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já, em combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrarios, e em amalgamar tantos metaes diversos, para que saia um Todo homogeneo e compacto, que se não esfarelle ao pequeno toque de qualquer nova con-vulsão politica.

Nação nenhuma talvez peccou mais contra a humanidade do que a Portugueza de que faziamos outr'ora parte. Andou sempre devastando não só as terras d'Africa e d'Asia, como dice Camões, mas igualmente as do nosso Paiz. Forão os Portuguezes os primeiros que, desde o tempo do Infante D. Henrique, fizerão hum ramo de commercio legal de prear homens livres e vendel-os como escravos nos mercados Europeos e Americanos.

Que educação podem ter as familias, que se servem destes entes infelizes, sem honra nem religião? de escravas, que se prostituem ao primeiro que as procura? Tudo porem se compensa nesta vida; nós tyranisamos os escravos e os reduzimos a brutos animaes, e elles nos inoculão toda a sua immoralidade, e todos os seus vicios.

Qual é a Religião que temos, apezar da belleza e santidade do Evangelho, que dizemos seguir? A nossa Religião he pela mór parte hum systema de superstições e de abusos anti-sociaes; o nosso Clero, em muita parte ignorante e corrompido, he o primeiro que se serve de escravos, e os accumula para enriquecer pelo commercio, e pela agricultura, e para formar, muitas vezes, das desgraçadas escravas um Haren turco.

Riquezas e mais riquezas gritão os nossos pseudo-estadistas, os nossos compradores e vendedores de carne humana; os nossos sabujos Ecclesiasticos; os nossos Magistrados, se he que se pode dar um tão honroso titulo a almas, pela mór parte, venaes, que só empunhão a vara da Justiça, para opprimir desgraçados, que não podem satisfazer a sua cobiça ou melhorar a sua sorte.

Senhores, quando me emprego nestas tristes considerações, quasi que perco de todo as esperanças de ver o nosso Brasil hum dia regenerado e feliz, pois que se me antolha, que a ordem das vicissitudes humanas está de todo invertida no Brasil. O luxo e a corrupção nascerão entre nós antes da civilisação e da industria; e qual será a causa principal de um phenomeno tão espantoso? A escravidão, Senhores, a escravidão, porque o homem, que conta com os fornaes de seus escravos, vive na indolencia, e a indolencia traz todos os vicios apoz si. Diz porem a cobiça cega, que os escravos são precisos ao Brasil, porque a gente delle he frouxa e preguiçosa. Mentem por certo.

A Natureza próvida, e sabia em toda e qualquer parte do Globo dá os meios precisos aos fins da sociedade civil, e nenhum paiz necessita de braços extranhos e forçados para ser rico e cultivado.

Alem disto, a introducção de novos Africanos no Brasil não augmenta a nossa população e só serve de obstar á nossa industria.

As artes não se melhorão: as machinas, que poupão braços, pela abundancia extrema de escravos voações grandes, são desprezadas.

nas po

A lavoura do Brasil, feita por escravos boçaes e preguiçosos, não dá os lucros, com que homens ignorantes e fantasticos se illudem.

Mas dirão talvez que se favorecerdes a liberdade dos escravos será atacar a propriedade. Não vos illudaes, Senhores, a propriedade foi sanccionada para bem de todos, e qual he o bem que tira o escravo de perder todos os seus direitos naturaes, e se tornar de pessoa a cousa, na phrase dos Jurisconsultos? Não he pois o direito

de propriedade, que querem defender, he o direito da força, pois que o homem, não podendo ser cousa, não pode ser objecto de propriedade.

Se a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal de homens, que não podem ser propriedade de ninguem, sem atacar os direitos da Providencia que fez os homens livres e não escravos; sem atacar a ordem moral das sociedades, que he a execução escrita de todos os deveres prescriptos pela Natureza, pela Religião, e pela sãa Politica: ora, a execução de todas estas obrigações he o que constitue a virtude; e toda Legislação, e todo Governo (qualquer que seja a sua fórma) que a não tiver por base, he como a estatua de Nabucodonozor, que humà pedra desprendida da montanha derribou pelos pés; he um edificio fundado em area solta, que a mais pequena borrasca abate e des

morona. »

Nessa representação que fez contra a escravidão de negros diz José Bonifacio:

<< He tempo, pois, e mais que tempo, que acabemos com um trafico tão barbaro e carniceiro... »

«

Que educação podem ter as familias, que se servem destes entes infelizes, sem honra nem religião? De escravas que se prostituem ao primeiro que as procura. »

Leram bem? Dizia o grande Andrada que era um crime comprar e vender escravos; e maior crime seria mante-los em casa, pois elles determinavam a má educação da familia...

É de se suppôr que esse abolicionista vermelho que representava ao Parlamento Brasileiro contra a escravidão, não comprasse nem vendesse escravos. Pois_comprava e vendia negros, esse patriarca abolicionista. Era tal heroe adepto da egrejinha moral de Frei Thomaz:

«

Faça o que eu digo e não faça o que eu faço. »

Querem a prova? Aqui vae:

REGISTRO DO ANNO DE 1822

- N. 218 « Anacleto, creoulo, de 18 annos, filho de João, negro Mina, e Maria, cafúa; vendedor o sr. José de Menezes de Vasconcellos Drumond; comprador o dr. José Bonifacio de Andrada. Preço ajustado cem mil reis (100$000).» (Registro de Vendas e Compras de Escravos, 1822).

Mais tarde, esse mesmo bodinho foi vendido a um sr. Antonio Moniz Teixeira.

REGISTRO DO ANNO DE 1823

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N. 134 Anacleto, creoulo, de 19 annos, filho de João, negro Mina, e Maria, cafúa; vendedor o dr. José Bonifacio de Andrada; comprador o sr. Antonio Moniz Teixeira, negociante.» (Idem, idem, 1823).

Que tal o abolicionista vermelho? Optimo, não ha duvida.

Dizia elle que o escravo corrompia a familia com a sua moral delecteria. Pois Bonifacio, que tinha filhas donzellas, teve escravos até morrer, e por sua morte deixou-os a sua filha solteira Narciza Candida de Andrada.

Apreciem os leitores este pedacinho do testamento do illustre e glorioso abolicionista:

« Declaro que deixo por universal herdeira de minha terça a minha filha d. Narcisa Candida de Andrada, em cuja terça é minha vontade entrem em collação as quatro apolices do governo, acima mencionadas, egualmente uma << cabrinha chamada Constança, e um preto de nação chamado Pedro.» (Do Testamento de José Bonifacio, lavrado na Ilha de Paquetá, Rio de Janeiro, em 9 de Setembro de 1834, pelo padre Luis da Veiga Cabral. Original em mãos do dr. Alberico Possolo, residente na rua Russel n. 4- Rio de Janeiro. Publicado em 1861, no n. XII da « Revista Popular »).

Este Andrada abolicionista que affirmava o corrompimento e a má educação das familias pela immoralidade dos escravos, deixava em testamento para sua filha solteira Narciza Candida uma escrava de nome Constança, e um escravo de raça de nome Pedro.

Isso é o que se chama ser gloriosamente abolicionista! Que differença de outros abolicionistas de tempos depois.

Querem uma comparação? Ei-la. O Barão de Campinas (Joaquim Pinto de Araujo Cintra), era um dos mais opulentos fazendeiros de S. Paulo. Como tal dono de numerosos escravos. Pensando aprimorar a educação dos seos filhos, mandou-os estudar no Estrangeiro: Joaquim (hoje o circumspecto e respeitavel dr. Joaquim Pinto da Silveira Cintra) foi para a Belgica estudar Medicina; José do Carmo, foi estudar direito; Cherubim foi para os Estados Unidos estudar engenharia. Luis Cintra, o mais moço dos irmãos, ficou em S. Paulo. Os rapazes foram, formaram-se e voltaram, um delles republicano e abolicionista. Na celebre convenção republicana de Itú de 1870, lá esteve um, o dr. José do Carmo Cintra. Depois, a luta abolicionista tomou vulto. O filho tentava convencer o velho barão de Campinas que a escravatura era uma nodôa social do Brasil. Correu o tempo. José do Carmo Cintra, o advogado, fez uma conferencia abolicionista: o velho Barão ouviu-o attentamente e durante horas meditou sobre o que o filho dissera. E, grande proprietario de escravos, riquissimo fazendeiro, resolveu ficar abolicionista. Fôra convertido pelo filho. Para não perder dinheiro, poderia vender os escravos e as fazendas. Não o fez. Annunciou uma grande festa de S. João em sua << Fazenda Santo Antonio » e antes da ceia, passou os olhos pela assistencia e viu o jovem republicano e abolicionista bacharelando Carlos de Campos, por quem o velho barão tinha grande estima. Já naquelle tempo Carlos de Campos, hoje leader da Camara Federal, era um orador afamado..

E num gesto vagaroso, irradiante de bondade, o Barão de Campinas chamou o jovem Carlos de Campos.

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