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raptos, o colorido d'aquella phantasia imaginosa deixam já adivinhar o poeta erotico. As tendencias do seu caracter, os impetos do seu coração arrebatavam-no ainda para essas eras, em que a poesia era o enlêvo dos solares e o primeiro attractivo de suas castellas, mas pelas propensões da sua intelligencia culta é já dos seculos em que disponta a renascença das artes e das lettras, graças ás abençoadas investigações de espiritos prescrutadores em Italia. A Italia, como a Hispanha depois, exercia então poderosa influencia na imaginação poetica. Dante, envolvido na obscuridade mysteriosa do seu poema, attrahiu fatalmente os espiritos para a contemplação d'esses versos admiraveis, onde havia, nos vôos do vate, as meditações do politico e as prophecias do theologo. Que importa observar que a Italia jamais perdêra de todo o condão do seu influxo litterario e artistico. Os mesmos cataclysmos da edademédia, que alluiram pelos alicerces a omnipotencia do Imperio romano, não derrocaram, nem dispersaram completamente o assombroso edificio das lettras latinas, em que os progressos da propria illustração grega dominaram tão directamente. E este influxo da antiguidade reinou sempre nos talentos, no paiz onde as imaginações e os olhos debalde se volveriam para um ou outro lado, sem que deparassem com os monumentos dos Cezares e tradições classicas, que o marmore, a tella e a reminiscencia perpetuaram. N'aquella abençoada região, a poesia e a erudição nunca perderam de todo os seus estimulos e prerogativa de modelos. Não só o arrojo demolidor dos invasores respeitou muitos dos primores de arte, que continuaram a servir de norma e incentivo aos artistas, senão que não conseguiu, nem alterar sequer, as designações historicas, que, na memoria do povo e no culto dos estudiosos, teimaram em lembrar aquella terra como a patria dos grandes prodigios das lettras e das artes.

Estes factos observam-se ainda mesmo no fragor acceso dos grandes conflictos que assolaram e dividiram

toda a Italia nos seculos XII, XIII, e XIV. Os padres, os poetas, os jurisconsultos eram as tres potencias mais respeitadas então. As lettras achavam por toda a parte zelosos protectores. Roberto, rei de Napoles, era o mais enthusiasta, dedicado e esclarecido d'esses principes. que se constituiam Mecenas e admiradores dos talentos do seu tempo. N'outros pontos da Italia dominavam homens de costumes ferozes, como Bernabé Visconti ; mas era tal o poder das lettras, que pretendendo assegurar a paz com os venezianos, foi um sabio, grande latinista, que enviou ao Senado de Veneza. Parece que o deslumbramento que sentia a Italia moderna com a renascença das lettras, a obrigava a procurar tudo que fossem individuos representantes d'aquelle grande movimento dos espiritos, como oradores, poetas e eruditos, para interpretes e medianeiros das suas relações politicas, entre aquellas cidades que disputavam a autocracia, e entre aquelles povos divididos pela honrosa cubica da sua independencia. E procurando entre estes nomes celebres, que actuaram tão directamente nos destinos da sua nação, aquelles que, pela immensa amplitude d'essa mesma influencia, sahiram da sua patria e se tornaram cidadãos do mundo culto, achamos, por exemplo, Dante, Petrarcha, e depois d'elles Rienzi e Bocaccio. E entre Petrarcha e Rienzi occorre um accidente que patenteia assás o poder e prestigio que exercia nos animos o enthusiasmo da litteratura. Rienzi, pelo estouvamento que misturava no seu arrojo, cahiu do poder que tinha junto do Papa. Mas Petrarcha protegia-o, e bastou este patrocinio, o patrocinio do genio consagrado então pela admiração universal, para o salvar. Petrarcha não fez mais do que declarar a Rienzi poeta, e este titulo, como égide que o devesse escudar de todos os perigos, bastou para o subtrahir á propria vingança do Summo Pontifice!

Mas esta especie de condão decerto não podia fascinar as imaginações senão n'uma terra, cujas tradições classicas fallavam ainda eloquentemente pela voz dos

monumentos, e pelo culto da antiguidade, que jamais se apagára de todo, culto recordado pela historia e pela presença d'esses mesmos monumentos. Por isto, em quanto o resto da Europa permanecia subjugado pelo despotisco do dominio feudal e influencia do fanatismo ecclesiastimo, a Italia mantinha o seu caracter de nação cultora das sciencias, das lettras e das artes, e desentranhava do seu passado tudo que lhe podesse enriquecer os thesouros do saber e fecundar as fontes da imaginação.

Este prestigio do talento, esta exuberancia de sabedoria, este gosto das lettras, este enlêvo pelos mais admiraveis pruductos da arte, que dentro em pouco transbordaram pela França, pela Allemanha, pela Hispanha, chegou tambem a Portugal. Os sonetos e elegias de Petrarcha, as canções e novellas de Bocaccio, os vigorosos tercetos de Dante tornaram-se a admiração e o estudo de todas as vocações poeticas.

Macias, é um dos primeiros talentos, entre nós, que provam esta intimidade da Peninsula Iberica com a Peninsula Italica, e esta intimidade revela-se, principalmente, na suavidade e brandura da sua musa italiana e na harmonia de seus metros.

A este tempo, porém, já este sôpro fecundo, que nos vinha de fôra, activava a germinação dos fructos intellectuaes que havia muito predispunha e cultivava a Universidade. Estudo de linguas antigas, lettras sagradas, mathematicas, direito civil, sciencias moraes, e humanidades, tudo encontrava estudiosos, e patenteava a fructificação de tão notavel applicação nos talentos com escriptos que successivamente foram sendo conhecidos. Na ordem litteraria sobresahe n'este numero frei Mendo Vasques de Briteiros, da ordem de Cistér, com o seu poema da tomada de Lisboa, Obidos e Alemquer, e demais guerras feitas no tempo d'el-rei Dom Diniz; Soeiro Govin, poeta que celebrou a tomada de Alcacer, ainda do tempo de Dom Affonso II, n'um poema latino; Dom frei Álvaro Paes, franciscano, bispo de Coron é

de Silves, discipulo do celebre Scôtto, e que gozou da intimidade e estima do proprio pontifice João XXII: deixou as obras De Plautu Ecclésia, e chegou a ser lente de jurisprudencia civil e canonica na Universidade de Bolonha. Varios outros talentos, applicados a diversos ramos de conhecimentos humanos, então cultivados n'aquellas épochas, poderiamos aqui ennumerar; mas basta citar estes para demonstração do quanto entre nós, n'estes seculos, que a muitos se affiguram totalmente obscuros, a vocação poetica, actuada pela influencia provençalesca ou pela erudição das letras antigas, encontraram já cultores, que tornaram esta quadra recommendavel e auspiciosa para todo o movimento intellectual que depois se patenteou e tanto floresceu.

CAPITULO VII

TERCEIRA ÉPOCHA

(De 1384 a 1495)

0 Mestre de Aviz e o desenvolvimento intellectual e importancia politica de Portugal.-Prestigio d'este principe.-E' no affecto popular que elle firma uma das forças do seu reinado.Côrte de Dom João I e os principes seus filhos. -Convocação de côrtes.-Desenvolvimento artistico e litterario: o mosteiro da Batalha e o chronista Fernão Lopes.—O infante Dom Henrique e a Academia de Sagres: estudos astronomicos e nauticos: emprezas maritimas, cartas de marear.-Largo incitamento de todos estes progressos nos primeiros passos da civilisação.-Dom Pedro, duque de Coimbra. Raridade e preço dos livros. As leituras n'aquelle tempo.-Influencia ingleza e os Mysterios.-Dom Duarte e o seu reinado: famosa livraria d'este monarcha.-Córte que soffreu a fidalguia com a lei mental: os jurisconsultos.-Predominio das idéas cavalleirosas de accordo com as inclinações da épocba: os poemas dos cyclos normandos e as divisas guerreiras.- Genero aventuroso desafogando em grandes factos do tempo. - Grande influxo das novellas de cavallaria: Amadiz e seus effeitos nas imaginacões e nos costumes.-Respira ainda a inspiração popular: poesia ao Condestavel.-Descobrimento da typographia: os judeus e os estudos linguisticos.-Gomes Eannes de Azurara e a livraria dos paços de Evora. - As tendencias classicas actuam em todas as phases da instrucção.-D. João II e Angelo Poliziano.

O ultimo quarto do seculo XIV e o seculo XV foram uma quadra de vasta importancia para o desenvolvimento intellectual e preponderancia politica d'esta

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