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CAPITULO VI

Dos trovadores portuguezes provençaes.-Da lingua romance preparando os idiomas das nações do Meio-dia da Europa. Raynonard e a sua Grammatica.-O marquez de Santillana e a arte de trovar conhecida da Gallíza e de Portugal antes que nas outras partes das Hispanhas.—Dom Diniz, o nosso primeiro trovador provençal.-Os seus Cancioneiros.-Trovas do rei Lavrador.—A mestria maior e a mestria menor.-Selecção da lingua portugueza, reputada o provençal da Peninsula Hispanica. Exemplos: Dom Affonso, o Sabio, e Macias, el enamorado. Os bastardos de Dom Diniz.-Ainda a influencia provençal como moda palaciana. - Poesia artificial.—O duque de Coimbra e o soneto dirigido a João de Mena. - Testemunho de Miguel Leitão Ferreira nas notas dos Poemas Luzitanos.-Verdade que d'aqui resulta em favor da nacionalidade do auctor do Amadiz.-Outros trovadores.-Influencias da renascença. A poesia provençal cedendo á influencia italiana. Exemplos da semelhança da lingua romance attestadas pelas coplas de trovadores de differentes nações.

A lingua rimance, ou dos provençaes, precedeu e preparou a formação dos idiomas particulares de cada nação da Europa meridional. Esta these é largamente desenvolvida e exemplificada por Raynouard, na sua Grammaire romane, ou grammaire de la langue des trou

badours. Trata de provar o erudito philologo que, não obstante conservar cada uma das linguas a sua indole e typos peculiares de nação, adoptou todavia os termos e locuções da lingua rimance, e que, separados aquelles typos fundamentaes, substituira a mesma lingua; e esta lingua, assim generalisada entre as nações meridionaes, é aquella conhecida pelos nomes de lingua provençal, limosina, catală, valenciana, gallega ou portugueza, como já observámos.

Daremos agora um exemplo d'esta paridade, confrontando varias coplas de trovadores de differentes paizes, o que não deixa de ser um estudo proveitoso, e ao mesmo tempo de verdadeira utilidade para aquelles que não possuem os livros, aliás raros ou caros, onde se encontram dispersas estas producções. Tratemos, comtudo, primeiro dos trovadores portuguezes, que é o objecto principal d'este artigo.

O marquez de Santillana, na sua Carta ao condestavel portuguez Dom Pedro, inserta na collecção de poesias castelhanas de D. Thomaz Antonio Sanches, escreve o seguinte: «Depois, diz elle, em seguida a ter tratado dos trovadores catalães e aragonezes, fallaram esta arte (a lingua provençal), que maior se chama, e arte commum, segundo creio, nos reinos de Galliza e Portugal, onde não ha duvida que o exercicio d'estas sciencias mais que em nenhumas outras regiões ou provincias de Hispanha se costumou; e chegou isto a tal ponto que não ha muito tempo quaesquer dizedores e trovadores d'estas partes, ou fossem castelhanos, andaluzes ou da Extremadura, compunham todas suas obras em lingua gallega ou portugueza; e ainda d'esta é que recebemos os nomes da arte, chamando-a mestria maior ou menor etc.>>

Esta parte da carta do marquez de Santillana prova, em primeiro logar, que mui geral fora a arte de trovar em Galiiza e Portugal, como já o fizemos sentir, e muito mais que n'outra qualquer região das Hispanhas; e em segundo logar, que a lingua preferida com pre

dilecção em Portugal e Galliza, para compor estas trovas, era uma lingua propria e particular, que se fallava, ou em que se escrevia a poesia, e, por imitação, adoptada n'este mesmo genero de litteratura pelos casteThanos, andaluzes e extremenhos, o que nos leva a concluir que em Portugal e Galliza se creou e formou um dialecto á parte, mas harmonioso e poetico do que o castelhano, especie de lingua provençal portugueza ou gallega distincta dos varios dialectos communs da Hispanha em geral. E isto evidenceia-se principalmente na primasia que os poetas d'aquellas eras davam de preferencia a trovar n'este dialecto, pela suavidade e harmonia que todos lhe conheciam, o que já observámos n'outra parte d'este Curso. E com isto fica mais demonstrado que a rasão da uniformidade da nossa lingua com a fallada desde tempos remotos na Galliza, não provém só decerto da influencia latina, como alguns philologos pretendem, mas da homogeneidade ou identidade que entre ellas sempre houve. As canções e cantilenas dos antigos trovadores dão d'isso uma clara prova, e da mesma sorte os documentos e escriptos juridicos das primeiras eras da monarchia, que tanto se assemelham ao dialecto actual da Galliza. E tão corrente era este facto que todos os antigos escriptores hispanhoes chamavam lingua galliciana, ou lingua portugueza ao idioma dos dois povos; e até o poeta Macias, el enamorado, é contado por uns entre os poetas gallegos, e por outros entre os portuguezes. Succede o mesmo com D. Affonso o Sabio, que escreveu em portuguez o seu Livro de Cantigas, em quanto que foi em castelhano que compoz o poema das Querellas e o do Thesouro, o que assáz patentea a superioridade de um dialecto sobre o outro, pois que as cantigas, como a sua denominação inculca, eram poemas para serem cantados por musica, e, como taes, requeriam a sonoridade e brandura de pronuncia, dotes que falleciam aos outros dialectos da Hispanha, naturalmente asperos, gutturaes e aspirados. Outros muitos exemplos temos de ser tido em gran

de estimação este dialecto provençal-portuguez, e de muitos principes, os mais illustrados d'então, assim como varios cavalleiros celebres, o haverem cultivado e praticado com esmero. Além de el-rei Dom Diniz, e do conde de Barcellos e do infante Dom Pedro, duque de Coimbra, Manuel de Faria e Souza, nos Commentarios ao Nobiliario, menciona os seguintes trovadores, todos elles decerto nobres d'aquelle tempo; João de Gaya, Fernão Gonçalves Esgaravinha, Estevam Annes Valladares, João Soares de Paiva, João Martins, Vasco Fernandes de Praga, todos anteriores ao conde Dom Pedro, e florescendo, portanto, no seculo XIII, como já indicámos.

A' testa dos nossos trovadores, que poetaram á provençalesca, figura el-rei Dom Diniz, como um d'aquelles que mais cultivaram a poesia occitanica, já então a deixar-se dominar pela eschola hispanhola. Porém, Dom Diniz representa um esforço artificial d'esta preponderancia poetica. Rasões moraes e historicas tinham determinado a decadencia da poesia provençal. As fontes donde a veia provençalesca naturalmente manava, tinham-se seccado, e successos se deram depois que mais obstaram á sua permanencia. O triumpho da cruzada contra os albigenses, em que entravam muitos dos principaes trovadores, a fundação da universidade de Tolosa, que proscreveu o uso da lingua d'Oc, a predilecta da inspiração provençal, a attracção que começava a estabelecer a poesia italiana illuminada pelo prestigio de Dante, foram em conjuncto estas causas e factos positivos que concorreram para o resfriamento do estro occitanico. Ainda se lhe seguiu um periodo de imitação, em que Dom Diniz, a exemplo de outros monarchas d'aquellas eras, cujo intento era realçar o fausto palaciano da sua côrte com estas demonstrações da gentileza nos costumes palacianos, procurou retardar o curso dos acontecimentos. Mas as producções d'este esforço, ou imitação de uma quadra que tendia a desapparecer fatalmente, accusam a ausencia de vida propria, de colorido sentimental, que lhe communicavam seiva pe

culiar. O reinado de Dom Diniz, sob este aspecto, é um periodo de transição. O poetar no genero provençalesco era como uma lisongeria rendida, pelos fidalgos trovadores, ás predilecções do principe portuguez.

Acerca dos Cancioneiros d'este rei poeta já nos occupamos: foram elles de dois generos: um de cantigas, ou trovas para serem cantadas e acompanhadas à theorba; outro de composições devotas, consagradas á Virgem, e que denominara Cancioneiro de Nossa Senhora. O caminho que o primeiro trouxe para nos chegar ás mãos, já tambem nós indicámos; d'este ultimo, porém, não nos resta senão a noticia, e essa mesma provėm-nos unicamente de alguns auctores, que a não documentam. E' quasi vaga a affirmativa. Salvo Duarte Nunes de Leão, que, encarecendo o estro poetico do soberano, diz que elle fôra «quasi o primeiro que na lingua portugueza soubera escrever versos, o que elle e os d'aquelle tempo começaram a fazer á imitação dos Avernos e Provençaes, segundo vira, por um Cancioneiro seu, que em Roma se achou em tempo de el-rei Dom João III, e per outro que está na torre de tombo, DE LOUVORES DA VIRGEM NOSSA SENHORA.» A asseveração é positiva, e custa a crêr que Duarte Nunes de Leão certificasse de um modo formal a existencia d'este Cancioneiro na Torre do Tombo, sem lá existir. Deve-se até presumir que elle o viu e examinou, visto ser até obra attribuida ao soberano de quem escrevia a chronica quando tal assevera.1 Duarte Nunes de Leão foi desembargador, celebrado pela sua gravidade, e homem encarregado no reinado de Dom Sebastião de fazer um resumo da legislação antiga. A importancia d'este trabalho e gravidade do seu caracter dão porventura toda a auctoridade ao seu testemunho. Não ha perplexidade na sua affirmativa; declara formalmente que o Cancioneiro de Louvores da Virgem Nossa Senhora está na Torre do Tombo, onde elle provavelmente o viu nas

1 Chron. dos Reis de Portug. part. I, tom. II, pag. 76.

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