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soa de Gilberto, que só deixou duas filhas, entre as quaes partilhou seus estados. Uma d'ellas, Taydida, esposou Affonso, conde de Tolosa; e a outra, Dulce, casou com Raymundo Bérenger, conde de Barcelona. Depois seguiu-se para a Provença uma épocha tranquilla e quasi obscura, porque, unida durante duzentos annos debaixo do governo de uma serie de principes que não representaram de certo um papel brilhante, a querel-os considerar tão sómente segundo as idéas guerreiras e de conquista do tempo, mas que augmentaram a população e as riquezas do estado com um reinado paternal, occupou-se ella de preferencia em dar impulso aos recursos interiores de seus dominios, e isto bastou para consolidar as suas leis, morigerar os costumes e apurar o idioma provençal. Foi por este tempo que o romance da Provença tomou o logar do latim. Fazia-se ainda uso d'este ultimo em actos publicos e documentos juridicos, mas o provençal, fallado, começava a tomar importancia na litteratura.

A soberania, e successão da Provença em Raymundo Bérenger, marido de Dulce, imprimiu novo movimento ao espirito nacional, com a resistencia dos catalães com os provençaes. Das tres linguas então falladas pelos povos christãos de Hispanha, o catalão, o castelhano, e o galleciano ou portuguez, pois n'esta épocha era o mesmo dialecto, porque da unidade do territorio da Galliza com Portugal provinha a unidade da lingua, o catalão era quasi semilhante ao provençal; e posto se fosse distinguindo decorrido tempo, sobre tudo no reino de Valencia, sempre o designaram com o nome da mesma provincia franceza. Os naturaes o chamavam llemosi ou limosim.

Os catalães entendiam-se perfeitamente com os provençaes; e a sua reunião na mesma côrte contribuiu para se polirem e civilisarem reciprocamente. Os primeiros haviam já recebido bastante desenvolvimento, tanto com as guerras de Hispanha, como com a grande actividade do commercio de Barcelona. Esta cidade

fruia então os mais amplos previlegios: seus habitantes gosavam de immunidades foraleiras que os faziam respeitar de seus principes, e isto ao mesmo passo que as riquezas grangeadas por elles volviam os impostos mais productivos e proporcionavam á côrte dos condes soberanos uma magnificencia desconhecida dos outros reinantes. Raymundo Béranger, e seus successores, chamaram à Provença simultaneamente o espirito das franquias municipaes e o da cavallaria, o gosto da elegancia e das artes, e as sciencias dos arabes. D'esta juncção de sentimentos nobres nasceu a poesia que em toda a Provença e Meio-dia da Europa fulgurou ao mesmo tempo, como se uma centelha electrica houvesse, no seio de tão espessas trevas, irradiado por toda a parte chammas resplandecentes.

Varios successos notaveis concorreram para alargar a preponderancia d'estes mesmos elementos, e um d'elles foi a conquista de Toledo, feito notavel que inflammou a imaginação dos guerreiros e poetas, já pelo lado politico, como portentoso resultado que sobre elles reflectiu, já pelo aspecto maravilhoso, como theatro que ostentou façanhas tão singulares. Seguiu-se-lhe a conquista de toda a Castella por Affonso VI. Este monarcha, que era então auxiliado pelo famoso Achylles hisponhol, Ruy Dias de Bivar, convidou para a expedição, que de 1083 a 1085 fez mais do que duplicar seus estados, e assegurar aos christãos o senhorio da Hispanha, grande copia de cavalleiros francezes, provençaes e gascões que tinham algumas relações de parentesco com elle, por sua mulher, Constança de Borgonha. O nosso conde Dom Henrique de Borgonha, filho de Roberto I, duque de Borgonha, foi um d'estes principes. Com elle vieram cavalleiros trovadores, e sobejos d'estes principes o eram, conforme a moda da épocha. Era após o intervallo de duzentos annos a primeira guerra contra os infieis, em que tão gentis cavalleiros, e de terras tão longes, se encontravam empenhados: apenas quatorze annos tinham decorrido que se alevantára a pré

gação da primeira cruzada. Estes guerreiros, de estados differentes, reunidos no mesmo campo, vendo-se alvo de attenção em paizes estrangeiros, deviam por força tornar-se sensiveis a todos os estimulos da gloria; e o grande nome do Cid, que sobrepujava todos os heroes do tempo, e que poetas mouros e castelhanos tomavam por thema constante de seus poemas, indo até crear na phantasia dos povos famosas lendas que o culto poetico da posteridade accrescentou á celebrada Iliada do prodigioso capitão hispanhol, serviu mais do que nenhum outro exemplo para lhes ensinar a conhecer o quanto as trovas populares podiam diffundir a fama dos feitos militares.

Aqui temos, pois, como a corrente dos proprios acontecimentos nos explica a procedencia, marcha, e o vigor natural de uma poesia que, vindo da Provença, encontrava na indole dos povos da Hispanha, nas suas grandes emprezas guerreiras de então, e no influxo do antigo dominio arabico, elementos predisponentes para mais se enriquecer.

CAPITULO III

A poesia popular.-Origens germanicas.-Influencias que a enriqueceram e de que ainda hoje restam vestigios.-Os symbolos, tradições e mythos.-Maravilhoso. As prohibições dos concilios e os trovadores.- Constituições dos bispados.-Diversos caracteristicos.-Fórmas da poesía popular.

Depois de assim descriminarmos os dois generos de poesia que tanto caracterisaram os periodos da historia a que nos referimos, a sua acção social e influencias que as dominaram na essencia e fórma, importa agora ir procurar a origem e seguir o andamento d'essa outra corrente poetica, que, brotando da propria indole popular, foi perturbada e quasi estancada por vezes pelo extremo rigor das prohibições dos concilios e pelo desdenhoso cultismo dos trovadores. Refiro-me á poesia popular. N'este ponto, os jograes fizeram verdadeiro serviço, sem o intenderem, a todas as tradições oraes que andavam na boca do povo, ou, pelo menos, a uma parte, porque se assenhorearam d'ellas, assimilando-as ás suas inspirações poeticas, e levados da especulação que

os convidava a cantar ao povo as suas mesmas tradições nacionaes, apresentaram em suas composições estes assumptos, que tão bom acolhimento lhes grangeavam. E é por isto que muito acertadamente nota o sr. Theophilo Braga, que a poesia jogralesca é que foi dando fórma ás tradições e sentimentos vagos do povo. O verso quasi adoptado geralmente pela musa popular foi o verso septisyllabo, que é o verso mais naturalmente resultante do genio rythmico da nossa lingua. A primeira poesia, desafôgo genuino do sentimento ou tradição dos antigos habitantes do territorio portucalense, foi no primitivo dialecto portuguez-galliceano, que era o fallado na provincia de Entre Douro e Minho, como já fica notado, e tão preferido na poesia pelos portuguezes, gallegos e castelhanos, como o certificam os cancioneiros que encerram trovas d'esses tempos, em que estes elementos linguisticos começavam já a separar-se e constituirem linguas 2.

A Galliza, antes da divisão que fez Augusto das provincias da Hispanha, pertencia á Lusitania. Possidonio, em Strabão, chama aos artabros, ultimos povos da Lusitania, e mesmo Strabão, fallando da região que corria do Douro para o Norte, diz que ella, nas eras antigas, se chamava Lusitania, e, nos seus tempos, Callaica3.

Não é facil de inquerir e apurar as diversissimas e complexas influencias com que achamos mesclada a poesia popular da parte da Peninsula que veiu a pertencer-nos. N'este ponto, esta poesia participou notavelmente da alternativa das invasões successivas e differentes modificações sociaes. Só póde dar-nos idéa exacta da sua origem e marcha a nascente de um rio, que em sua corrente fosse perturbada por obstaculos estranhos, e que, depois, para os poder vencer e seguir, se divi

1 Hist. da Poes. Pop.

2 Cancioneiro Geral do Collegio dos Nobres, publidado por Lord Stuart. Advert. pag. vi.

3 Ribeiro dos Santos. Memorias de Litt. da Academ.

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