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monstrar, com a historia ao lado, que o dominio dos romanos nas Hispanhas não foi tão geral e permanente, nem tão bem acceite dos vencidos, como alguns escriptores pretendem mostrar, e que a Peninsula, no tempo em que as legiões romanas a invadiram, era habitada por differentes povos de origem diversa, que oppozeram ás suas conquistas tenaz e dura resistencia; que agora lhes cediam e logo depois se rebellavam, volvendo de novo ás armas e nutrindo sempre entranhado odio a seus dominadores, não devendo ser, por conseguinte, em meio d'estes conflictos e oscillações, quando cousa alguma persiste de estavel, que os povos conquistados esquecem a sua lingua para adoptarem a de seus oppressores.

Effectivamente, estes argumentos contam, até certo ponto, com os exemplos geraes da historia, que os abo

nam.

Não poucas vezes os tartaros teem invadido a China e ahi predominado, e nem por isso a lingua chineza foi substituida totalmente pelo dialecto tartaro. Tambem os arabes occuparam por muitos annos grande parte das Hispanhas, e não deixaram de seu idioma senão vestigios. Pois não foi por que a civilisação arabica não deixasse de attingir as maiores alturas da industria, das artes e até da sciencia, porque em nenhuma d'estas elevadas demonstrações ficaram atraz do povo-rei, se não lhe passaram em algumas muito além. E n'esta parte fica desmentida a chamada lei linguistica dos vencedores imporem sempre a sua lingua aos vencidos, quando contam em seu favor as vantagens de uma civilisação aprimorada.

Egual exemplo nos apresenta a Turquia, que impera n'uma grande extensão de provincias aziaticas, e na Grecia, e nem esta deixou o seu idioma, nem aquellas esqueceram os seus antiquissimos dialectos locaes. Sessenta annos durou o jugo castelhano em Portugal, e comtudo a lingua patria permaneceu, e foi sempre a preferida por todos seus habitantes. O mesmo exemplo

se offerece com o francez, em referencia aos patois de muitos dos departamentos de França, e da maior parte da Hispanha pelo que respeita á lingua litteraria e official, ao castelhano. E que esforços não empregou Philippe II para conseguir das provincias vascongadas deixarem o seu enredado dialecto (o eskuare ou basco), sem o poder conseguir! Porção da Italia tambem foi por seculos senhoriada pela Austria e jamais o romano, o toscano, o milanez e o veneziano se deixaram influir d'essa preponderancia.

Da mesma sorte a Gran-Bretanha determina que nos actos publicos e documentos officiaes se use do inglez, e, comtudo, a Irlanda, a Escocia, e o paiz de Galles, ainda não esqueceram os seus antigos dialectos celtas.

De casa temos nós um exemplo que, de certo modo, encerra indubitavel auctoridade: data do tempo de Dom Manuel, e é o facto que se tem dado com os judeus furagidos em Amsterdam, os quaes jamais abandonaram a lingua patria, legando-a como reminiscencia saudosa da terra natal a filhos e netos, que a conservam como penhor sagrado, não obstante os seculos decorridos.

Dirão que os hebreus possuem todos os dotes de caracter de um povo original, e que tambem é uma lei geralmente reconhecida em linguistica, que o idioma do povo vencido se conserva em quanto susbsiste a religião: mas este argumento serve decerto tambem aquelles que combatem o predominio absoluto do latim na Luzitania, pois não consta que seus habitantes abandonassem o seu antigo culto pelo polytheismo.

E muitos outros exemplos se poderiam adduzir egualmente comprovativos de não ser regra infallivel o que os partidarios da lingua latina asseveram, que todo o povo conquistado, sendo inferior em civilisação, acceita os costumes, as leis e o mesmo idioma dos conquistadores. Esta mudança realisa-se mais formalmente no tocante a instituições sociaes e fórma politica: é a ordem social que se transforma porque esta está subjeita

mais directamente á acção politica e ao influxo immediato dos progressos da civilisação.

Já seria temerario affirmar outro tanto dos principios religiosos e de todas as crenças e usos relativos ao fôro intimo ou mais larga esphera moral, que constituem o caracter mais peculiar, a indole de um povo, no que deve ser comprehendida a lingua, porque entre o pensamento e a palavra a ligação é quasi inquebrantavel. O amor ao idioma patrio não é apenas um habito, um apêgo, uma tradicção entre os povos, senão uma feição de familia, um legado moral. E tanto assim é reconhecido que um sabio celebre, n'um livro que trata das linguas ouigour, estabelece, que n'uma lingua de qualquer povo, constituido de aggregações diversas, e n'este caso entra a questão dos varios povos que occupavam as differentes regiões da Iberia, se descrimina com facilidade a população primitiva de cada uma das raças reunidas, avaliando a quantidade de vocabulos e phrases que cada um d'elles haja trazido á massa commum do novo idioma. E isto evidenceia a repugnancia que subsiste em todo o tempo no animo dos povos para esquecer a lingua de seus maiores. Fortalece-se esta repugnancia com os laços moraes, que nem a mão armada das conquistas, nem o influxo lento e persuasivo da civilisação logram inteiramente quebrar, e ainda menos desfazer de todo.

Examinar e comprovar estas asserções obrigaria a um largo desenvolvimento que traria comsigo profundas questões de historia, philologia e ethnographia que o ensaio a que me propuz não comporta. Mas é indispensavel investigar, ainda que levemente, os mais essenciaes d'estes pontos, porque são elles como as premissas que unicamente devem levar a uma conclusão. Entremos mais directamente na questão.

É impossivel deixar de admittir, como uma indubitavel verdade historica, a influencia do imperio romano em todos os paizes que conquistou, e que por largo tempo dominou. Leis, costumes, instituições po

liticas e civis, tudo foi transformado. A lingua dos povos conquistados não podia, por conseguinte, deixar de ressentir-se d'esta invasão e transformação total. A religião, ainda mais forte que o imperio, veiu depois ajuntar a santa uniformidade do seu ritural a esta quasi universal uniformidade da conquista e da politica. Eram em latim que se celebravam as solemnidades do culto; era em latim que os generaes arengavam ás legiões; era em latim que se litigavam as causas forenses nos tribunaes; n'uma palavra o latim era a lingua dos dominadores. Para fallar com elles, para lhes requerer justiça, para obter a remissão do imposto, para orar no templo, para tudo, emfim, que fossem actos publicos se tornava sempre o latim a lingua necessaria.

Todavia, nenhuma d'estas circumstancias desvanece a idéa, e ainda menos a prova historica, de que, apesar de se operar uma tal mudança na vida publica, religiosa e civil d'aquelles povos, o que por necessidade havia de levar resultados consequentes á linguagem por elles fallada, pois é impossivel realisar-se uma nova ordem de cousas sem que lhe corresponda a innovação ou introducção de vocabulos relativos, nada d'isto desvanece a idéa e ainda menos a prova historica de que não obstante esta profunda alteração nos costumes e instituições, continuaram a substituir os dialectos locaes. E tanto assim, que é ponto conforme ainda entre os linguistas mais controversos, que no setimo seculo tres linguas existiam nos Gaulas: a lingua latina, ainda considerada official e ecclesiastica; uma lingua vulgar corrompida do latim; e a lingua germanica que os barbaros do Norte haviam trazido comsigo.

A questão, portanto, aqui, para apurar a procedencia dos idiomas modernos, deverá ser indagar e comprovar, se realmente o latim conseguiu em algum tempo ser a lingua popular e universal, apagando completamente os vestigios celticos das primitivas raças que povoaram o Meio-dia da Europa e parte do Occidente, ou

Logico

se os dialectos d'esses indigenas, não esquecendo de todo na boca popular, reviveram após tempos, assim que lograram emancipar-se da tutela romana, posto que modificados, e, com os annos, aperfeiçoados pelo uzo do latim.

É decerto por esta segunda parte que todos concluirão, quando não queiram fazer d'esta materia mais do que um estudo de exame historico e analyse linguistica, e de sorte alguma uma idolatria da edade de ouro dos auctores de Lacio.

Mr. Raynouard, na sua bella obra Elements de la grammaire de la langue romance avant l'an 1000, précédés de recherches sur l'origine et la formation de cette langue, não é talvez totalmente deste parecer, porque trata de provar, que a lingua que dominava nas Gaulas e abrangia uma parte da Hispanha e Italia superior, era a chamada romance vulgar ou rustico, e depois lingua d'Oc ou provençal, e que esta lingua era corrompida do latim. Ora, para admittir esta corrupção, seria preciso presumir que o latim fôra lingua fallada pelas mais infimas classes do povo do Meio-dia e Peninsula Hispanica, e que haviam sido as novas invasões das raças germanicas que o tinham depois corrompido, o que é inverter os proprios factos e provas da historia, que nos dizem terem existido antes da dominação romana dialectos, que ainda durante ella se ficaram fallando, e é tambem cahir n'uma grave contradicção a respeito da theoria que estes mesmos auctores pretendem estabelecer como infallivel, isto é, que um povo civilisado impõe sempre, não só os resultados dos seus progressos civilisadores, mas a propria lingua ao povo cuja situação social seja ainda barbara. Se o povo culto impõe a sua lingua ao povo barbaro, como é que a lingua dos romanos se deixou corromper e quasi desnaturar pela dos povos do Norte, a ponto de parecer outra? Para ser infallivel a theoria que invocam deveriam ser antes os dialectos celticos os invadidos e transformados pelo latim, como effectivamente nos ensinam as

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