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Mas o pertinaz povo, e seu destino

Que d'ésta sorte o quiz, lhe não perdoam. Arrancam das espadas de aço fino,

Os que por bom tal feito alli

pregoam. Contra uma dama, ó peitos carniceiros, Feros vos amostrais, e cavalleiros?

Qual contra a linda môça Polyxena, Consolação extrema da mãe velha, Porque a sombra de Achilles a condena, C'o ferro o duro Pyrrho se apparelha: Mas ella os olhos, com que o ar serena, (Bem como paciente e mansa ovelha) Na misera mãe postos que endoudece, Ao duro sacrificio se offerece:

Taes contra Ignez os brutos matadores
No collo de alabastro, que sustinha
As obras com que amor matou de amores
Aquelle que despois a fez rainha,

As espadas banhando, e as brancas flores
Que ella dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

Bem poderas, ó sol, da vista d'estes,

Teus raios apartar aquelle dia,

Como da seva mesa de Thyestes,

Quando os filhos per mão de Atreu comia!

Vós, ó concavos valles, que podestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro que lhe ouvistes,
Per muito grande espaço repetistes!

Assi como a bonina que cortada
Antes do tempo foi, candida e bella,
Sendo das mãos lascivas maltratada
Da menina que a trouxe na capella,
O cheiro traz perdido e a côr murchada :
Tal está morta a pallida donzella,
Sêccas do rosto as rosas, e perdida
A branca e viva côr co'a doce vida.

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram;
E por memoria eterna, em fonte pura
As lagrymas choradas transformaram :
O nome lhe pozeram, que inda dura
Dos amores de Ignez que alli passaram.
Vêde
que fresca fonte rega as flores,
Que lagrymas são a agua, e o nome amores.
CAMOES, Lusiadas.

immmmmmmu

PARTIDA

DE VASCO DA GAMA

DE LISBOA.

E ja no pôrto da inclyta Ulyssea,
C'um alvoroço nobre e c'um desejo
(Onde o licor mistura e branca area,
C'o salgado Neptuno o doce Tejo :)
As naus prestes estão: e não refrea
Temor nenhum o juvenil despejo,
Porque a gente maritima e a de Marte
Estão para seguir-me a toda parte.

Pelas praias vestidos os soldados
De várias côres veem, e várias artes;
E não menos de esforço apparelhados
Para buscar do mundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos socegados
Ondeam os aerios estandartes:

Ellas promettem vendo os máres largos,
De ser no Olympo estrellas como a de Argos.

Despois de apparelhados d'ésta sorte,
De quanto tal viagem pede e manda,
Apparelhámos a alma para a morte,
Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o summo Podêr que a etherea côrte
Sustenta so co' a vista veneranda,
Implorámos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse.

Partimo-nos assi do sancto templo,
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tein da terra, para exemplo,
D'onde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó rei, que se contemplo
Como fui d'éstas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.

A gente da cidade aquelle dia,
Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente, concorria,
Saúdosos na vista, e descontentes ;
E nós co' a virtuosa companhia
De mil religiosos diligentes,

Em procissão solemne a Deus orando,
Para os bateis viemos caminhando.

Em tam longo caminho e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam;

As mulheres c'um choro piedoso,

Os homens com suspiros que arrancavam ; Mães, esposas, irmans,

, que o temeroso

Amor mais desconfia, accrescentavam

A desesperação e frio medo

De ja nos não tornar a ver tam cedo.

Qual vai dizendo: Ó filho, a quem eu tinha
So para refrigerio e doce amparo
D'ésta cansada ja velhice minha,
Que em chôro acabará penoso e amaro :
Porque me deixas misera e mesquinha?
Porque de mi te vas, ó filho caro,
A fazer o funereo enterramento
Onde sejas de peixes mantimento?

possa;

Qual em cabello : Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quiz amor que viver
Porque is aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha e não é vossa?
Como por um caminho duvidoso
Vos esquece a affeição tam doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento
Quereis que com as velas leve o vento?

N'éstas e outras palavras que diziam
De amor e de piedoša humanidade,
Os velhos e os meninos as seguiam *
Em quem menos esforço põe a idade.

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