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Torne com ésta empresa ja acabada,
Acabe-se ésta luz alli comigo.
Ésta foi Lusitania derivada

De Luso, ou Lysa, que de Baccho antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E n'ella então os incolas primeiros.

CAMÕES, Lusiadas.

mmmmmmmmmmmmmm

IGNEZ DE CASTRO.

Passada ésta tam próspera victoria,
Tornado Afonso á Lusitana terra,
A se lograr da paz com tanta glória,
Quanta soube ganhar na dura guerra;
O caso triste e digno de memoria,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da misera e mesquinha,
Que despois de ser morta foi rainha.

Tu so, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Déste causa á molesta morte sua,
Como se fôra perfida inimiga.

Se dizem, fero Amor, que a sêde tua
Nem com lagrymas tristes se mitiga,
É
porque queres aspero e tyranno
Tuas aras banhar em sangue humano.

Estavas, linda Ignez, posta em socêgo,
De teus annos colhendo doce fruito,
N'aquelle engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito;

Nos saúdosos campos do Mondego
De teus formosos olhos nunca enxuito,
Aos montes ensinando, e ás hervinhas
O nome que no peito escripto tinhas.

Do teu principe alli te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam
Quando dos teus formosos se apartavam;
De noite em doces sonhos que mentiam,
De dia em pensamentos que voavam;
E quanto emfim cuidava, e quanto via,
Eram tudo memorias de alegria.

De outras bellas senhoras e princezas
Os desejados thalamos engeita;

Que tudo emfim tu, puro amor, desprezas
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo éstas namoradas estranhezas
O velho pae sesudo (que respeita
O murmurar do povo) e a phantasia
Do filho que casar-se não queria:

Tirar Ignez ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso;
Crendo c'o sangue so da morte indina,
Matar do firme amor o fogo acceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que poude sustentar o grande pêso

Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra uma fraca dama delicada ?

Traziam-na os horrificos algozes
Ante o rei, ja movido a piedade,
Mas o povo com falsas e ferozes
Razões, á morte crua o persuade.
Ella com tristes e piedosas vozes
Sahidas so da mágoa e saudade
Do seu principe e filhos, que deixava,
Que mais que a propria morte a magoava :

Para o ceo crystallino alevantando
Com lagrymas os olhos piedosos;

Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos:
E despois nos meninos attentando,
Que tam queridos tinha e tam mimosos,
Cuja orphandade como mãe temia,
Para o avô cruel assi dizia:

Se ja nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento:
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aerias teem o intento;
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tam piedoso sentimento;
Como co'a mãe de Nino ja mostraram,
E e'os irmãos que Roma edificaram :

ό

tu, que tens de humano o gesto e o peito, (Se de humano é matar uma donzella

Fraca e sem fôrça, so por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la,)
A éstas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens á morte escura d'ella:
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

E se vencendo a Maura resistencia,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe tambem dar vida com clemencia
A quem para perdê-la não fez êrro,
Mas se t'o assi merece ésta innocencia,
Põe-me em perpétuo e misero destêrro,
Na Scythia fria, ou la na Libya ardente,
Onde em lagrymas viva eternamente.

Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se n'elles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei :
Alli c'o amor intrinseco, e vontade
N'aquelle por quem mouro, criarci
Éstas reliquias suas que aqui viste,
Que refrigerio sejam da mãe triste.

Queria perdoar-lhe o rei, benino
Movido das palavras que o magoain;

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