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O mesmo succedeu no reinado de Tiberio, em que foram prohibidos depôr como testemunhas os individuos que desconhecessem o latim, o que continua a provar ser mister empregar d'estes meios coercitivos para obter a appellidada universalidade da lingua latina.

Rematarei esta serie de citações, apresentando os argumentos que reputo mais incontroversos, e que demonstram claramente qual era a linguagem que fallavam os povos da Peninsula, que são as referencias a documentos. «Os documentos que até aos fins do seculo XI entre nós se exararam, pondera o auctor do Elucidario,1 quasi nada mais teem do latim que a inflexão alatinada dos mesmos termos com que o vulgo se exprimia. O Livro dos Testamentos de Lorvão, o Livro Preto de Coimbra, o de D. Mumadona de Guimarães, os documentos de Pedroso, de Braga e outros muitos que nos originaes se conservam, e que n'este Elucidario se accusam, não permittem hesitar, que a lingua portugueza era por este tempo o mesmo que a hispanhola, cujos monumentos Yepes, Flores, Risco, e outros até hoje publicados, nos offerecem antes uma verdadeira identidade que uma mera semelhança. »

Na erudita e bem pensada dissertação, Origem da lingua portugueza, do distincto academico, o sr. Soromenho, deparâmos com um subsidio que muito nos encaminha a este respeito. Collige o douto professor varios documentos extraidos da Historia das linguas romanas de Bruce-Whyte, das Dissertações de João Pedro Ribeiro, do Livro Preto, de Reinesii, Mabile, Helfferrich e outros, pertencentes aos seculos V, VI, VII, X, XI e XIII, onde se pode fazer um estudo, não só da natureza da lingua fallada n'essas eras, mas das differentes evoluções porque foi passando, à medida que se desligou da influencia latina. São estes documentos, que teem por base a historia, de verdadeiro auxilio para o linguista de boa-fé, alheio ás loucas pretenções de querer afidalgar o

1 Viterbo, Elucid. Advert. prelim.

nosso idioma, procurando-lhe origens reputadas mais illustres.

É summamente apreciavel n'este ponto a dissertação do sr. Soromenho, pela verdade das suas indagações historicas e conclusões linguisticas: «E se admittirmos, escreve elle, como completa, absoluta a transsubstanciação da sociedade iberica na sociedade romana, ficará sem solução possivel a historia da formação dos diversos dialectos que, ainda hoje, separam varias provincias da Hispanha, mas que na edade-média distinguiam, até, as nacionalidades. Se a lingua era só uma, se nenhum elemento estranho entrou na decomposição da lingua romana, e na sua recomposição em lingua romance, deviamos ter visto realisado o sonho de Raynouard. Mas não foi assim. A lingua romana fôra adoptada, é verdade, em toda a Hispania; porém, irradiando das cidades para os campos, entre as populações agricolas, não tivera em toda a parte a mesma facilidade de se fazer acceitar pelas classes que desejavam uzal-a, ou soffrêra as alterações provenientes de habitos contrahidos sob a influencia combinada dos seculos e do clima. A par d'esta lingua subsistiam mais ou menos modificados os antigos idiomas locaes, que, no commercio com os habitantes do campo, deviam fazer-se ouvir regularmente no centro das grandes povoações romanas, mas o latim official e a obrigação diaria de empregar a lingua das cidades, obstava a que esses elementos nacionaes se envolvessem na lingua dos dominadores.

«Acabou, porém, o imperio: romperam-se os laços que ligavam o interesse das massas á conservação da lingua romana, ou, para exprimir melhor a nossa idéa, a lingua official deixára de existir, e, por consequencia, de presidir á conservação e á incorruptibilidade da lingua vulgar, á qual, durante a sua existencia politica, servia diariamente de norma.

«Grande devêra ser a alteração da lingua romana entregue, por este modo, a si propria e sugeita á influencia deleteria dos dialectos locaes, se desde logo o

governo wisigothico, a exemplo dos romanos, não houvesse adoptado a lingua latina como official e litteraria, e provavelmente a lingua da multidão para o trafego diario. Os poucos fragmentos que restam do codigo de Eurico, redacção primitiva e puramente latina do seculo V, offerecem raros vestigios da lingua rustica,1 mais visiveis nas redacções posteriores; mas o livro das Etymologias, obra do seculo VII, mostra-nos já o elemento nacional a introduzir-se na lingua herdada dos romanos. Porém, tanto um como outro monumento pertencem á lingua erudita, e não podem indicar-nos se o organismo da lingua rustica soffrêra alteração sensivel. Não nos parece isso provavel, porque a que vemos empregada nos documentos diplomaticos do VIII e IX seculos, exceptuados os nomes proprios de individuos e de logares, e um ou outro termo industrial ou agricola, é a mesma que usava a plebe romana e encontramos nas inscripções das Catacumbas.3

«Não é, portanto, aos povos germanicos que, como muitos crêem, se deve a transformação que produziu a lingua romance, nem tão pouco foi n'este periodo que essa transformação se operou. Foi nas monarchias christãs, durante a guerra da reconquista, entre os VIII e o X seculos.

«As povoações mais importantes da Peninsula, aquellas onde devia conservar-se mais puro o idioma roma

1 Knust-Blume: Dic. Westgothische ANTIGUA. CC. LXXXV, tres seliquas de unius solidi. CC. LXXXVII, emplio nihil habeat firmitatis, etc.

2 Cutum (gato), esca (isca), materia (madeira), mantum (manto), etc. Cf. Aldrete. Del origen de la leng. castellana, lib. II, c. I. 3 Orig. da Ling. Port. these para o concurso da cad. da litter. moder. Not. A, pag. 28.

4 La lingua latina... della gravidezza dei linguaggi barbari partori la nostra vulgare, e ne mori a mezzo il parto. Galvani: Osservaz, sulle Poes. dei Trovat. pag. 20. Cf. Muratori: Antiquit. ital., II. pag. 1013. Schlegel: Observations sur la langue et litt. Provençal, pag. 24. Raynouard: Gram. comparée, pag. 27.

5 Cf. Rossew S. Hilaire: Hist. d'Espagne, II, pag. 168-169.

no, estavam em poder dos serracenos; e os proceres romano-godos, nos recessos das montanhas, que lhes serviam ao mesmo tempo de côrte e do reducto, estavam rodeados de um exercito formado, na maior parte, dos habitantes do campo, de colonos, de servos, das classes infimas da sociedade, d'aquelles que mais tenazmente conservaram o uzo da lingua de seus maiores, ou fallaram uma linguagem mixta ibero-romana.

Comprehende-se facilmente que esta multidão, composta de elementos heterogeneos, disciplinada como milicia, mas desorganisada como sociedade, n'um estado permanente de guerra, instavel, sem residencia, devia pela mescla dos seus dialectos produzir uma alteração sensivel na lingua. De feito, os documentos do VII seculo resentem-se já bastante da influencia popular na parte lexicologica: porém o estylo e a fórma conservam ainda toda a apparencia romana. Explica-se isto facilmente são documentos redigidos por clerigos e relativos a assumptos da egreja.

«Quando, porém, àquella milicia errante foi engrossando e ganhando importancia pelas successivas victorias e conquistas; quando teve um centro commum de vida social e politica, e, com elle, influencia e preponderancia nas assembléas publicas, na eleição dos reis e dos prelados; quando, emfim, se converteu em nação e pôde fazer valer a sua força e o seu direito, os documentos que conteem os privilegios populares extorquidos violentamente, ou concedidos pelos monarchas, já por liberalidade, já com um intuito politico, são ao mesmo tempo monumentos de summo interesse para a linguistica. Prevalece n'elles a lingua romana singularmente misturada com os diversos dialectos locaes, que não influem do mesmo modo em toda a parte, mas conforme preponderavam mais ou menos na localidade as tribus do norte ou as do sul da Hispanha.

Depois passa o sr. Soromenho a demonstrar o que

expõe com alguns exemplos grammaticaes, e em seguida prosegue:

«De proposito dissemos no dialecto do norte, porque entre a lingua uzada na provincia de Entre Douro e Minho e a que mais tarde apparece nas terras do CimaCôa e na Extremadura, ha uma differença bastante sensivel para o historiador philologo. Póde, sem receio dizer-se que, á semelhança do que se dava além dos Pyreneos, em Portugal havia tambem uma langue d'Oc e uma langue d'Oil, a lingua do Norte e a lingua do Sul. E, se no estudo dos monumentos diplomaticos, attendermos, para a historia dos dialectos, à situação topographica do ponto onde foi redigido o documento, estamos certos de que se poderá traçar uma linha divisoria, o Mondego, entre essas duas linguas. Ao norte é mais uniforme, mais correcta, mais suave e mais alatinada: ao sul, menos egual, mais aspera e resentindo-se da lingua castelhana que influira poderosamente na sua formação.

«E isto não sómente nos primeiros seculos; ainda depois que o latim deixou de ser a lingua official: um seculo depois de Dom Diniz.

«Querem alguns escriptores que, como Raynouard assevera ácerca da lingua provençal, a vulgar portugueza e a castelhana estivessem formadas no IX e no X seculos.

Os seculos VIII, IX e X dão-nos o singular exemplo de documentos redigidos com completo desprêzo da grammatica, mas com palavras latinas: ao passo que nos seculos seguintes, os notarios sabem as leis de Donato, mas empregam as palavras romances, ou accomodam as latinas á indole das d'essa lingua. A rasão d'isto está em que nos primeiros seculos, embora se estivesse no trabalho de elaboração de que devia sahir a lingua romance, a uzada geralmente era a romana; ao passo que nos seguintes, em que já estava formada a lingua romance, os notarios, embora por obrigação official soubessem latim, se viam forçados a empregar nos documentos

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