SERMÃO DA V47 1872 V1 1-3 1 SEXAGESIMA PRÉGADO NA CAPELLA REAL. Este Sermão prégou o Autor no anno de 1655, vindo da Missão do Maranhão, onde achou as difficuldades, que nelle se apontão: as quaes vencidas, com novas ordens Reaes voltou logo para a mesma Missão. E se quizesse Deos, que este tão illustre, e tão numeroso auditorio sahisse hoje tão desenganado da prégação, como vem enganado com o Prégador! Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo todo: que todo he do caso, que me levou, e trouxe de tão longe. Ecce exiit qui seminat, seminare. (Matth. 13. 3.) Diz Christo, que sahio o Prégador Evangelico a semear a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deos. Não só faz menção do semear, mas faz tambem caso do sahir: Exiit; porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura, e hão-nos de contar os passos. O mundo, aos que lavrais com elle, nem vos satisfaz o que dispendeis, nem vos paga o que andais. Deos não he assim. Para quem lavra com Deos até o sahir be semear, porque tambem das passadas, colhe fructo. Entre os semeadores do Evangelho ha huns que sahem a semear, ha outros que semeão sem sahir. Os que sahem a semear, são os que vão prégar á India, á China, ao Japão: os que semeão sem sahir, são os que se contentão com prégar na patria. Todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que tem a seara em casa, pagar-lhes-hão a semeadura: aos que vão buscar a seara tão longe, Lão-lhes de medir a semeadura, e hão-lhes de contar os passos. Ah dia do Juizo! Ah Prégadores! os de cá, achar-vos-heis com mais Paço: os de lá, com mais passos: Exiit seminare. Mas daqui mesmo vejo que notais (e me notais), que diz Christo, que o semeador do Evangelho sahio, porém não diz que tornou; porque os Prégadores Evangelicos, os homens que professão prégar, e propagar a Fé, he bem que saião, mas não he bem que tornem. Aquelles Animaes de Ezechiel, (S. Gregor. ibi.) que tiravão pelo carro triunfal da gloria de Deos, e significavão os Prégadores do Evangelho, que propriedades tinhão? Nec revertebantur, cùm ambularent: (Ezech. 1. 12.) Huma vez que hião, não tornavão. As rédeas por que se governavão, era o impeto do espirito, como diz o mesmo texto; mas esse espirito tinha impulsos para os levar, não tinha regresso para os trazer; porque sa hir para tornar, melhòr he não sahir. Assim arguis com muita razão; e eu tambem assim o digo. Mas pergunto. E se esse semeador Evangelico, quando sahio, achasse o campo tomado: se se armassem contra elle os espinhos: se se levantassem contra elle as pedras, e se lhe fechassem os caminhos; que havia de fazer? Todos estes contrarios, que digo, e todas estas contradicções experimentou o semeador do nosso Evangelho. Começou elle a semear (diz Christo), mas com pouca ventura. Huma parte do trigo cahio entre espinhos, e afogárão-no os espinhos: Aliud cecidit inter spinas, & simul exortæ spinæ suffocaverunt illud. Outra parte cahio sobre pedras, e seccou-se nas pedras por falta de humidade: Aliud cecidit super petram, & natum aruit, quia non habebat humorem. Outra parte cahio no caminho, e pisárão-no os homens, e comêrão-no as aves: Aliud cecidit secus viam, & conculcatum est, & volucres cœli comederunt illud. Ora vêde, como todas as creaturas do mundo se armárão contra esta sementeira. Todas as creaturas, quantas ha no mundo, se reduzem a quatro generos: creaturas racionaes, como os homens: creaturas sensitivas, como os animaes: creaturas vegetativas, como as plantas: creaturas insensiveis, como as pedras: e não ha mais. Faltou alguma destas, que se não armasse contra o semeador? Nenhuma. A natureza insensivel o perseguio nas pedras: a vegetativa nos espinhos: a sensitiva: nas aves: a racional nos homens. E notai a desgraça do trigo, que onde só podia esperar razão, alli achou maior aggravo. As pedras seccárão-no, os espinhos afogárão-no, as aves |