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PREFACIO

DE ASSIS BRASIL

A sinceridade que procuro pôr em quanto digo ou faço manda-me declinar a honra de escrever o prefacio deste livro, como tão amavelmente me pediu o seu autor.

Uma leitura apressada das primeiras provas typographicas e as reminiscencias de fontes que a tantos annos deixei de perlustrar não me habilitam a juizo seguro sobre esta formidavel these: José Bonifacio é, ou não é, o patriarcha da independencia?

Considerando-me, entretanto, sem categoria para julgar do merito da questão debatida, presumo ter alguma para avaliar o do autor: é de plena consciencia e convicção que reputo o Sr. Professor F. de Assis Cintra um estudioso intelligente, movido pelos mais honestos ideaes e orientado pelo melhor criterio. O seu methodo é o mais proprio para dar fecundos resultados, tanto nas pesquisas historicas como nas de todas as sciencias: procura beber nos mananciaes originaes, captar e interpretar documentos, fazel-os falar, em vez de se contentar com chronicas mais ou menos authenticamente fabricadas sobre alguns d'esses mesmos documentos e successivamente copiadas de primitivos pelos modernos escriptores.

É um trabalhador, um pensador substantivo. Não possuirá, nem pretenderá, naturalmente, o dom divino da infallibilidade,

como ninguem o possue, parece que nem mesmo os deuses, a quem tem sido attribuido com a maior candidez por sabios e nescios de todas as epochas. Mas ser veridico já é uma grande cousa, especialmente em historia. E essa virtude, julgo vel-a brilhar com evidencia em toda a obra do jovem professor Assis Cintra.

É muito humano, e é particularmente muito brasileiro, levar o amor ou a antipathia, por homens ou cousas, muito alem das justas raias. Raramente se mede, antes de as exarar, o alcance das affirmações mais graves. É de todos os dias ouvirmos proclamar o mais intelligente dos brasileiros, dos americanos, dos latinos. A expressão cacophonica o unico capaz é familiarissima nas manifestações nacionaes, provinciaes e até aldeas. Taes exaggêros são já recebidos com a indifferença que merecem; mas, se algum effeito podem ter, é antes o de prejudicar o objecto que alvejam.

O nosso José Bonifacio pode ser uma de tantas victimas desse genero. Se se contentassem com o chamar patriarcha, um dos patriarchas da independencia, ou antes um dos fautores (como prefere o autor deste livro, por amor da propriedade de linguagem), muito provavelmente os seus manes nunca seriam turbados pelo rumor da discussão em torno da legitimidade de tão honrosa prenda. Decretal-o, porem, o patriarcha, o unico fautor da independencia foi deixar aberta a brecha por onde se havia de fatalmente infiltrar a impugnação.

Debaixo d'este ponto de vista, não temo errar pensando que o presente livro vae exercer benefica influencia sobre o criterio nacional no julgamento do capital episodio que é a independencia. É possivel que as feridas de algumas das settas mais impiedosamente cravadas pelo autor no idolo em discussão venham a ser lenidas pela razão popular, cuja instinctiva sabedoria desconta algumas vezes muito das santas iras do historiador apaixonado, mesmo quando só o é, como o nosso autor, pela ver

dade; é possivel que ainda novos documentos venham compensar a força probante dos actuaes; mas o effeito salutar de todas as boas controversias não poderá deixar de acompanhar esta, qual o ardor e a boa fé correm parelhas,

na

O que me parece mais provavel é que o accordo do sentimento nacional se estabeleça dentro destas linhas: José Bonifacio foi um grande homem; foram-no tambem os seus irmãos: mas não foi elle, nem foram elles, os unicos autores da independencia; nem seria honroso para o Brasil que o tivessem sido; a independencia nasceu da propria nação, do proprio povo; entre os seus servidores, os Andradas não foram, evidentemente, os primeiros na ordem chronologica, nem os maiores na combinação da independencia com a liberdade, isto é, com a Democracia, sua condição politica; em certos momentos os Andradas tiveram a proeminencia, juntos ou isolados, mas em outros foram obumbrados pelos Ledo, Cunha Barbosa, Clemente, França e outros,

Em todo caso, discutir os grandes homens não é fazer-lhes injuria. Se a sua gloria é substancial e resistente, apparecerá mais limpa e mais radiosa depois dos gilvazes da critica.

Eu mesmo, em pleno deslumbramento da verde mocidade, aos dezoito annos de edade, offendido na minha sacra intolerancia republicana pelas manifestações do velho prócer contra a democracia, imprequei-o com estas rimas vazias de tudo, menos de sinceridade:

Andrada, sublime Andrada !

A tua gloria que é?

Deixaste um rei sobre um throno,
Deixaste um throno de pé!...

Ah! tu não eras o Christo;

Foste apenas precursor!

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E, menos de um lustro depois, na Republica Federal, chamei-lhe atrevidamente e ao irmão Antonio Carlos Agentes imperiaes. É o que exprime em linguagem mais philologica e historicamente correcta o Sr. Assis Cintra quando inflige ao discutido patriarcha o qualificativo aulico. Eu estava ainda, por antecipação, no criterio do autor d'este livro, quando em outra pagina assaquei aos tres grandes irmãos a qualidade de abyssinios, por haverem, depois de repudiados pelo principe estouvado, adherido á moção radical dos constituintes que convidava o povo a tratar da propria defeza, em seguida ao escandalo David Pamplona Côrte Real.

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Estes antecedentes importam é verdade certa concordancia a priori entre as conclusões do moço professor de hoje e as do menino de ha cerca de quarenta annos, já hoje em plena edade provecta. É uma sympathia espontanea, o que não tira que eu peça, em vez de immediata sentença da opinião, uma dilação probatoria, não só para o caso dos Andradas, mas para os de muitos outros grandes vultos do alvorecer da nação. Temol-os estudado pouco e as mais das vezes á luz de falsos methodos.

O maior valor d'este livro é plantar o debate sobre o terreno chão e solido dos documentos originaes e primarios. A correspondencia e outros diplomas que pintam o homem no seu intimo permittem reconstruir caracteres e avaliar capacidades. É a historia vivída, mais historia que a contada. Ter sido a figura é mais banal que a resuscitar. Fazer historia pode ter menos merito e ser menos interessante que escrever historia.

Pedras Altas. 22 de maio de 1921.

J. F. DE ASSIS BRASIL.

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