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as palavras vulgares, a que o povo já não conhecia a correspondente latina.

«Do contrario, se, a par da profunda ignorancia que revelam os notarios no completo transtorno das leis grammaticaes e synteticas, n'aquella época se desse a existencia d'uma lingua nacional formada e uzada vulgarmente, deviamos vêr nos documentos mais avultado numero de palavras e phrases d'essa lingua. É, porém, no seculo XI e sobretudo no XII, que, com um formulario convencional e sob uma apparencia toda erudita, encontramos os documentos bilingues, transacção forçada com a lingua romance já formada e bastante poderosa para se impor e substituir á lingua, que, ainda por todo o seculo seguinte, foi empregada nos documentos publicos.»

Estes trechos do escripto do sr. Soromenho, constituem um apreciavel trabalho, porque, seguindo sempre o criterio historico, chegam a indubitaveis conclusões linguisticas.

Os idolatras da litteratura classica não são, porém, d'este parecer, porque, para elles, após a preponderancia do Imperio romano, tudo demudou a fórma e essencia, e se remodelou, quanto ás lettras, pelos modelos latinos. E é por este desdem, decerto resultante da plethora de erudição cujos ruins effeitos lhes sobem ao cerebro e perturbam a regularidade das funcções intellectuaes, que tudo que não abriu os olhos na patria dos Horacios e Tilio Livios, se lhes afigura barbaro, embora Attila, o barbaro por excellencia, como o denominam os historiadores, se mostre politico mais atilado e previsto que o proprio Senado, e que alguns dos imperadores e muitos dos homens celebres da republica e do Imperio sejam oriundos das raças tambem chamadas barbaras. Origens da poesia moderna, inspirações nativas dos celtas, dos bretões, dos scandinavos, onde deparâmos com modelos de singeleza que podem hombrear com a nobre magestade da simplicidade grega, como varios cantos bardicos, e não poucos tre

chos do poema dos Niebelugens; toda a litteratura desde o seculo XIII até ao seculo XXV, canto dos trovadores, narrativas legendarias, novellas de cavallaria, poemas cyclicos, como o do Cid, de Carlos Magno, do Rei Arthur, o Heldenbuche, as aventuras de Dietrich; os mesmos canticos dos Minnesingers, em summa toda esta formosa collecção de fontes naturaes de inspiração nacional de que resultou a poesia que até ao seculo XV se ostentou tão florescente em todas as nações da Europa meridional e occidental, e caracterisca do periodo guerreiro da idade-média, tudo, n'uma palavra, é desprezado e esquecido para se seguir com religiosa curiosidade sómente o veio das lettras classicas, quasi perdido, ou apenas interceptado depois das convulsões sociaes que succederam á destruição do Imperio romano, e, decorridos tempos, depurado e encarecido com a exultação dos rhetoricos e eruditos na epocha da renascença.

CAPITULO II

Origens da poesia peninsular.—Os turdetanos e as suas leis escriptas em verso. -os scaldos, poetas guerreiros: suas canções ou wises.-Os celtas e os seus sacerdotes e cantores: os druidas e os bardos.-Canticos durante os festins e na partida para a guerra.-Poemas bretões do seculo VI, da lucta do druidismo com o christianismo. — Poesia dos aborigenos da Luzitania. A evolução historica explicando a reconstruccão das linguas, e a poesia documentando esta reconstrucção. -Influencias diversas.-Poesia provençal.-Os trovadores e os jograes. Os arabes e a rima.

As origens da nossa poesia popular andam obscurecidas pelas sombras da antiguidade, como as de todos os povos que primitivamente habitaram as Gaulas e a Peninsula Hispanica. A dar crédito ao testemunho de Strabão, os turdetanos possuiam poemas e leis escriptas em verso, que datavam de mais de seis mil annos, conforme a prosapia nacional d'estes povos o pretendia. Os turdetanos, como quasi todos os outros indigenas da Luzitania, derivavam de origem celtica, e é sabido, pelas tradições immemoriaes de seus poetas, que a poesia, como entre todos os povos primitivos, onde a inspiração hymnica foi a primeira manifestação conheci

da, tomava parte importante nas solemnidades do culto e lhes inspirava canções guerreiras. Mas os nomes d'esses cantores ninguem os conhece. Colhe-se apenas da historia, e da dos celtas em especial, de quem perfilhámos antigos costumes e uzanças, que os poemas d'aquelles seculos seriam pela maior parte como os dos bardos, druidas e samotheus, que eram poemas dogmaticos, moraes e historicos, porque a poesia então permanecia ainda pouco distante da sua primeira origem, que fora erguer hymnos a Deus e gravar na memoria dos povos, por meio da harmonia e do metro, a historia e a doutrina.

As povoações ferozes, bellicosas e grosseiras, conhecidas por godos, e que constituiam as tribus da Scandinavia, que depois invadiram o Meio-dia e Occidente da Europa, possuiam egualmente poetas denominados scaldos, que nunca deixavam a harpa nem o gladio, como se quizessem symbolisar n'esta união dos emblemas da guerra e da inspiração, que o estro jámais os abandonava, nem nos proprios campos de batalha: e a estas canções, que lhes accendia o enthusiasmo por seus heroes, punham o nome de wises.

Quem não conhece tambem os poemas de Ossian, essa melancholica collecção de lendas gaëlicas, publicadas pelo escossez Macpherson, apocryphas ou reconstruidas sobre a inspiração genuina, mas que em todo o caso pintam tanto ao vivo o genio guerreiro e contemplativo dos antigos caledonios?!

E, se passamos das raças dos homens do Norte a estas que estanceavam nas serranias da Caledonia, não podemos deixar de nos maravilhar por vêr que na poesia d'estes a ternura e por vezes a delicadeza sobrepujam quasi sempre a rudeza e a barbaridade. Encontra-se a mesma energia, o mesmo enthusiasmo, mas sentimentos de heroismo, de magnanimidade e até sensações brandas e affectuosas derramam nos poemas gaëlicos um attractivo desconhecida nas poesias do Norte, sobretudo d'essa epocha.

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