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CAPÍTULO SEGUNDO

O platonismo e o movimento filosófico do Renascimento

Entre o declinar da filosofia escolástica e o aparecimento da filosofia moderna,-a filosofia de Bacon e de Descartes-, ha pouco mais ou menos século e meio de transição. Ocupa êste periodo,-última metade do século XV e século XVI, a luta entre dois sistemas doutrinários: o platonismo e o aristotelismo.

Originariamente congraçados e ligados por intimas semelhanças, onde mais tarde quizeram ver profundas diferenças, êstes dois sistemas filosóficos, pelo transcurso dos tempos, tornaram-se inimigos e chegaram a guerrear-se com a intensidade de um ódio feroz. Não raias vezes as circunstâncias levaram os revoltosos ou os dissidentes a acolherem-se sob a bandeira de Platão ou sob a bandeira de Aristóteles, acatando na primeira o simbolo da liberdade e da idealidade pura, ou vendo na segunda o triunfo da ordem, do método, da disciplina. A causa fundamental de tais divergências reside mais no facto de serem os dois grandes pensadores gregos conhecidos e estudados indirectamente e com superficialidade, do que na mesma oposição do seu pensamento e

das suas obras. Por falta dum conhecimento perfeito e directo dos próprios originais, as doutrinas de ambos os filósofos sofreram uma série de transformações que as alterou e adulterou largamente. E sucedia então que as lutas se travavam, com ardor e com denôdo, entre um falso Platão e um falso Aristóteles.

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A oposição dos dois filosofos é mais radical e mais profunda na Idade Média, que adopta plenamente o pensamento do Estagirita. Mas dêste facto, não vá conclair-se uma vitória total e definitiva do aristotelismo, porque, se bem escutarmos, é possivel que até aos nossos ouvidos cheguem ecos de protestos reivindicando intimas aspirações. Diz um ilustre crítico:" Aristóteles, não só pela fôrça do pensamento especulativo, como por haver sistematizado tôdas as noções scientíficas que no seu tempo existiam (herança que 0 género humano aumentou pouco durante largos séculos); por ter chegado a uma concepção total do mundo e da vida; por ter satisfeifo com unidade e grandeza a aspiração incontestável de lei, método e disciplina, que em todo o sêr racional existe, merecia obter a cátedra de sciência universal em que a Idade Média o colocou. Mas por grandes que o prestígio e a autoridade de Aristóteles fossem, nunca, nem na Idade Média, nem muito menos no Renascimento, deixaram de levantar-se contra o seu domínio vozes hostís, umas solicitando a renovação total ou parcial dos métodos; outras limitando-se a fazer a crítica do existente e reservando a tarefa de edificar para depois de ter demolido; outras aspirando a uma carta maneira de electicismo ou de concórdia; algumas, enfim, procurando restaurar o que alcançavam da filosofia grega no Estagirita, e naturalmente com mais predilecção, as doutrinas, nunca de todo esquecidas, do idealismo platónico."

De facto, sob o ponto de vista histórico, jámais o platonismo desapareceu um só momento da história do pensamento humano. Poucas vezes na sua pureza, mesclado qüási sempre com doutrinas afins, encorporado na na corrente cristã dos primeiros seculos, resistindo à tendência empírica dos peripatéticos medievais, ressurgindo na época da tauração das letras, reforçando a todo o momento os sistemas idealistas e espiritualistas,-o platonismo chega até hoje como um eco atenuado, mas eloqüente, do que foi a alta especulação metafísica do Helenismo.

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O próprio Schopenhauer, pela divisão do mundo sensivel e inteligivel, é aínda um platonizante. Mas não só porisso. E'-o, e nitidamente, pelos seus conceitos sôbre o Amor, e ainda por admitir as ideas platónicas conjugando-as com a sua teoria da vontade racional.

A fecundidade e a juventude de espírito do fundador da Academia traduzem-se nêste periodo: "De Platão derivam três correntes que, sem separarem inteiramente as suas águas, antes tendo por vezes comunicações por canais que as cortam, irão bater no idealismo imanentista de um Espinoza ou no idealismo teista de um Berkeley, no idealismo realista de um Aristóteles, e dum S. Tomás de Aquino, no idealismo fenomenista de um Kant e dum Renouvier.» (O Problema do conhecimento, art. de Leonardo Coimbra, em "A guia-21-22 (141-142).)

O que fez do platonismo um sistema amplo e vivaz na história da Filosofia, é que êle contem em si verdades eternas, "elementos integrantes de todo o pensamento humano”, além duma harmonia e uma unidade profunda.

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Mas como teve noticia o mundo moderno das doutrinas do platonismo? Por que caminho chegaram

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