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PREFACIO

As obras desta natureza nunca se podem qualificar de perfeitas. O maximo esmero e o diuturno lidar com livros não removem os embaraços que procedem da magnitude do assumpto.

Não basta a vida de um homem para abranger a summa dos lavores litterarios que representam o trabalho de umas poucas de gerações, ainda mesmo que o bibliographo não ultrapasse a simples rezenha de titulos, datas, formatos e quilate dos livros aferido no merito da raridade. As imperfeições são inevitaveis, embora o obreiro se recommende pela authoridade do seu nome, e pelo bom uso que fez do legado advindo dos seus antepassados.

Innocencio Francisco da Silva trabalhou muito, investigou com paciente affecto as desordenadas especies que mais quadravam á sua indole, corrigiu muitos lapsos e ignorancias dos seus antecessores, ampliou até nove tomos a sua obra, dando largas umas vezes ao gosto, outras vezes á necessidade, e ainda assim não contentou a critica dos raros que se occupam de estudos bibliographicos. Acoimaram-no uns de insufficiente na noticia das preciosidades escassamente esclarecidas, em quanto se comprazia de esmiuçar bagatellas nem litteraria nem monumentalmente precizas á formação da livraria portugueza. Outros arguem-no de remisso em criterio e attido de mais ás condições apoucadas da cathalogia, por onde se ia gastando em prolixidades o tempo e espaço que seria util empregar em um tal qual delineamento de historia litteraria. Esta queixa não é caprichosa nem malevola, diga-se

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verdade. Innocencio Francisco da Silva fez o que podia fazer sem instrucção variada, nem conhecimentos correlativos de bibliographia. Fóra do Diccionario as suas provas litterarias denotam-lhe sciencia feita em epocas estereis, e cançados annos encanecidos em escudrinhar livros antigos; d'entro do Diccionario está o incansavel cathalogador, alvejando sempre o fito das datas e a irrefragavel veracidade dos formatos e impressores. Pelo que é, porém, do elevado senso da apreciação, não nos parece que entre Barboza Machado e Innocenció se interpozesse um seculo.

A intimidade litteraria do auctor do Diccionario biblographico estuda-se no cathalogo da sua livraria, que está em praça. Por ali se vê a parcimonia do seu saber linguistico, o atrazo dos seus expositores em sciencias, a riqueza esterilisadora dos seus seiscentistas, e a inopia dos modernos exemplares do theor como a vida intellectual das nações se historía desde que o americano Ticknor deu a norma.

E' certo que diccionario bibliographico e historia litteraria, apesar da sua estreita correspondencia e interior analogia, são productos exteriormente dissemelhantes. Todavia, se Innocencio Francisco da Silva entrasse com sufficiente sciencia na comprehensão da forma adaptada ao espirito da sua época, talvez condensasse em um ou dous tomos a noticia alphabetica dos escriptores memoraveis, e despendesse os restantes na historia da litteratura, se Portugal lhe desse alento para tamanho fôlego. Feito isto, o benemerito escriptor teria dado ao seu paiz a primeira historia da sua communhão no progresso do espirito humano, e simultaneamente obsequiaria os bibliophilos e os bibliomanos com um indicador efficaz para o grangeio das suas riquezas reprezentadas, senão na sciencia, na raridade do livro. Ora, o beneficio do diccionario bibliographico toca tão sómente a um decimo dos que tinham muito que lucrar com á noticia critica dos seus escriptores e pouquissimo com a extensa nomenclatura de esquecidas inutilidades.

Não obstante, ha muito que aproveitar e louvar n'aquelle grande repositorio a que Innocencio devotou quarenta annos de exclusiva abstenção de outros estudos. Ha ali paginas que affirmam muita canceira e ás vezes malbaratada averiguação no encalço de uma data. Seria, pois, para lastimar que tão suados esforços não acareassem condigna retribuição; mas, ainda bem que o respeitado escriptor não foi deste mundo aggravado dos seus conterraneos. Todo homem de mediana li

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ção consulta o «Diccionario bibliographico», e hoje em dia o paga pelo duplo do seu valor primitivo.

Do modo que eu desejára o livro de bibliographia extreme, resumido e espurgado de nomes que não podem magoarse por esquecidos, director para os que formam livraria, e accessivel aos recursos de quem os tem medianos — é este Manual bibliographico portuguez intelligentemente redigido pelo snr. Ricardo Pinto de Mattos.

Ha, n'este livro, o modesto intuito de inventariar o mais valioso da herança de trez seculos de escriptores; e, com certeza, nenhuma obra benemerita de legitima estimação foi omittida, e poucas são as lembradas sem direito a serem parte na bibliotheca dos estudiosos. Ha aqui, porém, series de livros frivolos que não tinham direitos bem definidos á cathalogação; mas o collector, incluindo n'esses os de minha lavra, pareceme que antes quiz obsequiar-me a mim que insinual-os á consideracão dos seus leitores.

O snr. Ricardo Pinto de Mattos exercita o seu emprego na bibliotheca publica do Porto. Ha annos que lida com livros e com o pensamento na organisação modesta e proveitosa deste Manual. Compulsou de espaço as preciosidades d'aquelle estabelecimento; pouco a pouco foi avolumando as notas dos seus estudos; e, por vezes, transpondo as balisas de mero informador, colheu uteis noticias de livros extrangeiros, correlativos aos assumptos versados nas obras nacionaes que inventariou.

Raros são os artigos em que faltam os preços obtidos nas licitações dos exemplares menos vulgares. Innocencio Francisco da Silva deu o exemplo, tendo-o recebido de Brunet, e dos diccionaristas-livreiros que assim o praticavam por vantagem de sua profissão; porém, de modo se houve o finado bibliophilo que bem pode conceder-se uma tal qual originalidade á sua maneira de cotar o valor dos livros, quer expondo com certa satisfação as bagatellas por que os adquiriu, quer arguindo de fraude os negociantes que os mercadejavam á medida do seu desejo ou da necessidade do comprador. Estas minudencias eram pequenas e descabidas em obra de tal cunho e de tal escriptor.

Dá o snr. Mattos os diversos preços obtidos nos leilões do Porto, e assim mostra a impossibilidade de determinar o valor de obras cujo merecimento depende de circumstancias que nada tem com a valia intrinseca e virtual do livro. Sem embargo, os compradores tem muito que aproveitar, guian

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do-se por este bom indiculo das variantes, aliás caprichosas que soffrem os livros hoje comprados e amanhã vendidos no mesmo concurso de licitantes. Elles tem os seus fados, dizia o critico romano.

Se nos não engana o ja enveterado affecto que temos a esta especie de estudo, o snr. Mattos prefez o unico Manual bibliographico que temos e que hade ser acolhido benevolamente pela utilidade, pelo tamanho e pela barateza_relativa. Transluz d'este trabalho grande attenção, feliz esforço no resumir sem cortar pelo necessario, e sobre tudo grande severidade na chronologia das ediçoens. Todas as obras d'esta especie vem propiciamente agouradas n'este tempo em que a livraria portugueza se está gosando da bem-querença dos estudam, e dos que, apezar de não professarem lettras, colleccionam raridades a grande custo.

que

Julio Janin, grande escriptor e bibliophilo, escreveu estas profundas verdades: «Amar os livros é renunciar ao jogo, á golodice, ás pompas vans, ás corridas de cavallos, aos amores funestos. O bibliophilo está como abrigado das tempestades politicas; servem-lhe de parapeito os seus livros aos aviltamentos e sobrancerias aulicas. E' senhor e rei. Não o perturbeis na sua festa, e respeitai-lhe os seus intimos jubilos.»>

O livro do snr. Pinto de Mattos será um dos bem-vindos ás livrarias; por que a selecção é que as torna mais nitidamente apreciaveis, e são os directores da natureza d'este Manual os competentes para a formação, não direi do gosto, mas, com certeza, do discernimento na escolha.

S. Miguel de Seide,

abril, 1878.

Camillo Castello Branco.

Com o fim de reunirmos em um só volume a noticia dos livros preciosos, raros e curiosos, para nosso uso e em beneficio dos bibliophilos, coordenamos este indiculo bibliographico, que intitulamos-Manual Bibliographico Portuguez.

Mencionamos muitos dos livros chamados classicos, por que entraram no Catalogo dos que se hão de lêr para a continuação do Diccionario da lingua portugueza, mandado publicar pela Academia Real das Sciencias, de que sómente sahiu o primeiro volume com uma noticia dos auctores e suas obras. De escriptores contemporaneos tomamos conhecimento de alguns sómente; todos melhor cabimento teriam em volume especial.

Fizemos quanto possivel para que a noticia das obras descriptas fosse fidedigna, e, se alguma vez o não conseguimos (por que, na verdade, em bibliographia appresentam-se difficuldades não faceis de aplanar, e é, além disso, trabalho fastidioso) superabundou-nos o dezejo de acertar, empregando para isso os nossos limitados conhecimentos, e cerceamos não pouco os nossos interesses, por não podermos dispôr de tempo.

Recorremos aos tractados bibliographicos publicados, e tivemos presentes muitos dos livros que possue a Bibliotheca portuense, que vão indicados com um asterisco-circumstancia que aproveitará de futuro, não só á Bibliotheca, mas ainda ao publico em geral.

Fizemos menção das obras impressas, que de Lisboa foram mandadas á Exposição de Paris, de 1867, informamos os amadores, ácerca do merecimento de cada uma das obras, e do preço por quanto se teem vendido em diversas partes.

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