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Subsídios para o estudo da História da Literatura Portuguêsa

ΧΧΙ

Obras de

Fr. Agostinho da Cruz, e

Conforme a edição impressa de 1771
e os Códices manuscritos das Bibliotecas
de Coimbra, Porto e Evora

Com prefácio e notas de Mendes dos Remedios

LVMEN

COIMBRA

FRANÇA CAMADO — EDITOR

-

1918

2-10-60

with
SA

FR. AGOSTINHO DA CRUZ

I

O HOMEM

precisa

Dentro de bem poucos meses mente no dia 14 de março próximo futuro -completar-se hám tres séculos em que, quase octogenário, mirrado pela doença e pelo rigor da vida monástica, que exercêra durante 59 anos, que tantos fôram aqueles em que se amortalhou no seu hábito querido de Capuchinho, tendo ainda passado 14 dêstes na mais estreita vida eremítica, mas serenamente, no meio do maior fervor cristão, os olhos postos no crucifixo que lhe haviam posto à cabeceira do seu pobre leito de enfermo e a alma elevada aos páramos do infinito, no meio das oraçõis que mais que com os lábios, ia acompanhando com o pensamento - se extinguia o Poeta, que é o autor desta obra, que hoje entra, honrando-a, na série da minha colecção

de Subsídios para o estudo da Historia da Literatura Portuguesa.

Extinguira-se num nimbo mais que de poesia, de santidade. Em volta dos seus restos mortais acercaram-se à compita as multidõis na ânsia de o poderem vêr, como se essa visão fôsse uma benção. E nobres senhores, como gente do povo, todos queriam o talisman duma relíquia dêsse velho, cujos despojos olhavam compungidos, mas que haviam tido a dita de encerrar uma alma, que conservara com Deus.

A morte não o transfigurara. O seu rosto ressequido tinha o mesmo riso fagueiro e acolhedor de quando na Serra encontrava o visitante. E era para lá, para êsse amado retiro, que a sua lira tantas vezes nobremente cantára, era para lá, que se resolveu transportar o cadaver. O Duque de Torres Novas, o Marquês de Porto Seguro, frades, gente do povo, todos formaram o cortejo, e dous dias após o falecimento, a 16 de Março, por entre o cântico solene e majestoso dos ofícios fúnebres, o cadaver de Fr. Agostinho ficava inumado junto à Igreja da Arrábida, fóra das grades, do lado da Sacristia.

Durante anos e anos foi êsse um logar piedoso. Não consta que se lhe lavrasse epitafio, que encimasse o humilde coval, mas bem o conheciam todos, porque a fama das virtudes supria essa vanglória facil e tantas vezes mentirosa.

Mas... rodaram os anos, e desde o dia em que a vicissitude dos tempos atirou para a miséria tantas criaturas, que nenhum outro mal faziam senão o de concentrarem a vida numa santificação contínua — desde êsse dia não mais se soube onde dormia o último sono o

pobre monge. Mostrava-se apenas ao curioso tudo quanto dele restava a caveira (1), essa mesma destinada a desaparecer.

A ignorância e a maldade deram-se as mãos para fazerem sumir-se os vestígios dêsses pregoeiros da penitência e tudo, quase tudo, desde as obras dos homens às da natureza, desde as capelinhas dos monges às estalactites e estalagmites das grutas e lapas, tudo foi sendo destruido e arrazado metodicamente, friamente, estupidamente. Pode o viajante preguntar, ao menos, onde era a céla, pouco menos que sepultura, do veneravel Fr. Agostinho.

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Lá existiu durante mais dum século, convertida em Ermida (2), mas de nada valeu isso para a proteger. Pouco a pouco tudo foi sendo derruido embora com os protestos dos raros

(1) Arrabida, publicação comemorativa... [cit. na nossa Bibliog.], pg. 53,

(2) Desde 1720. A Ermida fôra dedicada a Santo António no tempo da Guardiania do Convento nas mãos de Fr. José da Esperança. Cfr. Chr. da Arrabida, n.o 93, pg. 66.

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