum. Isto é constante de algumas das memorias do terremoto de 1755, e mais ainda da tradição do Convento. Não foi pois o terremoto d'este anno o que fez perder os signaes da sepultura de Camões. Qual póde pois ser a causa de tal acontecimento?

Não podendo asseverar qual fosse a causa, com certeza igual á do que temos dito, parece-nos que as memorias e tradições do Convento, e o que vimos nas excavações, nol-o explicam sufficientemente bem. Com a factura do côro de baixo tornou-se necessario, ou logo, ou algum tempo depois, assoalhar o chão do mesmo côro. Dos livros das visitas se conhece que anteriormente a parte da Igreja de baixo do côro de cima não era nivelada ou convenientemente applanada, como ainda se viu ao levantar o soalho. E para este assoalhamento se conhece que tiveram de rebaixar alguma cousa a parte esquerda do côro, ao mesmo tempo que para o nivelarem tiveram de levantar algum tanto o lado direito. Ora parece mais que provavel que n'esta occasião se tirasse a campa de Camões. Nem tal falta de respeito a tão illustres cinzas póde admirar, a quem sabe quantas profanações semelhantes se tem praticado ainda em outros logares, e ainda em outras epocas. Mas prosigamos.

Algum tempo antes do terremoto de 1755, quizeram as religiosas ornar o côro de baixo, fazendo-lhe alguns oratorios com imagens e reliquias de santos, e cobrindo o resto das paredes de obras de talha. Este trabalho se estava fazendo no

tempo do terremoto, e estando quasi acabado, de todo se suspendeu, de modo que ainda hoje existem por acabar de dourar parte dos ornamentos de um dos oratorios. E parece ser esta a occasião em que, dando os sentimentos das religiosas mais valor ás obras de devoção que queriam no côro, do que á conservação das memorias de Luiz de Camões, se tiraram da parede os azulejos que junto da sepultura lhe pozera Miguel Leitão de Andrade.

Mas fosse qual fosse o motivo da destruição das memorias sepulchraes de Camões, seriam então tirados os seus ossos para outro logar?

E' isto o que o exame do terreno evidentemente mostra que não.

Todo o chão do côro está assoalhado como uma casa e por isso é claro que ninguem se tornou alli a enterrar; e todo o chão do côro estava alastrado de ossaduras inteiras, que bem mostravam que para o assoalhamento se não tinham d'ali tirado os ossos. A este facto só uma excepção se acha, que foi no canto do côro, onde a commissão de 1836 tinha começado a excavar; pois que os ossos achados n'este logar, não estavam na sua disposição natural. Esta é igualmente a tradição do Convento; e em especial de Camões escrevia o abbade Barboza, pouco antes do terremoto, que as suas cinzas, foram respeitadas em tão illustre clausura.

Convencida pois a commissão de que os ossos de Camões ainda estavam no seu antigo jazigo do côro á mão esquerda de quem entrasse pela antiga porta principal, começou por levantar cuidadosamente da parede a obra de talha e os oratorios que a cobrem, a ver se na parede appareciam os azulejos postos por Miguel Leitão de Andrade ou ao menos signal d'elles; mas infelizmente nem achou azulejos, nem signaes d'elles.

Levantou-se o soalho em busca da loisa, mas nenhuma loisa se achou, mas logo terra por baixo do soalho, ou então em alguns logares mais baixos restos do ladrilho. Começou depois a excavação ainda na esperança de que se poderia achar alguma obra de alvenaria ou cantaria que designasse a sepultura do poeta: mas igualmente nada se achou: mas a uma certa altura ossos em fórma que se lhe não tinha mexido. Alguns d'estes eram pois sem duvida os de Luiz de Camões: mas quaes, se nem era possivel distinguir a sepultura, nem os indicios de quantas memorias a commissão conhece lhe diziam se não á entrada da Igreja, á parte esquerda. Que havia pois a fazer? Ou deixar tudo no antigo repouso, ou juntar os ossos que se acha

vam á entrada da Igreja á mão esquerda. Com o desejo que a commissão tinha de juntar os ossos do illustre poeta, e bem convencida de que todos quantos esforços se fizessem, seriam inuteis para inteiramente os extremar, preferiu este ultimo arbitrio. Confessamos que é isto penoso, que talvez com os ossos de Camões estejam misturados os de pessoa de bem pouco valor, mas assim já elles estavam, e o oiro de seus ossos não deixa de o ser por estar junto com outro metal de pouca estimação.

A commissão fez levantar o soalho em toda a Igreja, porque todo elle cobre grande cópia de loisas com inscripções sepulcraes, e em nenhuma achou o menor signal de ter sido de Camões.

Procurou todas as pedras do Convento onde havia letras, e em nenhuma achou o menor vestigio do que procurava. E isto mesmo a convenceu ainda mais, de que as memorias de Camões tinham sido tiradas em epoca de falta de estima de taes memorias, e que por isso mesmo não houve trasladação dos seus ossos. E para que nada restasse a examinar, excavou-se o patim da escada que desce para o côro de baixo, e nada indicou que ali houvesse sido sepulturas como já era sem duvida attendendo-se a que o vão da escada é tirado á casa exterior da portaria e roda, que nem a authoridade dos escriptores, nem as tradições do Convento, nem a inspecção dos logares levam a crer que ali se fizessem enterramentos.

Em vista do exposto escusa a commissão de concluir dizendo que julga superior a toda a duvida que nos ossos que colligiu, e estão depositados em um caixão no côro das religiosas de Santa Anna, estão os ossos de Luiz de Camões.

Tudo quanto se tem dito que não seja conforme ao que temos narrado, entende a commissão que está sufficientemente refutado com a exposição tão singella como veridica dos testemunhos que colligiu, assim de livros, impressos e documentos, como de tradições, como dos seus proprios exames e buscas, nem julga necessario combater tradições, legendas, ou opiniões contrarias ao complexo das mais respeitaveis authoridades historicas, e ás mais venerandas tradições em harmonia com as mesmas authoridades.

A' patria, ao governo, como representante do estado, cumpre agora dar honrada sepultura aos ossos do mais illustre dos escriptores portuguezes.

Terminando este relatorio só nos resta accrescentar que o ex.mo Rodrigo da Fonseca Magalhães, que não só foi o ministro que nomeou a commissão, mas muitas vezes lhe fez a honra

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