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cultores do sentimento tradicional, até mesmo estranjeiros (1).

Mas nem tudo se sumio no pó dos séculos. Restam do velho Capuchinho as suas poesias, chama imarcessivel, que não se extinguirá nunca, e que, enquanto durar a lingoa em que êle traduzio as emoçõis do seu espírito de eleito, serão amoravelmente lidas e recordadas.

Quem era êste Poeta que conciliou sempre em volta do seu nome a enternecida admiração de raros? Vejamos primeiro os traços principais da sua vida, depois estudaremos o seu valor como escritor e conheceremos o logar que de direito lhe cabe na série dos homens que, pelo talento de escrever, ajudaram a tornar imortal a nossa pátria. Fr. Agostinho da Cruz não merece o quase esquecimento em que jaz aos olhos da nossa geração; como homem é um nobre exemplo de virtudes, como escritor merece um logar de destaque entre os que como seu irmão Bernardes, como Cami

(1) O Principe de Lichnowsky escrevia nas Erinnerungen aus dem Jahre 1842 (Mainz, 1843): « Das Kloster von Arrabida enthält keine Kunstwerke; wenigstens ist jetzt nichts davon zu sehen; seine Poesie ist in seiner Geschichte, in seiner Lage und in der Trauer eines verwaisten Gotteshauses ». Cfr. pg. 266.

E um pouco antes: « Nur der böseste Wille oder krasse Ignoranz konnten derlei Vermuthungen aufstellen, die an Ort und Stelle durch nichts gerechtfertig werCfr. pg. 264.

den ».

nha, Miranda, Ferreira e tantos mais, souberam cimentar a grandeza literária de Portugal.

Tratando dêle concisamente o seu primeiro biógrafo começa: « Jacta-se o lugar da Ponte da Barca no arcebispado de Braga de aver dado ao mundo o P. Fr. Agostinho da Cruz... (1), e o Cronista da Arrábida: « nasceu na villa da Ponte da Barca, limitada povoação de poucos visinhos... (2) e condizendo com ambos de dois José Caetano de Mesquita: « A villa da Ponte da Barca... foi ella onde nasceu o veneravel servo de Deus... » (3).

Como foi perfilhada a opinião por parte dalguns escritores de sêr o logar do seu nascimento Ponte do Lima? (4). Certamente por causa do irmão Diogo Bernardes que sem maior exame, foi reputado oriundo dessa vila. Seria o proprio Diogo Bernardes quem assim

(1) Jeronymo Cardoso, Agiologio Lusitano, 11, 151 (12 de março ) e 146.

(2) Fr. Antonio da Piedade, Chronica da Arrabida, § 1170.

(3) Cfr. a Vida anteposta à ed. feita pelo mesmo Mesquita Esta Vida saíu em ed. separada.

(4) Afirma-o o Sr. Theophilo Braga : « Nasceu Diogo Bernardes em Ponte do Lima, como elle o declara no titulo das Varias Rimas ao Bom Jesus, impressas em sua vida em Lisboa ». Historia dos Quinhentistas, Pg. 244.

terminantemente o afirmara no título das Varias Rimas ao Bom Jesus. Sucede, porém, que uma simples investigação conscienciosa demonstrou que em nenhuma das ediçõis duas fôram elas impressas em vida do Poeta há qualquer referência à naturalidade do seu

autor.

e

É em ediçõis posteriores à sua morte que tal indicação aparece, circunstância que lhe tira todo o valor. Quem primeiro exarou essa afirmação deixou-se levar pelas muitas passagens em que o Poeta canta o seu doce Lima, não atendendo sequer a outros dados autobiográficos, que das suas poesias poderia colher com maior e melhor individuação. Neste caso está aquela passagem da Egloga 2.2, denominada Flora, que começa:

Num solitario valle, fresco e verde
Onde com veia doce e vagarosa

O Vez no Lima entrando o nome perde;

Numa tarde rosada, graciosa

Quando no mar seus raios resfriava

O sol, deixando a terra saudosa

Ouvi huma voz triste que soava
Tam brandamente ali, que parecia
Hum rio que com outro murmurava

Nesta nossa ribeira ambos nascidos (1).

(1) Cfr. O Lyma, ed. 1761, pg. 10.

Se ambos os irmãos nasceram na foz do Vez, o mesmo é dizer, que nasceram em Ponte da Barca (1). De resto um só é o facies da região, é a mesma a sua linha estrutural de beleza campestre, igualmente capaz de inspirar o bucolismo dos dois amoraveis cantores. Pelos mesmos sítios passaram o seu período de meninice e primeiros anos de infância, de lá saíram para onde os acasos da vida os levaram, bem diferentemente a um e a outro, pois a vida de Bernardes desenrolou-se noutro scenário, sendo mais agitada que a do pobre Monge, mas um e outro cantaram nas suas pastorais aquela paisagem doce e serena, que afinal englobaram na mesma designação de « Lima ». Deixemos Bernardes entregue em boas mãos de cuidadosos e beneméritos esmeriladores das suas acçõis e merecimentos (2) e tratemos nós de quem no momento nos inte

ressa.

Nascido em 1540 vamos encontrá-lo aos quinze anos na casa dum dos maiores fidalgos do reino D. Duarte, neto delrei D. Manoel,

(1) « Basta consultar um simples mapa de Portugal para se vêr que é justamente no termo da Ponte da Barca que se dá essa junção ». Sr. Hemeterio Arantes, Fr. Agostinho da Cruz, pg. 22; e Sr. J. Gomes de Abreu, Diogo Bernardes, pg 13.

(2) Sr. Alvaro Pimenta da Gama, Diogo Bernardes, apontamentos genealogicos e biographicos no Instituto, vols. 57 (1910) e 58 (1911).

filho do Infante D. Duarte e de D. Isabel. Um ano mais novo que Agostinho Pimenta, que êsse era o nome de família do futuro eremita da Arrábida, o Infante tinha a sua casa independente desde o falecimento do Infante D. Luís em 1555, à qual andara adicta por determinação de D. João III.

Tornara-se assim naturalmente avisado e cortesão, como quem de moço fôra criado em palácio e amado por suas muitas partes dos principais senhores dêste reino (1). Nesse meio de eleição desabrochou e se foi desenvolvendo o talento do moço poeta.

Entre os fidalgos que concorriam aos Paços de D. Duarte contavam-se, entre os maiores, D. Alvaro, Duque de Aveiro, sobrinho do 1. Duque de Aveiro D. João de Lencastre, e D. Jorge, Duque de Torres Novas, que o Poeta memora nas suas poesias.

É à Duquesa de Aveiro que êle dedica as suas composiçõis místicas, porque as outras, arrependido, confessa êle tê-las queimado.

Os versos que cantei importunado
Da mocidade cega a quem seguia
Queimei (como vergonha me pedia)
Chorando por haver tão mal cantado (2).

(1) J. Cardoso, Agiologio, já cit. (2) Cfr. Son. 1.o desta nossa ed.

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