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Os montes de mais perto respondiam,
Quasi movidos de alta piedade:

A branca areia as lagrymas banhavam,
Que em multidão com ellas se igualavam.

Nós outros sem a vista alevantarmos

Nem á mãe nem

á

esposa, n'este estado,

Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do proposito firme começado;
Determinei de assi nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado,
Que postoque é de amor usança boa,
A quem se aparta ou fica mais magoa.

Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Tres vezes a cabeça, descontente
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber so d'experiencias feito,
Taes palavras tirou do experto peito:

Oh glória de mandar! Oh van cubica
D'ésta vaidade, a quem chamamos fama!
Oh fraudulento gosto que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!

Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades n'elles exprimentas!

Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adulterios,
Sagaz consumidora conhecida

De fazendas, de reinos e de imperios !
Chamam-te illustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vituperios;
Chamam-te fama e glória soberana,
Nomes com quem se o povo nescio engana !

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A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e ésta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
Debaixo d'algum nome preeminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe faras tam facilmente?
Que famas lhe prometterás, que historias,
Que triumphos, que palmas, que victorias?

Mas ó tu, geração d'aquelle insano,
Cujo peccado e desobediencia,

Não somente do reino soberano

Te poz n'este destêrro e triste ausencia
Mas inda d'outro estado mais que humano,

Da quieta e da simples innocencia,

Idade d'ouro, tanto te privou,

Que na de ferro e d'armas te deitou :

Ja que n'ésta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve phantasia;
Ja que á bruta crueza e feridade
Puzeste nome esforço e valentia;
Ja que prezas em tanta quantidade
O desprêzo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que ja
Temeu tanto perdê-la quem a dá:

Não tens junto comtigo o Ismaelita,
Com quem sempre teras guerras sobejas?
Não segue elle do Arabio a lei maldita,
Se tu pola de Christo so pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não é elle por arinas esforçado,
Se queres por victorias ser louvado?

Deixas criar ás portas o inimigo
Por ires buscar outro de tam longe,
Por quem se despovoe o reino antigo,
Se enfraqueça, e se va deitando a longe!
Buscas o incerto e incognito perigo,
Porque a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da India, Persia, Arabia e da Ethiopia!

Oh maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas vela poz em sêcco lenho!

Digno da eterna pena do profundo,
Se é justa a justa lei que sigo e tenho.
Nunca juizo algum alto e profundo,
Nem cithara sonora ou vivo ingenho
Te dê por isso fama nem memoria;
Mas comtigo se acabe o nome e a glória!

Trouxe o filho de Jápeto do ceo

O fogo que ajuntou ao peito humano;
Fogo, que o mundo em armas accendeo,
Em mortes, em deshonras: grande engano!
Quanto melhor nos fôra, Prometheo,
E quanto para o mundo menos dano,
Que a tua estatua illustre não tivera
Fogo de altos desejos, que a movêra!

Não commettêra o môço miserando
O carro alto do pae, nem o ar vazio
O grande architector, c'o filho dando
Um nome ao mar, e o outro, fama ao rio:
Nenhum commettimento alto e nefando,
Per fogo, ferro, agua, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Misera sorte! estranha condição!

CAMÕES, Lusiadas.

mmmmmmmm

ADAMASTOR.

Porêm ja cinco soes eram passados
Que d'alli nos partiramos, cortando
Os máres nunca d'outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando;
Quando uma noite estando descuidados,
Na cortadora proa vigiando,

Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças apparece.

Tam temerosa vinha, e carregada,
Que poz nos corações um grande medo :
Bramindo o negro mar de longe brada,
Como se désse em vão n'algum rochedo.
Ó Potestade, disse, sublimada!

Que ameaço divino, ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta ?

Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e valida,
De disforme e grandissima estatura,
O rosto carregado, a barba esqualida:

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